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A dieta parceira da gravidez

Novas pesquisas reforçam o papel da alimentação durante esses nove meses tão especiais — e apontam os ajustes no cardápio antes da gestação e após o parto

Por Regina Célia Pereira
Atualizado em 17 set 2021, 14h28 - Publicado em 17 set 2021, 14h27
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  • Basta anunciar que a família vai crescer e logo pipocam pitacos, de todos os lados, sobre a alimentação da mamãe. Entre dicas e polêmicas envolvendo canjica, canja de galinha, café, pimenta e cerveja preta, um dos conselhos mais batidos — e ultrapassados, diga-se — é o de comer por dois.

    A máxima popular foi demolida pela ciência, uma vez que os exageros à mesa levam ao ganho excessivo de peso e, nessa fase, tal condição gera desconfortos e aumenta o risco até de parto prematuro. Não é à toa que equilibrar as refeições e ficar em dia com a balança — de preferência, ainda na fase do planejamento da gravidez — é encorajado pelas últimas diretrizes dietéticas do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.

    A história realmente começa antes da concepção. Muitos quilos a mais e o desbalanço de nutrientes interferem logo de cara na fertilidade. Um recado que também vale para o futuro papai. “O organismo de quem convive com a obesidade tende a ser mais inflamado, o que impacta a qualidade dos óvulos e dos espermatozoides”, explica a nutricionista Natália Barros, mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

    Por outro lado, menus recheados de frutas, hortaliças, castanhas, grãos e pescados ajudam nos planos de engravidar, como documentam diversos estudos. A bem da verdade, antecipar os cuidados com a dieta contribui também para uma gestação sem contratempos e influencia a saúde do rebento até a fase adulta.

    Há um novo número mágico nesse contexto, os 1 100 dias, e ele diz respeito a uma janela de oportunidades para ter uma gravidez e um bebê saudáveis. Ora, mas não se falava em mil dias? Pois é, antes a conta parava por aí porque incluía os nove meses na barriga e os dois primeiros anos da criança. “Mas novas evidências têm colaborado para a ampliação desse ciclo, com o acréscimo dos três meses que antecedem a gestação”, conta a nutricionista Gabriela Halpern, do Fertility — Centro de Fertilização Assistida, na capital paulista.

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    O conceito dos mil dias, agora encorpado com mais 100, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e também tem tudo a ver com uma área da ciência batizada de epigenética. Ela investiga como influências ambientais, caso da alimentação, interferem na expressão de genes e imprimem marcas futuras no desenvolvimento do bebê, elevando ou reduzindo a propensão a diversas doenças.

    É por isso que na gestação (e além) a família deve zelar para que não faltem vitaminas, minerais, gorduras boas e tantas outras substâncias vindas da comida.

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    “Só que não pode haver espaço para paranoias no momento das refeições”, defende a ginecologista e obstetra Karen Rocha de Pauw, especialista em reprodução humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Nessa etapa tão única, respeitar questões culturais e preferências individuais — com os devidos cuidados, claro — faz parte de um roteiro feliz.

    “A grávida deve curtir o momento, mas com bom senso”, sintetiza a médica. Afinal, as experiências positivas repercutem nas emoções. E, quanto mais alegre e tranquila está a mamãe, tanto melhor para o pequeno inquilino.

    “Embora cada fase da gestação apresente uma demanda diferenciada de nutrientes, apostar em um cardápio variado é fundamental para a saúde da mãe e do bebê”, resume a ginecologista e obstetra Roseli Nomura, professora do Departamento de Obstetrícia da Unifesp. Uma das comprovações mais recentes e robustas disso vem dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.

    Após avaliar dados de quase 1 900 mulheres, a pesquisa constatou que padrões alimentares equilibrados estão diretamente associados a menor risco de males como diabetes gestacional, pré-eclâmpsia e parto prematuro.

