Em 20 anos, 75% dos adultos brasileiros terão obesidade e sobrepeso
Estudo brasileiro estima que 48% viverão com obesidade e 27%, com sobrepeso, levando a um aumento de comorbidades e mortes associadas ao acúmulo de gordura
A obesidade tende a aumentar significativamente no Brasil nas próximas duas décadas, indica um novo estudo nacional. Se hoje 56% dos adultos convivem com o excesso de peso por aqui (sendo 34% com obesidade e 22% com sobrepeso), em 20 anos, a prevalência chegará a 75% (dos quais 48% terão obesidade e 27% viverão com sobrepeso).
Em outras palavras, até 2044, 83 milhões de pessoas terão obesidade e 47 milhões viverão com sobrepeso, somando 130 milhões de brasileiros com excesso de gordura.
A estimativa é resultado de um estudo brasileiro liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As conclusões serão apresentadas durante o Congresso Internacional sobre Obesidade (ICO 2024), realizado neste ano na cidade de São Paulo, a partir desta quarta-feira (26). A pesquisa ainda não foi publicada na íntegra em periódico científico.
“A obesidade é multicausal e tem uma determinação que vai para além da saúde”, explica o pesquisador em saúde global Eduardo Nilson, coordenador do estudo. “Diante disso, são fundamentais estratégias múltiplas para prevení-la.”
Para chegar aos números apresentados, os pesquisadores usaram um modelo de análise de que levou em consideração as tendências atuais no crescimento de casos de obesidade e sobrepeso.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppGrupos de risco expõem diferenças socioeconômicas
Segundo a pesquisa, mulheres, negros e outras minorias raciais serão as parcelas da população com maior prevalência de obesidade.
Até 2030, calcula-se que 30,2% das mulheres terão a doença, enquanto, entre os homens, o índice será de 28,8%. Já em relação ao sobrepeso, 39,7% deles e 37,7% delas estarão nessa faixa.
Na análise racial, 31,1% e 38,2% das pessoas negras e de outras minorias étnicas terão obesidade e sobrepeso, respectivamente. Entre pessoas brancas, as taxas serão de 27,6% e 38,8%.
Além desses fatores, um aspecto relevante no desenvolvimento do quadro é o nível de escolaridade. Segundo o estudo, 35,4% dos que têm baixa escolaridade terão a doença até o fim da década, enquanto a porcentagem será de 26,2% entre os que têm alta escolaridade.
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“O menor nível educacional é normalmente sinônimo de menor renda também, de modo que a principal explicação para essa diferença não é a educação em si, mas a vulnerabilidade socioeconômica desse grupo, que se reflete inclusive em sua segurança alimentar e nutricional, junto com questões de gênero e raça“, avalia Nilson.
Segundo os estudiosos, políticas públicas que facilitem escolhas saudáveis devem ser elaboradas para desacelerar a escalada de casos. Mudanças regulatórias e fiscais devem priorizar o consumo de itens frescos, diversos e minimamente processados, em detrimento dos produtos ultraprocessados.
Obesidade infantil
Outro estudo brasileiro a ser apresentado durante o ICO trouxe estimativas sobre a obesidade infantil no Brasil. A pesquisa é liderada pela nutricionista Ana Carolina Rocha de Oliveira, do Instituto Desiderata, em parceria com a Fiocruz.
Segundo a análise, se mantidas as tendências atuais, a obesidade e o sobrepeso continuarão crescendo entre crianças e adolescentes no Brasil nos próximos 20 anos.
A previsão é que de 24% das crianças com 5 a 9 anos, 15% das de 10 a 14 anos e 12% dos adolescentes de 15 a 19 anos terão obesidade até o 2044.
“Na infância e na adolescência, a doença aumenta não somente o risco de problemas de saúde na vida adulta, mas também o risco da prematuridade de doenças como hipertensão, diabetes e dislipidemias“, destaca Nilson, que também colaborou neste estudo.
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Consequências a longo prazo
Com o aumento de casos de obesidade e sobrepeso, outros problemas de saúde também também tendem a crescer. Os pesquisadores calcularam o impacto dessa tendências sobre 11 doenças associadas ao índice de massa corporal (IMC) elevado.
