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O que é isolamento vertical (e por que essa não é uma boa ideia)?

Estratégia de resguardar apenas os mais suscetíveis ao coronavírus pode ter efeitos catastróficos na saúde e na economia

Por André Biernath
Atualizado em 18 ago 2020, 10h47 - Publicado em 27 mar 2020, 10h25
isolamento vertical coronavirus o que significa
O isolamento vertical vem sendo defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. (/SAÚDE é Vital)
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Quarentena. Supressão. Mitigação. Isolamento (vertical ou horizontal). Achatar a curva. Você já deve ter ouvido muito desses termos nos últimos dias, correto? Sim, diante da ameaça do novo coronavírus, boa parte do mundo adotou estratégias de restrição de contato social entre os seus cidadãos. 

Esse ponto é fácil de explicar: se um sujeito está infectado e fica em casa, sem interagir com outros, ele não passa o vírus da Covid-19. Por outro lado, quem está saudável e permanece fechado em seu lar, não corre o risco de pegar a doença. 

Mas é justamente aí que a coisa começa a complicar: se as pessoas não trabalham, como fica a economia? E as empresas, como vão obter o dinheiro para pagar seus funcionários? É legítimo o medo das consequências de uma recessão global: afinal, desemprego e aumento da pobreza também produzem sérios impactos na saúde.

Pensando nisso, alguns governantes e cientistas passaram a sugerir um caminho alternativo: o isolamento vertical. Nas perguntas abaixo, você vai entender direitinho o que é essa estratégia e porque ela tem tudo para ser ainda mais desastrosa.

O que é isolamento vertical?

A ideia é simples: em vez de mandar todo mundo para casa, fechar escolas e empresas, por que não só isolar as pessoas mais vulneráveis ao novo coronavírus? Pelo que se sabe até agora, a taxa de complicações e mortes é bem maior em alguns grupos: indivíduos acima de 60 anos, portadores de diabetes, hipertensão e doenças cardíacas ou pulmonares. 

Ao menos em tese, isso permitiria que os mais jovens voltassem aos estudos e ao trabalho, fazendo girar a roda da economia. Seguindo ainda essa linha de raciocínio, as companhias manteriam seu ritmo de trabalho e as pessoas continuariam a consumir com certa normalidade.

Há outro argumento por aqui: com os indivíduos de 20, 30, 40 e 50 e poucos anos saindo de casa, invariavelmente elas se infectariam com o coronavírus. Como não fazem parte de grupos de risco, não teriam grandes consequências à saúde e ficariam protegidos. Em longo prazo, isso criaria uma “imunidade de rebanho” e evitaria novos surtos ou epidemias provocadas por esse agente infeccioso.

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A proposta ganhou tração após o presidente americano Donald Trump dizer, no dia 23 de março, que os Estados Unidos mudariam o atual regime em breve e não esperariam os três ou quatro meses de fechamento geral, como se esperava.

A fala ganhou ressonância no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro declarou no dia 25 de março que o tal do isolamento vertical deveria ser o caminho dali para a frente.

O isolamento vertical foi testado em algum lugar?

Até certo ponto, sim. Nas primeiras semanas de março, os governos de Reino Unido e Holanda tomaram poucas ações para combater o coronavírus. De acordo com reportagem da revista Science, o primeiro-ministro holandês Mark Rutte rejeitou “fechar o país completamente” e optou por um “contágio controlado” de sua população. 

A mesma diretriz aconteceu nas terras da rainha Elizabeth II (cujo filho, o príncipe Charles, testou positivo para a Covid-19): deixar que os mais jovens se infectem e proteger somente a parcela mais vulnerável de nossa população.

Mas tudo mudou no dia 16 de março, com a publicação de um estudo assustador, que é assunto para a nossa próxima questão.

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O que fez esses países voltarem atrás?

Um time do Imperial College London, na Inglaterra, publicou uma ampla pesquisa mostrando qual o impacto das medidas não-farmacológicas para reduzir  a mortalidade pelo Covid-19.