    O trabalho, publicado no periódico American Journal of Clinical Nutrition, enaltece dois modelos de menu em particular, a dieta mediterrânea e a Dash, sigla em inglês de dieta para combater a hipertensão. Ambas são festejadas pela mistura dosada de grãos, frutas, leguminosas, castanhas e pescados.

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    “Elas privilegiam alimentos de origem vegetal e ofertam diversos compostos protetores”, diz a nutricionista Carolina Pimentel, doutora em ciências da nutrição pela USP. Entre esses compostos, destacam-se aqueles de ação antioxidante, primordiais em qualquer período da gestação. Inclusive, essas substâncias entram em cena no desenvolvimento da placenta, a responsável pelas trocas gasosas e de nutrientes entre mãe e bebê.

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    “Esse processo, chamado placentação, requer um delicado mecanismo que conta com um arranjo de nutrientes”, contextualiza Natália. A lista é extensa, mas inclui vitamina A, as do complexo B, além de sais minerais, caso do zinco, do iodo e do selênio.

    O ginecologista e obstetra Henri Korkes, da Rede Brasileira de Estudos sobre Hipertensão na Gravidez, explica que alterações na estrutura placentária podem prejudicar as funções desse precioso órgão. “Também há uma maior propensão para a liberação de substâncias vasoconstritoras e inflamatórias, capazes de elevar a pressão arterial da gestante”, observa o médico.

    Ingredientes para o começo da vida

    É no início de tudo, na fase embrionária, que se dá o fechamento do tubo neural, um marco no desenvolvimento do sistema nervoso da criança. Aqui a estrela entre os nutrientes é o ácido fólico, que está presente em espinafre, rúcula, brócolis, grão-de-bico, tomate, feijão, lentilha e muitos mais.

    Para assegurar o máximo dessa vitamina, a dica é preparar as hortaliças no vapor e sem demora. Quando se cozinha demais, não só os vegetais ficam mais molengas e pouco apetitosos mas também perdemos uma boa cota desse componente.

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    Diante dos desafios para obter a vitamina, a tendência é o obstetra indicar cápsulas de ácido fólico no pré-natal. “As diretrizes aconselham o uso do suplemento antes mesmo da fecundação”, nota Carolina. A substância é indispensável também ao organismo materno, já que participa da formação dos glóbulos vermelhos. Na falta dela, o oxigênio não circula como deveria.

    Pelo mesmo motivo, o ferro é outro elemento que precisa estar em níveis adequados antes da gravidez e durante essa fase. Quando está escasso, sobra cansaço, um dos sintomas da anemia. Além de aparecer nas carnes, o ferro está na família dos feijões. “Uma estratégia para o bom aproveitamento é consumir as fontes vegetais junto de alimentos ricos em vitamina C, caso dos cítricos”, sugere Natália.

    Embora seja possível alcançar as recomendações nutricionais pelo prato, especialistas lembram que a futura mamãe deve se empenhar e pedem um olhar especial para aquelas vegetarianas e veganas.

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    Além do ferro, um mineral que demanda atenção maior é o cálcio, presente em leite e derivados, sementes e verduras verde-escuras. Pelo seu papel na mineralização do esqueleto fetal, ele não pode faltar de jeito nenhum. “Como o organismo prioriza a formação do bebê, quando há déficit, a mulher pode ficar com osteoporose”, avisa Karen. Outra vez, suplementar costuma ser a melhor saída.

    E aqui cabe apontar outro benefício do cálcio na gestação, validado numa revisão de 27 estudos feita pela Biblioteca Cochrane. O trabalho reúne evidências de que a suplementação reduz o risco de pré-eclâmpsia, distúrbio caracterizado por pressão alta, especialmente em mulheres com predisposição e baixo consumo via dieta. “O mineral propicia uma melhora na elasticidade dos vasos e colabora para a circulação sanguínea em geral”, justifica Korkes.

