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Febre oropouche: estudo investiga mortes e entidade emite alerta

Estudo inédito revela detalhes sobre os primeiros óbitos pela doença registrados no mundo

Por Lucas Rocha
2 ago 2024, 16h38
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Estudo inédito revela possíveis causas das mortes por oropouche no Brasil (jcomp/Freepik)
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Com o aumento de casos da febre oropouche na região das Américas, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) emitiu um alerta que recomenda aos países a ampliação da vigilância.

Em julho, o Brasil confirmou duas mortes no interior da Bahia devido à infecção pelo vírus. São os primeiro óbitos registrados pela doença no mundo. As duas mulheres, com idades abaixo de 30 anos, não apresentavam comorbidades e tiveram sintomas semelhantes aos de um quadro de dengue grave.

Um novo estudo revela detalhes sobre os casos fatais. O trabalho está disponível na forma de pré-print (trabalho que ainda não passou por revisão de outros cientistas) na plataforma Scielo.

Para entender as consequências da infecção que levaram aos óbitos, os pesquisadores analisaram amostras biológicas das pacientes a partir de testes de biologia molecular (RT PCR), que confirmaram a infecção pelo vírus oropouche.

Além disso, realizaram outros dois tipos de exame. Os sorológicos, que permitem a identificação de anticorpos produzidos pelo organismo ao entrar em contato com agentes infecciosos. E os metagenômicos, que indicam composições microbianas nas amostras, com o objetivo de detectar outras possíveis patologias.

Esses últimos procuraram por vestígios de dengue, zika e outros patógenos. “A técnica revelou apenas a presença de oropouche”, detalha a farmacêutica bioquímica Arabela Leal, diretora do Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen).

A investigação foi conduzida por especialistas de diversas instituições, incluindo o Lacen, a Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVEP) do estado, a Fundação Ezequiel Dias, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas) e a Universidade Campus Biomédico, de Roma, na Itália.

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+ Leia também: O que é a febre do oropouche, que deixa Ministério da Saúde em alerta

Os pontos mais relevantes

A primeira paciente, de 24 anos, de Serra Grande, distrito de Valença, no Sul da Bahia, manifestou os primeiros sintomas em 24 de março. A segunda vítima, de 21 anos, era moradora de Camamu, também na região Sul do estado, e começou a apresentar sinais da infecção no dia 5 de junho.

A investigação mostrou altas cargas virais para oropouche nas duas amostras. Os pesquisadores destacam ao menos quatro pontos relevantes da análise destes casos:

  • a rápida evolução do início dos sintomas até a morte
  • o desfecho inesperado em uma doença para a qual não haviam relatos de mortes
  • problema grave de coagulação no sangue como o provável mecanismo que levou às mortes
  • impactos ao fígado, que podem ter contribuído para a coagulopatia e, consequentemente, para os óbitos
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Mosquito transmissor da febre oropouche (Foto: Scott Bauer/Agricultural Research Service/United States Department of Agriculture/Divulgação)

O papel central da hemorragia

Nos casos da Bahia, foram detectados fenômenos hemorrágicos com uma evolução significativamente severa.

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Problemas do tipo, como sangramentos no nariz, na gengiva e na pele, já foram observados anteriormente, mas de maneira mais leve. Um estudo publicado no periódico Emerging Infectious Diseases, mostrou esses sinais em 20 pacientes durante um surto de oropouche em Manaus. Contudo, todos os indivíduos se recuperaram sem sequelas.

Resultados semelhantes foram encontrados em outra pesquisa, realizada durante um surto da infecção no Peru em 2010, com 108 casos confirmados. Alguns apresentaram sangramentos nasais, gengivais, na pele e na vagina, mas nenhuma morte foi relatada, segundo a análise documentada na Revista de Gastroenterología del Perú.

O médico infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, avalia que os achados não representam uma surpresa para a comunidade médica.

“Essas arboviroses podem ter característica hemorrágica, um exemplo mais claro é a dengue. A novidade é que, até então, não havia descrição tão bem documentada de um achado sobre oropouche em duas mulheres que acabaram morrendo”, pontua Suleiman, que não esteve envolvido no estudo.

Ele explica que agora é necessário entender como esse processo ocorre no caso do patógeno e qual seria a melhor estratégia para evitá-lo.

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+ Leia também: Sim, é possível pegar dengue e gripe ao mesmo tempo!