O trabalho avaliou diferentes cenários e as consequências que eles teriam tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Vamos explicar as duas estratégias principais que foram avaliadas:

  • Mitigação: foca em frear, porém não necessariamente parar a circulação do vírus. Protege aqueles que estão sob maior risco. É o isolamento vertical que os próprios ingleses vinham apostando.
  • Supressão: tenta reverter o crescimento do número de casos, reduzindo o máximo possível o contato social de todos os habitantes. É o isolamento geral praticado em partes da China e em vários outros países pelo mundo.

E o que os resultados mostraram? Mesmo num cenário com o pico de casos reduzido, seria necessário o dobro de leitos de UTI para suprir a demanda de pacientes em estado crítico no Reino Unido. Seriam milhares de mortes nesses dois países, que estão entre os mais ricos e poderosos do globo.

De certa maneira, isso aconteceu pra valer na Itália. Os governantes demoraram a tomar medidas para proteger a população. Quando se deram conta, o número de infectados já era assustador. Não haviam hospitais ou aparelhos para atender toda a demanda. Hoje, são 81 782 casos confirmados e 8 215 mortes nesse país europeu.

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Quais seriam os principais problemas do isolamento vertical?

Em primeiro lugar, é difícil isolar apenas algumas pessoas. Pense na realidade dos idosos que moram com os filhos ou os netos. Se os mais jovens voltarem à escola ou ao trabalho e tiverem contato com o coronavírus, vão trazer a doença para dentro de casa. É complicado pensar num isolamento social completo diante da realidade de nossa sociedade.

E olha que o buraco é bem mais embaixo… De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, 14 milhões de brasileiros são  diabéticos e metade deles nunca fez o diagnóstico. O Ministério da Saúde calcula que uma a cada quatro pessoas que moram em nosso país têm hipertensão arterial. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que até 20% de nossos conterrâneos sofrem com asma e 10% convivem com a doença pulmonar obstrutiva crônica, a DPOC.

Traduzindo: são milhões e milhões de indivíduos que fazem parte do grupo de risco da Covid-19, muitos abaixo da faixa etária dos 60 anos. E, mais assustador ainda, vários deles sequer foram diagnosticados e vivem com a doença nas sombras. Como fica a saúde deles? Como vão se isolar com a exigência de voltar aos postos de trabalho?

Os defensores do isolamento vertical também se baseiam nos números da Coreia do Sul, país que obteve ótimos resultados no combate ao novo coronavírus (no dia 26 de março, eram 9 241 casos confirmados e 131 mortes por lá). O argumento é que a mortalidade da doença nesse país asiático ficou em torno de 1%, o que justificaria medidas mais suaves. 

Mas a questão é que a Coreia do Sul adotou outra ação muito eficaz: fazer testes em massa na população. Desse modo, eles conseguiram detectar até os casos mais leves e isolar essas pessoas, para que elas não passassem a doença para os outros.

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O drama é que o mundo não tem capacidade de realizar tantos exames assim. Não existe nem material, nem dinheiro para disponibilizar esse serviço em larga escala. O Brasil mesmo só realiza testes nos pacientes mais graves, que estão internados. 

E o que isso significa na prática? Em resumo, não conhecemos o número real de infectados pelo novo coronavírus. Se a taxa de mortalidade foi 1% na Coreia do Sul, ela subiu para 2% na China. E saltou para quase 10% na Itália.

Uma simples conta de padaria dá a dimensão do problema. Vamos levar em consideração as projeções de que 70% da população mundial vai se infectar com coronavírus. Isso significa que 4,9 bilhões de pessoas terão a Covid-19 (a maioria com sintomas leves ou até imperceptíveis).

Se a taxa de mortalidade for de 1%, como visto na Coreia do Sul, estamos falando de 49 milhões de mortos no planeta, número que se aproxima ao da gripe espanhola de 1918. 

Então qual o caminho a ser seguido?

A bem da verdade, ninguém sabe (e isso pode variar de nação para nação). Mas o que tem se mostrado mais efetivo é um isolamento mais abrangente: escolas e universidades fechadas, empresas em regime de home office quando possível e serviços essenciais abertos, como supermercados e farmácias. Essa é a estratégia que está em vigor em boa parte do mundo, com diferentes níveis de rigor. Em Singapura, por exemplo, cidadãos que saírem às ruas sem uma boa justificativa tomam multa pesada.

