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A ameaça crescente (e oculta) das superbactérias no Brasil

Estudo revela aumento significativo na ocorrência de enzima associada a casos de resistência bacteriana no país

Por Lucas Rocha
Atualizado em 9 ago 2023, 12h41 - Publicado em 9 ago 2023, 12h30
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  • A resistência de bactérias aos antibióticos representa uma grave ameaça à saúde global. O problema está associado principalmente ao uso indiscriminado dos medicamentos disponíveis para o tratamento de infecções.

    Como consequência, os remédios tornam-se ineficazes e doenças comuns, com as quais os médicos sempre lidaram, tornam-se difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de agravamento e mortes.

    Recentemente, pesquisadores realizaram um mapeamento no Brasil de enzimas (substâncias envolvidas em reações químicas) associadas ao desenvolvimento do fenômeno.

    O resultado é alarmante. Ao longo de sete anos, houve um crescimento significativo de uma enzima chamada New Delhi metallo-beta-lactamase (NDM-1), que está ligada ao surgimento das superbactérias, como são conhecidos os patógenos de difícil tratamento.

    O projeto, financiado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, contou com a colaboração de cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Laboratório Central de Saúde Pública do Paraná.

    Os achados foram publicados no periódico Clinical Infectious Diseases.

    + Leia também: Bactérias multirresistentes são identificadas fora do ambiente hospitalar

    O que revela o estudo?

    Os pesquisadores avaliaram mais de 80 mil bactérias a partir de bancos de dados públicos de laboratórios brasileiros.

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    A análise, que considerou o período de 2015 a 2022, revelou que uma enzima relacionada à resistência chamada KPC é a mais prevalente no país.

    Porém, a NDM-1 apresentou um crescimento mais expressivo no período analisado.

    O estudo investigou sua presença em três tipos de bactérias associadas a infecções hospitalares: Pseudomonas aeruginosa, enterobactérias e as do complexo Acinetobacter baumannii.

    Entre as enterobactérias, por exemplo, a taxa de detecção foi de 14,4% para a NDM e de 68,6% para KPC. No recorte do percentual anual, houve um aumento de 41,1% da NDM e uma queda de 4% para a KPC.

    Considerando a Pseudomonas aeruginosa, a ocorrência de NDM ficou em 2,5%, com crescimento anual de 71,6%.

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    Por que a NDM preocupa?

    A KPC pode ser a mais frequente, mas conta com tratamentos comprovadamente eficazes.

    Já a NDM não, afirma o líder do estudo, Carlos Kiffer, professor adjunto de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

    “A NDM confere resistência a uma classe específica de antibióticos, os chamados carbapenêmicos, que são basicamente o nosso melhor e último recurso para tratar infecções”, afirma Kiffer.

    Consideradas drogas seguras e potentes, os carbapenênicos sempre foram usados para lidar com quadros mais complicados de infecções hospitalares.

    De acordo com o especialista, os resultados da pesquisa não são motivo para pânico, mas servem de alerta para a comunidade científica.

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    “Há estratégias de contenção possíveis, do ponto de vista de saúde pública e controle de infecções hospitalares. Basta conseguirmos colocá-las em prática para evitar que a situação piore”, diz.

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    Controle das infecções hospitalares ajuda a reduzir os riscos de resistência bacteriana (Foto: Stephen Andrews/Unsplash/Divulgação)

    O fenômeno da resistência

    O tratamento de infecções bacterianas é feito com antibióticos, medicamentos capazes de matar ou inibir o crescimento desse tipo de micro-organismo.

    Só que, para sobreviver, eles desenvolvem estratégias de defesa, que são chamadas tecnicamente de mecanismos de resistência.

    São diferentes caminhos. As bactérias podem “aprender” eliminar o antibiótico do organismo, decompor as moléculas dos fármacos ou simplesmente ignorar os seus efeitos.