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    Ok, ter em mente que tudo que entra pela boca impacta o bebê pode gerar preocupações extras, sobretudo para as grávidas de primeira viagem, que já vivem um turbilhão de sentimentos. Para ajudar a lidar com as neuras e manter (ou resgatar) o prazer ao se alimentar, uma ferramenta interessante é o mindful eating.

    A prática, traduzida em bom português por “comer com atenção plena”, remonta às meditações clássicas. “Ela colabora para distinguir a diferença entre fome de verdade e ansiedade”, comenta Gabriela Halpern. Uma pesquisa publicada na revista científica Appetite indica que a técnica atenua o estresse e ajuda a conter aqueles abusos alimentares.

    Para se dedicar a uma refeição plenamente, vale seguir alguns macetes, entre os quais arrumar a mesa de forma caprichada, manter o celular longe e focar nas nuanças de gosto, temperatura, consistência e aromas da comida.

    Esse tipo de estratégia faz caber até um chocolate no cotidiano. De preferência, o amargo. Sim, dentro do equilíbrio quase tudo é permitido, inclusive a pimenta para quem aprecia.

    Só não há espaço para alguns elementos pelo elo com certas encrencas. No grupo dos que devem ser riscados do cardápio entram certas infusões, caso dos chás de boldo e canela, que podem desencadear contrações uterinas.

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    Bebidas alcoólicas também têm de ser banidas. Ainda que uma taça de vinho não carregue má fama, ela pode trazer problemas se for consumida em momentos cruciais, já que alguns órgãos do bebê são suscetíveis ao álcool.

    Quanto ao café, melhor maneirar nas xícaras pelo efeito estimulante da cafeína. Talvez por isso, algumas mulheres sentem aversão ao cheiro logo nos primeiros meses. Outro ingrediente controverso é o adoçante artificial. Mas, dentro dos limites, a segurança está garantida — e dá até para revezar entre os diversos tipos.

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    Um campo que semeia dúvidas e preocupações é o de carnes e peixes crus. A carne bovina sem cozimento é contraindicada pelo risco de distúrbios gastrointestinais. Já o sushi… Aqui temos a questão das tradições e da procedência do prato.

    Para alguns especialistas, se a gestante conhece os ingredientes e confia no preparo, dá para saborear. Do contrário, melhor ir de peixe cozido. Os pescados, aliás, devem constar no cardápio pelo menos duas vezes por semana. Eles concentram proteína de ótima qualidade e oferecem o bendito ômega-3.

    “Uma sugestão é optar por espécies pequenas, já que animais grandes tendem a acumular metais pesados, como o mercúrio”, ensina Natália Barros. O cação é um exemplo a ser evitado.

    Dar um chega pra lá nos ultraprocessados é mais uma recomendação dos experts. “Alimentos com excesso de sal, açúcar ou gorduras, quando consumidos em grande quantidade e corriqueiramente, trazem malefícios em qualquer período da vida”, reforça a nutricionista Bruna Miller, da Rede D’Or São Luiz.

    O agravante na gestação é que podem piorar enjoos e o refluxo. Para combater essas chateações, alimentos gelados são bem-vindos, assim como o gengibre. Fracionar as refeições, distribuindo melhor as porções ao longo do dia, também traz bastante alívio.

    Na lista dos desconfortos comuns a essa fase, quase sempre aparece a prisão de ventre. Parte da culpa vem dos hormônios. “A progesterona interfere na motilidade, fazendo com que o trabalho do intestino fique mais lento”, explica Roseli.

    Mas, além das alterações hormonais e até anatômicas, os hábitos alimentares pesam. Quem come pouca fibra e bebe pouca água vai ver o intestino travar. “Além desses ajustes, é imprescindível a atividade física”, recomenda a professora da Unifesp.

    Dá-lhe, portanto, grãos integrais, castanhas, leguminosas, hortaliças, frutas… e muita hidratação. Essa receita contribui para o equilíbrio da microbiota intestinal, e, como lembra Carolina, isso favorece a absorção de nutrientes e a imunidade da mamãe.

