“O diagnóstico do Alzheimer não é uma sentença de morte”
A psiquiatra Valeska Marinho fala sobre a importância da prevenção à demência e dá dicas sobre como cuidar de quem convive com o diagnóstico
Quase 1 milhão de brasileiros têm Alzheimer, transtorno neurodegenerativo que afeta a memória, a habilidade motora, a linguagem e o comportamento. Os dados são do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros.
Apesar dos desafios, há maneiras farmacológicas e psicossociais de gerenciar a condição, trazendo maior qualidade de vida à quem convive com ela — e a quem cuida.
É o que defende a psiquiatra Valeska Marinho Rodrigues, coordenadora do Centro para Doença de Alzheimer, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
À VEJA SAÚDE, a especialista fala sobre a prevenção da demência e sobre como aliviar a rotina dos cuidadores de quem tem a doença.
Confira:
VEJA SAÚDE: Qual é o papel do psiquiatra no tratamento de demências?
Valeska Marinho Rodrigues: Além dos prejuízos à memória, outros domínios são afetados pela demência, como a linguagem, a atenção e a função visual-espacial.
Há também alterações comportamentais, que incluem depressão, ansiedade, insônia, alterações na esfera da sexualidade, agitação, delírio, comportamento motor alterado, agitação, perambulação, irritabilidade.
Na maioria das vezes, o psiquiatra e o psicogeriatra estão mais acostumados ou habilitados a lidar com esses aspectos — mesmo que todos os profissionais que atuem nessa interface devam estar preparados para tratar essas manifestações.
O psiquiatra, via de regra, é um dos primeiros profissionais procurados nesses casos, porque, no início da síndrome ou até antes, é comum que o paciente apresente quadros de depressão e ansiedade.
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A depressão pode anteceder o aparecimento da demência ou ocorrer ao mesmo tempo em que surgem as primeiras queixas cognitivas. Diferenciar o que é depressão do que é Alzheimer no idoso é importantíssimo.
Às vezes, as alterações de comportamento chamam mais atenção do que as cognitivas, que, no início, são muito sutis, como pequenos esquecimentos.
Por outro lado, transtornos psíquicos também podem predispor à demência?
Sim, doenças mentais — como depressão, ansiedade e insônia —, quando não tratadas, são fatores de risco para o desenvolvimento do Alzheimer. O mesmo vale para outras condições de saúde, como hipertensão, diabetes, obesidade e perda auditiva.
Esses fatores de risco potencialmente modificáveis precisam receber mais atenção, porque eles podem influenciar, para o bem ou para o mal, o futuro do nosso envelhecimento.
“O que a gente pode fazer hoje para evitar o Alzheimer amanhã?” Essa é a grande pergunta que precisamos fazer a nós mesmos para prevenirmos a doença e outras demências e, se tivermos que desenvolvê-la, que posterguemos seu surgimento.
Se postergarmos, já estamos ganhando. Essa é a mentalidade a ser construída.
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Estima-se que 130 milhões de pessoas terão demência até 2050. O que podemos fazer individualmente para conter essa tendência e o que caberia virar política pública?
Manter bons relacionamentos sociais, dormir melhor e fazer atividade física são fatores protetores que podemos cultivar.
Aprender coisas novas, ler, tocar instrumentos… são formas de manter-se mentalmente ativo também, o que é muito importante para formar uma reserva cognitiva, capaz de conter a progressão da doença.
É preciso também ter uma alimentação variada, rica em leguminosas, ácidos graxos poli-insaturados [ômega-3 e ômega-6]. Em suma, inspirada na famosa dieta mediterrânea, que pode ser adaptada à realidade brasileira.
A melhora na qualidade de vida, que previne e posterga o aparecimento da doença, está relacionada a mudanças de hábitos. Só que, para nós, seres humanos, parece mais fácil tomar um comprimido do que mudar costumes.
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Acho que isso se reflete em como o assunto é coberto na impressa também, com muito foco em tratamentos caríssimos— e que estão aquém do resultado que gostaríamos — e pouco debate sobre prevenção.
Devemos convidar a população a refletir sobre seus próprios comportamentos e incentivar essas mudanças. Precisamos amadurecer esse diálogo porque ele gera muitos custos aos sistemas público e privado de saúde, e quem paga a conta somos nós, de uma forma ou de outra.
Além disso, em termos de políticas públicas, seria interessante focar na melhora da educação formal dos adultos.
E como podemos lidar melhor com os casos de demência que temos hoje? O que pode ajudar os cuidadores nessa missão?
Ajustar expectativas é sempre fundamental. Costumo dizer que o diagnóstico de Alzheimer não é uma sentença de morte. Na verdade, damos um diagnóstico de vida, de como a pessoa irá conviver com uma doença que é crônica.
Vários estudos mostram que, quanto mais cedo o tratamento começa, maiores são os ganhos em qualidade de vida.
O cuidador é um aliado fundamental para traçar as estratégias para o paciente. E é preciso que ele entenda que a demência é uma condição permanente, e seu cotidiano com a pessoa diagnosticada será de constante aprendizado.
Além disso, quando a gente fala de tratamento, sempre há uma aba do paciente e outra do cuidador. São pessoas que precisam ser cuidadas com igual atenção — cuidadas e informadas.
Existem várias sociedades civis, como a Abraz [Associação Brasileira de Alzheimer: ABRAz] e a Apaz [Associação de Parentes e Amigos de Pessoas com Alzheimer], que fazem encontros regulares, presenciais ou online, com cuidadores e estão abertas à conversa e acolhimento.
Nesses espaços, compartilham-se vivências, saberes, aprendizados, experiências — e isso é fundamental.