O estudo destaca que as duas mulheres tiveram uma diátese hemorrágica, nome técnico para alterações na coagulação do sangue que promovem sangramento.

Além disso, impactos no fígado também foram encontrados. Uma delas apresentou níveis elevados de enzimas hepáticas, que podem sinalizar acometimento grave do órgão, condição associada aos problemas de coagulação.

“Esse é um achado que acompanha as diversas doenças associadas à síndrome hemorrágica. Existe uma lesão hepática, ou seja, as células do fígado são atacadas por causa da inflamação desencadeada pela presença do vírus”, detalha Suleiman.

Além disso, a queda acentuada e rápida na porcentagem de glóbulos vermelhos no sangue aponta para um possível sangramento interno. O estudo conclui que a evolução clínica das pacientes baianas foi muito semelhante à de uma febre hemorrágica grave, como acontece em casos severos de dengue, por exemplo.

“Portanto, é de extrema importância implementar vigilância epidemiológica ativa, com definição de casos e marcadores laboratoriais que possam diferenciar rapidamente os arbovírus atualmente circulantes”, frisam os autores.

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+ Leia também: Dengue sem sinal de alarme, com sinal de alarme e grave: qual a diferença?

O oropouche

O vírus é transmitido principalmente pelo inseto Culicoides paraensis, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora (saiba como se proteger). A febre tem um período de incubação de 4 a 8 dias, e a maior carga viral costuma ser detectada nos primeiros 4 dias após o início dos sintomas.

Os sintomas incluem febre, geralmente acompanhada de dores de cabeça, musculares e nas articulações, além de perda ou ausência de apetite, tontura, calafrios e sensibilidade à luz (fotofobia).

Casos mais graves podem incluir o acometimento do sistema nervoso central, com o desenvolvimento de meningoencefalite — a inflamação do encéfalo e da medula espinhal — especialmente em pacientes imunocomprometidos. Ao observar os sintomas, a orientação é buscar atendimento em uma unidade de saúde.

Para Suleiman, os achados devem nortear o trabalho dos profissionais de saúde no país para que pensem no oropouche. “Na eventualidade de se ter um paciente nessas condições, que ele seja considerado como hipótese diagnóstica”, afirma.

Casos de oropouche no Brasil e na América Latina

O Brasil registrou 7.286 casos de oropouche em 2024, de acordo com com dados do Ministério da Saúde computados até o dia 28 de julho.

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A maior parte das infecções foi registrada no Amazonas e em Rondônia. Além das duas mortes confirmadas na Bahia, um óbito está em investigação em Santa Catarina.

Na região das Américas, a febre também foi relatada na Bolívia (356 registros), Colômbia (74), Cuba (74) e Peru (290). A Opas enfatiza que os países devem ampliar a vigilância, com a realização de testes laboratoriais para confirmação da doença, especialmente para identificar casos fatais e graves, e possíveis episódios de transmissão vertical.

Nesse sentido, recentemente quatro casos de microcefalia foram relacionados ao oropouche, evidenciando a possibilidade de o vírus passar da mãe para o feto. Abortos espontâneos também estão em investigação.

Por fim, a Opas recomenda a expansão das campanhas de prevenção e das ações de controle de mosquitos vetores.

Mudanças genéticas

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Grupo Fleury aponta que o micro-organismo sofreu alterações genéticas relacionadas a outros dois vírus que circulam na Amazônia e têm potencial para infectar pessoas.

Mutações nos genes podem ter impactos variados, desde uma mudança leve no comportamento do vírus ao aumento na capacidade de infecção. Outro trabalho, capitaneado pela Fiocruz Amazônia e por outras instituições, aponta que o subtipo em circulação parece se multiplicar mais rápido.

Ainda são necessários, contudo mais estudos, para entender as diferenças desta nova variante.

Ações do Ministério da Saúde

Consultado sobre as ações de enfrentamento, o Ministério da Saúde informou que coordena uma Sala Nacional de Arboviroses, que funciona de forma permanente, monitorando não só a situação do oropouche, mas também casos de dengue, chikungunya e Zika.

“Recentemente, a pasta publicou uma nota técnica com recomendações sobre medidas de prevenção e orientações para que estados e municípios possam intensificar a vigilância da transmissão do vírus”, afirmou o ministério em nota.

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