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    Não só! Cientistas espanhóis descobriram que a alimentação materna ajuda a moldar até a futura composição da comunidade microbiana dos filhos. E, claro, o aleitamento materno tem papel protagonista nesse processo.

    Por falar em pós-parto, os cuidados com a alimentação (e suplementação) não devem ser esquecidos nessa etapa. “Durante a amamentação, também é necessário garantir o aporte adequado de ferro e ácido fólico”, observa a ginecologista e obstetra Daniela Pinheiro, da Rede D’Or São Luiz. “O ideal é que cada paciente seja avaliada para a indicação dos suplementos”, completa.

    Quando o bebê chega em casa, a rede de apoio é decisiva — até entre as panelas. Parceiros podem se aventurar nas artes culinárias. Até porque as pesquisas mostram que quem cozinha tende a se alimentar melhor.

    “Por que o pai não pode preparar as refeições enquanto a mãe dá de mamar?”, ilustra o médico Felipe Campanharo. Nessas horas, não tem milagre! É preciso contar com amor, paciência e dedicação. Afinal, cerveja preta não melhora o aleitamento. Canjica é uma delícia, mas não encorpa o leite. E canja faz bem, mas dá para alternar com outras sopas quentinhas, que trazem nutrientes e acalento. Mamãe e bebê agradecem.

    Longe das complicações

    Alimentação equilibrada, prática de exercícios e acompanhamento pré-natal ajudam a afastar a trinca abaixo

    Diabetes gestacional
    Alterações hormonais propiciam a elevação dos níveis de glicose, e, muitas vezes, mudanças na dieta não conseguem baixá-los. Aí se recorre à insulina para evitar prejuízos ao bebê.

    Pré-eclâmpsia
    Marcada pelo aumento da pressão, inchaços, entre outros perrengues, a doença se manifesta após a 20ª semana de gestação e precisa ser controlada pelo bem da mãe e da criança.

    Parto prematuro
    Ocorre quando o bebê nasce antes de completar 37 semanas dentro da barriga. Infecções, anemia, problemas com a placenta, pré-eclâmpsia e diabetes estão por trás.

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    Nutrientes em cápsulas

    A suplementação pode ser indicada para suprir substâncias essenciais na gravidez

    Homens também entram nessa

    Embora ainda precise ganhar força por aqui, o pré-natal masculino é incentivado pelo Ministério da Saúde desde 2016. O órgão recomenda a realização de exames e a atualização das vacinas, por exemplo.

    “Mudanças no estilo de vida também são indicadas ainda na fase de planejamento da gravidez”, afirma o clínico geral e obstetra Felipe Campanharo, da Unifesp. O cuidado com o cardápio, com ênfase no consumo de vegetais fontes de antioxidantes, o combate ao sedentarismo e a atenção ao emocional são pontos inescapáveis.

    Melhor dar um tempo

    Existem itens que pedem bastante moderação — ou exclusão da rotina

    Banir
    • Álcool
    • Infusões de boldo, canela e hibisco
    • Carne crua

    Reduzir
    Sal
    • Açúcar
    • Frituras

    Não exagerar
    • Café
    • Adoçantes
    • Pimenta

    As vontades da grávida

    Misturar sorvete com batata frita, desejar a compota que a avó servia nas férias escolares ou querer abocanhar um pedaço do tijolo da parede. Pedidos exóticos não são raros na gestação e por trás deles há uma miscelânea de motivos, que vão de questões emocionais até o impacto dos hormônios.

    A gestação mexe com a vascularização do nariz e da língua, alterando o olfato e o paladar, que, por essa razão, ficam mais sensíveis aos sabores. Há ainda uma relação com deficiências nutricionais, sobretudo de zinco e ferro. Numa tática de defesa, o organismo sinaliza as carências físicas e emocionais de um jeito estranho.

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