Com base no Estudo de Carga Global da Doença (GBD, na sigla em inglês) e em dados demográficos e epidemiológicos, foram estimadas a incidência e morte por doenças cardiovasculares, diabetes, doença renal crônica, cirrose e cânceres relacionados ao excesso de peso.
De acordo com o estudo da Fiocruz, 10,9 milhões de novos casos de doenças crônicas associadas ao excesso de peso devem surgir até 2044.
Desses novos diagnósticos, 5,57 milhões serão de diabetes; 2,78 milhões de doença renal crônica; 2,12 milhões de doenças cardiovasculares; 292 mil de cirrose e 122 mil de cânceres.
Além disso, 1,2 milhão de óbitos serão atribuídos ao excesso de peso e suas comorbidades nas próximas duas décadas. Os homens, que são mais propensos à morte prematura, devem corresponder a 64% das vítimas.
“Enfrentamento da obesidade deve ser prioridade do SUS e da sociedade”
A seguir, o pesquisador Eduardo Nilson comenta em detalhes o estudo e quais medidas devem ser tomadas para reverter esse cenário.
VEJA SAÚDE: Quais são os principais fatores por trás do aumento da obesidade e do sobrepeso no Brasil previsto para as próximas décadas?
Eduardo Nilson: Há um conjunto de fatores que podem influenciar a situação, como os genéticos, culturais, socioeconômicos e outros, mas são particularmente relevantes os fatores ambientais, que reúnem as mudanças nos padrões de atividade física (alta do sedentarismo) e na alimentação.
As mudanças na dieta estão entre as principais causas do aumento da obesidade em todas as faixas de idade, particularmente com a gradual substituição dos ingredientes tradicionais da nossa dieta pelos produtos ultraprocessados, desde a primeira infância.
Pontos preocupantes nisso são que adolescentes já consomem mais ultraprocessados do que os adultos e que o crescimento no consumo de ultraprocessados é maior nas famílias de menor renda.
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O que deve ser feito hoje para tentar diminuir essa curva?
Diante da multicausalidade, são fundamentais múltiplas estratégias de prevenção. Antes de falar em prevenção, o sistema de saúde tem uma responsabilidade no acompanhamento e tratamento dos casos de excesso de peso e obesidade.
No conjunto das medidas de prevenção, é importante notar que medidas coletivas são mais efetivas do que as focadas nos indivíduos.
Entre essas estratégias coletivas, temos a educação nutricional, a promoção da atividade física e, principalmente, as mudanças no ambiente alimentar em que vivemos.
É no ambiente alimentar que estão as políticas mais custo-efetivas para evitar a obesidade, ou seja, aquelas que custam menos ao Estado e à sociedade e que têm os maiores impactos sobre a saúde.
Dentre essas políticas destacam-se a regulação da venda de comida nas escolas, a rotulagem frontal de produtos, a regulação da publicidade de alimentos e a tributação de produtos ultraprocessados.
Por outro lado, iniciativas voluntárias lideradas pelo setor produtivo estão entre as medidas menos efetivas.
O Brasil já avançou com a aprovação pela Anvisa da rotulagem nutricional frontal que alerta sobre o excesso de sódio, açúcares adicionados e gorduras saturadas, mas é preciso avançar nas outras medidas.
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Quais medidas coletivas ainda precisam ser tomadas para aumentar o consumo de alimentos saudáveis?
Não temos uma regulação nacional da venda de alimentos nas escolas (proibindo os ultraprocessados), nem a regulação específica da publicidade deles, especialmente para crianças.
Além disso, o momento atual de discussão da reforma tributária é fundamental para aprovar medidas que facilitem o acesso financeiro a alimentos frescos e minimamente processados, como preconiza o Guia Alimentar para a População Brasileira, enquanto desincentivem o consumo de produtos ultraprocessados, por meio da adoção da tributação seletiva sobre eles.
As evidências científicas e experiências exitosas da vida real mostram que as políticas devem promover e facilitar escolhas saudáveis para prevenir a obesidade em todas as faixas de idade, e que medidas regulatórias e fiscais têm impacto significativamente maior do que ações voluntárias das indústrias.