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    Como consequência do fenômeno, os remédios podem se tornar ineficazes. Embora seja um processo natural, a resistência é favorecida principalmente pelo uso excessivo dos antibióticos. Isso ficou ainda mais claro na pandemia, quando muitos infectados pela Covid-19, uma infecção viral, receberam a prescrição “preventiva” de um antibiótico.

    Antes disso, contudo, o uso indiscriminado já acontecia, como revelou um estudo publicado na revista eClinicalMedicine, do grupo Lancet. Entre 2000 e 2015, o consumo global aumentou 65%, principalmente devido aos altos níveis de uso dos remédios em países de alta renda.

    Uma outra pesquisa, com dados de 204 países, publicada no periódico científico Nature, mostrou que o consumo global desse tipo de medicamento aumentou 46% entre 2000 e 2018.

    + Leia também: Novos hábitos ajudam a vencer as superbactérias, uma preocupação mundial

    Por que isso acontece?

    Imagine um campo de batalha entre um remédio e uma bactéria. Após um combate, parte dos germes morre, enquanto outros sobrevivem, mais fortes e se multiplicando.

    Aqueles que são derrotados são os chamados “sensíveis” a esse composto, já os que prosperam são as “resistentes”.

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    Quanto mais antimicrobianos são usados, maiores as chances de que um agente bacteriano desenvolva essa resistência. É um contexto chamado pelos cientistas de pressão seletiva.

    Além disso, nem toda bactéria é sensível a qualquer antibiótico, e o uso incorreto pode trazer mais prejuízos.

    Ainda na analogia do campo da batalha, usar o antibiótico errado seria como colocar o patógeno para enfrentar um adversário mais fraco, dando a ele apenas mais oportunidades de “treino”.

    Por isso, conhecer a bactéria por trás de um quadro infeccioso é fundamental para orientar a escolha terapêutica.

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    Resistência aos antibióticos acontece quando determinada bactéria se modifica em resposta ao uso dos medicamentos (Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz/Divulgação)

    Últimos recursos para o tratamento

    Quando bactérias produzem a enzima NDM e desenvolvem resistência à ação do medicamento para o qual elas eram sensíveis até então, os médicos podem se ver diante de um grande desafio.

    “Ao resistir aos carbapenêmicos, as bactérias nos deixam praticamente sem alternativa terapêutica. Existem outros fármacos, mas não que sejam comprovadamente eficazes contra essa enzima”, diz Kiffer.

    + Leia também: As 12 superbactérias que apresentam maior risco à saúde

    Nesse cenário, resta aos médicos a exploração de um campo nebuloso para buscar a cura.

    Um teste chamado antibiograma permite avaliar padrões de resposta dos micro-organismos aos diferentes antibióticos.

    A partir dos resultados do exame, uma das possibilidades de terapia, por exemplo, pode ser a combinação de um ou mais remédios. Mesmo assim, a estratégia pode não ter o efeito esperado.

    Kiffer afirma que parte dos pacientes responde ao tratamento e conseguem ser curados. Contudo, infecções praticamente intratáveis estão se tornando mais comuns, levando indivíduos à morte.

    O que (ainda) pode ser feito

    Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa questão é uma prioridade para a saúde pública global.

    Anualmente, no mês de novembro, a entidade promove campanhas para conscientizar população, profissionais de saúde e gestores sobre os impactos sociais e econômicos do problema.

    Além de acelerar medidas para o isolamento do paciente, a ação visa também evitar o uso de medicamentos de forma desnecessária.

    A OMS recomenda às instituições de saúde ampliar o controle interno de infecções, além de priorizar a identificação da bactéria e do seu mecanismo de resistência.

    “A melhoria do diagnóstico é fundamental, para identificar a presença das enzimas NDM ou da KPC, por exemplo”, afirma a pesquisadora Ana Paula Assef, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), uma das autoras do estudo.

    O uso indiscriminado de antibióticos por unidades de saúde, pela população e no contexto da agropecuária favorece o aumento do fenômeno, segundo Ana.

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