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Virosfera

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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Gripe aviária: um perigo que não ameaça só galinhas

Surto de influenza H5N1 em frangos deixa cientistas e autoridades globais de cabelo em pé. Nosso colunista explica o risco para a humanidade

Por Paulo Eduardo Brandão
9 mar 2023, 13h16
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  • Há 8 mil anos, em algum lugar no Sudeste Asiático, alguém teve uma grande ideia: e se a gente parasse de caçar essas aves selvagens que chamamos de galinhas, o que dá um trabalhão, e começássemos a criá-las no quintal de casa?

    A ideia se espalhou dali para a Europa Oriental, Grécia e Roma, chegando à Península Ibérica há uns 3 mil anos. E desembarcou na América até antes dos europeus, pegando carona nas embarcações dos polinésios. Aí ficou fácil ter uma fonte de ovos e de carne portátil e fácil de criar.

    Desde 1950, quando a criação de galinhas começou a se industrializar, até os dias de hoje, a escala de produção saltou para bilhões de aves todos os anos, graças a seleção genética, rações mais nutritivas para as aves crescerem (ninguém usa, ou deveria usar, hormônios para as galinhas crescerem!) e vacinas que controlam doenças que ameaçam esses animais.

    Isso tudo envolve muita gente e toda uma infraestrutura de laboratórios, granjas, campos e empresas para cultivar os ingredientes das rações e por aí vai. Assim, a carne (ou, como alguns chamam eufemisticamente “proteína”) de frango, bem como os ovos, ajuda a garantir comida na mesa e a segurança alimentar de bilhões de pessoas pelo planeta.

    Só que, apesar do atual sistema high-tech de criação de galinhas, elas não fogem da virosfera. As aves também pegam vírus, e não há um mais temido na avicultura do que o influenza responsável pela “gripe aviária”.

    Nas últimas semanas, o assunto despertou preocupação mundial em função de um surto que já atingiu países da África, Europa, Sudeste Asiático e quase toda a América, caminhando em direção ao ainda livre Brasil.

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    Já tratamos da intimidade do vírus da gripe neste espaço, mas vale dar uma olhada nele para entendermos o que está rolando e pode vir por aí.

    O influenza tem um envelope repleto de duas proteínas, a hemaglutinina (H) e a neuraminidase (N). Dentro dele está o RNA viral, quebrado em oito pedacinhos, o que faz com que o relógio da evolução desse vírus bata muito rápido. Em outras palavras, ele pode “mudar” bastante.

    Essas proteínas H e N são a impressão digital do vírus. Conhecemos hoje 18 tipos de H e 11 tipos de N. O vírus do surto de gripe do frango atual é o H5N1. As vacinas humanas são focadas atualmente no H1N1 e no H3N2.

    Se você entendeu que a pergunta mais importante aqui é se a vacina contra um tipo de influenza protege contra outro, adianto que a resposta é simplesmente não.

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    Do frango para o ser humano?

    Galinhas com o vírus da gripe podem apresentar sintomas de dificuldade respiratória, cor azulada na crista e nas pernas devido à falta de oxigênio e falência múltipla de órgãos. A infecção se dissemina rapidamente e leva à morte de todas as aves de uma granja em questão de dias.

    A produção de ovos e carne de frango para, derrubando toda a cadeia produtiva, causando desemprego e falências. A falta de frango e ovo faz os preços subirem e aumenta o número de pessoas passando fome.

    Aves selvagens também são suscetíveis à doença. Milhares de pelicanos e outras aves marinhas já morreram no Peru durante o surto atual de H5N1. E, para complicar, o vírus pode pegar carona em aves migratórias e viajar pelo mundo.

    E o que o H5N1 acha de nós como hospedeiros? Casos humanos por esse vírus são raros, mas podem ser fatais. Acontece que o H5N1 das aves não sabe muito bem “conversar” com nosso organismo e, ainda que seja letal, não se transmite bem de pessoa para pessoa.

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    Ou seja, um H5N1 de galinhas “raiz” não causará uma pandemia.

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    Mas, graças a seu relógio acelerado, o vírus da gripe aprende rápido e há três modos para ele se tornar expert em passar de humanos a humanos, e aí sim causar uma pandemia.

    1) Ele pode se “misturar” com vírus da gripe humana usando porcos como “tubo de ensaio”, já que esses animais são vulneráveis a gripes humanas e do frango;

    2) Pode se adaptar a humanos caso o número de aves doentes seja alto, o que já vem ocorrendo, e o contato entre humanos seja frequente, o que é normal em criações de galinhas;

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    3) Ou pode passar de aves para mamíferos não humanos, pegando um atalho até nós, o que já está acontecendo: leões marinhos, minks e até felinos já foram diagnosticados com o H5N1 das aves nos últimos meses.

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    Mas ainda dá para frear esse surto e impedir coisa pior. Manter uma vigilância sobre as aves para saber se elas têm o vírus e pensar em vaciná-las contra o H5N1, além de monitorar o entra e sai de produtos “galináceos” no comércio internacional, é a parte que cabe às agências veterinárias oficiais de cada país.

    E, para o time da saúde pública, a missão é monitorar que tipo de vírus da gripe está aparecendo nas pessoas, o que permite formular e aplicar vacinas em massa depois.

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    Se o H5N1 chegar a nós, há tempo para desenvolver imunizantes rapidamente usando o que aprendemos com a Covid-19. E, ao contrário da infecção pelo Sars-CoV-2, temos antivirais prontos para atacar esse vírus influenza.

    Mas temos que ser rápidos. O tique-taque do relógio do vírus da gripe não espera ninguém.

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