Considerando as diferenças entre a prevalência do excesso de peso de acordo com o nível de escolaridade, a educação pode ser uma aliada na prevenção do problema?
A educação alimentar e nutricional é um componente essencial das políticas preventivas. É preciso que se amplie a comunicação sobre as orientações do Guia Alimentar Brasileiro para toda a população. Além disso, políticas públicas de alimentação escolar podem contribuir muito.
Contudo, o menor nível educacional é normalmente sinônimo de menor renda também, de modo que a principal explicação para essa diferença não é a educação em si, mas a vulnerabilidade socioeconômica desse grupo, que se reflete inclusive em sua segurança alimentar e nutricional, junto com questões de gênero e raça.
Com isso, em primeiro lugar, as políticas precisam atuar sobre essa vulnerabilidade com políticas sociais, como transferência de renda e equipamentos sociais nas comunidades, além de maior acesso e qualidade da saúde.
Nas periferias e regiões mais pobres, é comum também que tenhamos os chamados desertos alimentares, ou seja, ambientes em que há predominância de oferta de produtos ultraprocessados e pouca ou nenhuma oferta de itens in natura e minimamente processados.
Além disso, há a tendência crescente dos produtos ultraprocessados se tornarem mais baratos do que o que é fresco e minimamente processado. Portanto, a escolha do que se consome depende mais de acessibilidade, preço e outros fatores do que do nível educacional.
Em relação ao aumento de casos de obesidade infantojuvenil, a que os pais devem estar atentos?
É fundamental o acompanhamento do peso e altura das crianças pelos profissionais de saúde para identificar desvios e atuar cedo sobre eles.
Lembrando: as questões ambientais estão entre as mais relevantes, particularmente com relação à alimentação e à atividade física. Além disso, exercícios não compensam uma dieta inadequada, pois são complementares.
Assim, o cuidado se estende também à redução do tempo de tela e promoção de brincadeiras. Mas, acima de tudo, é preciso se atentar ao ambiente alimentar da criança, dentro e fora de casa, bem como o exemplo por toda a família.
Particularmente para os menores, a melhor orientação é encontrada no Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, que reforça a importância do aleitamento materno e introdução da alimentação complementar adequada, sem açúcar e sem ultraprocessados.
No caso das crianças com obesidade (bem como em qualquer idade), é muito importante uma abordagem sem culpabilização dos indivíduos, reconhecendo-a como doença e abordando o contexto em que as pessoas vivem.
Como essa situação poderá refletir em outras condições, como problemas cardíacos e diabetes?
A obesidade é uma doença e um fator de risco para outras doenças crônicas não transmissíveis. Na infância e na adolescência, ela aumenta não somente o risco de problemas de saúde na vida adulta, mas doenças como hipertensão, diabetes e dislipidemias podem também surgir mais cedo.
Entre os adultos, o quadro está associada ao risco de uma série de doenças. Além das já mencionadas, podemos citar doenças renais, doenças respiratórias, problemas articulares, cânceres e outras.
A obesidade, assim, tem grandes impactos epidemiológicas, mas também econômicos, para o Sistema Único de Saúde e para a sociedade.
Por exemplo, em outro estudo do nosso grupo, publicado na Scientific Reports, evidenciamos que, se a atual tendência de crescimento for mantida até 2030 no Brasil, teríamos mais de 5 milhões de novos casos de doenças crônicas e 808 mil mortes atribuíveis ao excesso de peso ao longo de 10 anos.
Cerca de metade desses novos casos de doenças seriam por diabetes e, dentre as mortes, 60% seriam por doenças cardiovasculares.
Isso representará 1,8 bilhão de dólares em termos de custos adicionais ao SUS e 58 bilhões de dólares em perdas econômicas pelas mortes precoces causadas pelo excesso de peso nos mesmos 10 anos [segundo análise do grupo publicada no periódico Public Health].
São provas de que o enfrentamento do excesso de peso e da obesidade deve ser uma prioridade do SUS e da sociedade brasileira.