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“Dormir bem pode ajudar a proteger seu cérebro”

O neurocientista Fernando Louzada fala sobre os principais prejuízos das noites mal dormidas à saúde e como desenvolver uma boa higiene do sono

Por Larissa Beani
9 jan 2024, 12h46
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O sono interfere na saúde do cérebro (Foto: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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Com o início de um novo ano, chega também a vontade de adotar hábitos para uma vida saudável. Se você está neste clima, não deixe dar atenção à saúde do seu sono. Afinal, você têm dormido bem e regularmente e adotado boas práticas de higiene do sono?

Segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de brasileiros já conviveram com alguma dificuldade para dormir em algum momento da vida. O estresse é o principal vilão do travesseiro, mas também compete com condições de saúde que atrapalham o sono de crianças e adultos Brasil afora.

Disso o neurocientista Fernando Louzada sabe bem. Professor titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o especialista estuda o impacto do sono na saúde humana há três décadas. Ele se dedica principalmente à desvendar a relação entre as noites dormidas e o aprendizado.

A frente do Laboratório de Cronobiologia Humana da UFPR, Louzada realiza e orienta pesquisas que reiteram a importância do sono para o bem-estar. Nesta entrevista, ele aborda a relevância do sono para a saúde do corpo e da mente, e também os hábitos que ajudam a ter ótimas noites de repouso – um conjunto de atitudes que se enquadra dentro da chamada higiene do sono.

VEJA SAÚDE: Além de ser um momento de descanso e relaxamento para o corpo, o sono é um período dinâmico para o cérebro. O que acontece na nossa central de comando quando estamos dormindo? 

Fernando Louzada: Uma ideia equivocada que muitas pessoas têm até hoje é a de que o cérebro desliga enquanto dormimos. Ele não desliga — e uma evidência disso é que nós sonhamos

Durante os sonhos, ele está bem ativo e trabalhando na consolidação de memórias. Redes com dezenas de bilhões de neurônios no cérebro são ativadas nessa hora, revisitando experiências da nossa vida e conservando-as na forma de lembranças.

Além disso, diversas regiões cerebrais são ativadas enquanto sonhamos, conforme surgem imagens, emoções, movimentos, sons…

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Essa mistura de ativações gera um ambiente propício para a formação de novas ideias e interações. Por isso, os sonhos também são momentos essenciais à criatividade e à solução de problemas.

Vale lembrar também que o sono é um estado de conservação de energia, essencial ao metabolismo.

+ Leia também: Insônia: entenda o sono que não vem

O que acontece quando não dormimos bem ou dormimos pouco?

Os sintomas variam de uma pessoa para outra. Tem algumas que são mais resistentes à privação de sono, e outras, menos.

A principal manifestação é o aumento da sonolência diurna, que pode estar associada a mudanças de humor, como maior irritabilidade e impulsividade e menor paciência.

A forma como percebemos os outros e as situações do dia a dia também pode mudar, e isso interfere nas relações sociais.

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Notar essas manifestações nos ajuda a saber se estamos dormindo o suficiente. Boa parte das pessoas pode precisar de um pouco mais ou um pouco menos de oito horas de sono para ficarem dispostas no dia seguinte. 

Isso também vale para as crianças, que costumam dormir de 11 a 13 horas por dia. Ela está com dificuldade para se concentrar em uma tarefa? Anda irritada? A privação de sono pode prejudicar nossa atenção e regulação emocional.

+ Leia também: Como a saúde mental afeta sua vida social e profissional?

Esses são sinais que podem ser percebidos logo após uma noite mal dormida. Mas e a longo prazo, o que a falta de sono provoca?

A médio e longo prazo, há outras consequências para a saúde. Pessoas que dormem pouco cronicamente têm maior risco de, por exemplo, engordar e desenvolver doenças metabólicas, como o diabetes tipo 2.

Muitas vezes as pessoas não conseguem relacionar uma coisa à outra, mas distúrbios no ciclo sono-vigília podem afetar nosso metabolismo. Problemas cardíacos e demência já foram associados também.

Um estudo de 2018 ganhou grande repercussão após revelar que uma única noite de privação de sono pode aumentar a quantidade da proteína beta-amiloide, associada ao Alzheimer, no cérebro. 

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Não podemos, com isso, afirmar que dormir pouco causa Alzheimer, porque esta é uma doença multifatorial. Mas é sabido que o dormir bem pode ajudar a proteger seu cérebro, inclusive de doenças neurodegenerativas — o que é muito relevante.

Quais são as principais causas que tiram nosso sono?

Há muitas, mas eu diria que, nessa loucura da nossa vida cotidiana, é o estresse.