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Claro que, eventualmente, as pessoas precisarão deixar suas casas para tocar a vida. Mas quando isso é feito aos poucos, a demanda de atendimento e internação no sistema de saúde fica menor e mais sustentável. 

É o que os especialistas chamam de “achatar a curva”: em vez de todo mundo ir numa única semana ao pronto-socorro, as medidas de isolamento social seguram a barra e permitem que a população se infecte com o coronavírus num ritmo mais lento, a ponto de garantir acesso maior às UTIs e respiradores.

O exemplo de Wuhan, a cidade na China onde tudo começou, é claro: após três meses de quarentena total, as autoridades começam a ensaiar a volta à normalidade. E o tempo em que isso será feito fará toda a diferença. 

Um estudo da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres publicado no periódico The Lancet mostra que, se o isolamento em Wuhan for revogado no final de março, um novo pico de casos de Covid-19 vai acontecer por lá em agosto de 2020. Se esperar até abril para promover essa liberação, o aumento de casos ocorrerá por volta de outubro, o que significa mais tempo para se preparar e aguentar a segunda onda dessa tormenta.

Outras atitudes essenciais para superar essa crise são a construção de hospitais de campanha, como aconteceu na China, a realização de testes em massa (caso da Coreia do Sul) ou o fechamento de fronteiras antes de os primeiros casos aparecerem o Panamá tomou essa decisão logo no início, o que atrasou um pouco a chegada da doença por lá (hoje já são 558 casos e 8 mortes no país da América Central).

E como fica a economia no meio disso tudo?

Não tem escapatória: a recessão já está sendo calculada por tudo que é economista. Na toada de outros países, o Brasil zerou a expectativa de crescimento de seu produto interno bruto (PIB) para 2020. A tendência é que tenhamos queda nesse índice, que mede a totalidade das riquezas de uma nação.

Para minimizar isso, precisamos contar com políticas públicas que protejam as parcelas mais vulneráveis da população, principalmente aqueles que trabalham sem carteira assinada ou são profissionais autônomos. É necessário pensar também num plano de proteção às pequenas e médias empresas, pois a falência delas significa mais desemprego.

Nos Estados Unidos, os políticos estão costurando um pacote de estímulo à economia que totaliza 2 trilhões de dólares. A proposta é segurar a barra nesse período de três ou quatro meses de pausa econômica. Parece muito? Se o governo deixar a coisa rolar solta e um grande número de americanos morrer, a perda de dinheiro superaria esse investimento em mais de 20 vezes. Seriam dezenas de trilhões de dólares perdidos para o coronavírus.

Sobre o impacto econômico que o fechamento do comércio e das empresas pode provocar, um estudo publicado na última quinta-feira (26) ajuda a ilustrar a situação. Assinado por experts do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, o trabalho analisa como a gripe espanhola de 1918 impactou a economia de diversos municípios americanos. E a conclusão é bem clara: “Nós descobrimos que cidades que fizeram intervenções com rapidez e de forma agressiva [com medidas de isolamento total da população, por exemplo] não tiveram performances piores e voltaram até a crescer mais rápido depois que a pandemia acabou. Essas medidas não-farmacológicas não apenas diminuem a mortalidade, como também mitigam as consequências financeiras adversas de uma pandemia”, escrevem os autores.

E o Brasil?

A despeito de declarações e pronunciamentos, por ora não existe nenhum posicionamento oficial de como a questão do isolamento será tratada no Brasil. A depender da postura dos representantes do Ministério da Saúde nas últimas coletivas de imprensa, a tendência é de uma individualização: algumas cidades ou estados precisarão fazer quarentena total, enquanto em outros locais esse tipo de estratégia não será colocado em prática.

Certos estados se adiantaram e decretaram o fechamento das escolas e do comércio não essencial. É o caso de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo. Mas não há previsão de medidas mais rígidas, como a proibição da circulação nas ruas ou multas para quem for pego zanzando por aí. 

E como eu devo agir?

Para evitar qualquer risco desnecessário, o ideal é ficar em casa se você tem essa possibilidade. Saia apenas quando necessário. E, claro, siga as orientações das secretarias de saúde de seu município e estado e do Ministério da Saúde.

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