A evolução construiu nosso cérebro com a capacidade de tornar o sono flexível, plástico. Se precisarmos passar uma noite em claro, pela nossa sobrevivência, passamos. O estresse nos manterá acordados.

O problema é quando esse estresse — cotidiano, gerado pelo trabalho, pelas relações sociais — se torna crônico. Esse é, talvez, o fator isolado mais relevante.

Podemos listar também a alimentação inadequada, o sedentarismo, os hábitos de sono inadequados (estar em ambientes desfavoráveis, desconfortáveis e barulhentos). Problemas respiratórios, como a apneia obstrutiva do sono, também são comuns.

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+ Leia também: Apneia do sono: o que é, como tratar e como prevenir

A falta de sono entre crianças também é um problema comum? O que pode acarretar?

Sim, problemas respiratórios e estresse podem repercutir no sono das crianças, bem como distúrbios como terror noturno e enurese [perda involuntária de urina, o famoso xixi na cama]. São fatores que aumentam bastante o número de despertares durante a noite e, às vezes, a família demora a associar uma coisa com a outra.

Algumas crianças também podem se sentir mais inseguras na hora de ir dormir, por entenderem que é um momento em que estão mais vulneráveis.

Quando elas não querem ir para a cama, o estresse de negociar com os pais o horário, por si só, já as deixa mais despertas. Daí, cria-se uma bola de neve. O estresse é um fator que superficializa e compromete o sono.

Em relação às consequências, também observa-se sonolência excessiva durante o dia e mudanças de humor. 

Recentemente, houve uma avalanche de estudos associando dificuldades para dormir nos primeiros anos de vida a um pior desempenho escolar. É preciso ter cuidado para não estabelecer uma relação direta de causa e consequência nesses casos. 

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Muitas vezes, o sono alterado pode ser indício de algum problema cognitivo. Por isso, podemos considerar que o sono pode ser também um marcador do desenvolvimento.

Quando dormimos pouco, adianta compensar na próxima noite o tempo de sono perdido?

É melhor fazer isso do que não fazer — mas essa não deve ser a regra.  Usamos o termo “débito de sono” quando ficamos em dívida com o nosso cérebro por dormirmos pouco. 

O próprio órgão já tenta compensar o cansaço: quando você vai dormir após passar uma noite em claro, o sono profundo [sono com movimento rápido dos olhos (sono REM), estágio em que os sonhos acontecem] é atingido mais rapidamente. 

O que não existe é o crédito de sono. Dormir a mais nas férias não te dá créditos para privar-se de sono em outros momentos. 

+ Leia também: Como voltar à rotina e à forma após as férias?

O parâmetro das oito horas de sono deve ser seguido por todos?

Quando falamos em oito horas de sono, falamos de um valor médio, não uma norma. As pessoas têm diferentes necessidades de sono, e é preciso respeitá-las. Algumas precisam de nove ou dez horas para estarem dispostas, outras poucas se sentem bem com apenas cinco ou seis horas.

A recomendação de dormir oito horas durante a noite para, de preferência, acordar cedo está mais associada às necessidades de produção da nossa sociedade do que, necessariamente, a nossa necessidade biológica para descansar.

Quando estudamos comunidades que não têm uma pressão pela produtividade como a nossa, observamos inúmeros padrões de sono. Há grupos que dormem picado, populações indígenas que dormem tarde… ou seja, essa dinâmica muda muito. 

E, para além da duração do sono, é importante ter regularidade, porque ela é fundamental para o funcionamento de todos os processos metabólicos do nosso corpo.

+ Leia também: Enquete: você é matutino, vespertino ou intermediário?

Quais hábitos podemos cultivar para ter um sono regular e de qualidade?

Há um conjunto de hábitos que formam o que chamamos de higiene do sono, ou seja, práticas que podem nos ajudar a ter um sono de melhor qualidade.

Entre elas estão a atividade física regular e a alimentação saudável. Em relação à alimentação, é importante evitar comer muito tarde e consumir alimentos muito calóricos e gordurosos, porque a digestão será mais lenta. O seu corpo já estará entrando no clima para dormir.

Evite atividades estimulantes antes de dormir e luzes artificiais. Exponha-se à luz natural durante o dia e, à noite, reduza a intensidade luminosa. 

Recomenda-se que celulares e outros dispositivos eletrônicos sejam deixados de lado, no mínimo, até duas horas antes de ir dormir. Para além da luminosidade desses aparelhos, eles nos estimulam o tempo todo com interações sociais e recompensas.

Nesse sentido, é necessário repensarmos nossa relação com a tecnologia. Não está tudo bem passar noites em frente às telas. Elas estão nos dando a ilusão de que não somos uma espécie diurna, mas a verdade é que devemos concentrar nosso repouso na parte escura do dia. E para isso é preciso controlar o uso e cultivar bons hábitos.

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