Todo filme de catástrofe começa basicamente da mesma forma: cientistas alertam sobre os riscos de um grande problema e são sumariamente ignorados pelos governantes, até que as previsões se concretizem e seja tarde demais.
Com as mudanças climáticas não é lá muito diferente na realidade.
Há décadas, pesquisadores que monitoram os impactos da ação humana sobre o planeta têm sido enfáticos ao advertir sobre os riscos aos quais estamos todos vulneráveis se não houver uma mudança significativa de postura no cuidado com o clima e o meio ambiente.
Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) revelam que temperatura média global anual esteve 1,45°C acima dos níveis pré-industriais em 2023. O que significa que o planeta se aproxima cada vez mais dos limites estabelecidos no Acordo de Paris.
Apesar dos esforços, o mundo continua em um trilho perigoso e as consequências já são perceptíveis.
“Toda mudança de temperatura global reflete em um efeito cascata de eventos extremos. Evidências científicas apontam que eles vão acontecer muito mais frequentemente e de maneira intensa”, diz a doutora em meteorologia Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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No Brasil, o alvo da vez foi o Rio Grande do Sul, que protagonizou cheias sem precedentes. Os números da tragédia impressionam pela magnitude — mais de meio milhão de cidadãos ficaram desabrigados em algum momento.
Por outro lado, correntes de solidariedade se espalharam pelo país em apoio às vítimas.
“Governos, empresas e sociedade civil precisam pensar no longo prazo e buscar consensos. Os municípios têm de se preparar já para esses eventos extremos, com suporte dos governos estaduais e federal”, defende o geógrafo e doutor em geociências Christovam Barcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Apoio in loco
Ao longo do mês de maio, o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, contribuiu com três carregamentos de doações ao estado. Mais de 4 toneladas de equipamentos e insumos hospitalares foram enviadas à região, incluindo materiais e medicamentos necessários para a continuidade e ampliação da capacidade e complexidade dos atendimentos em saúde.
Além das doações, 57 profissionais, em três diferentes equipes, se deslocaram para apoiar na assistência à saúde em uma unidade básica de Canoas, funcionando em caráter de pronto-atendimento.
“Após uma inundação, alguns impactos podem ocorrer de forma imediata para a população afetada, incluindo afogamentos e traumatismos, principalmente para aqueles que tentam atravessar áreas inundadas”, pontua o médico Fábio Racy, especialista em medicina de desastres, que liderou o grupo em Canoas.
“Temos também as doenças infecciosas porque, devido à contaminação da água, as enchentes podem levar a surtos. A leptospirose, transmitida pela urina dos ratos e outros animais. Gastroenterites, causadas pela ingestão de água e alimentos contaminados, levando a diarreia e vômitos. Doenças de veiculação hídrica, como hepatite A, febre tifoide e cólera”, acrescenta Racy.
As equipes eram compostas por cirurgião-geral, clínico-geral, emergencista, ortopedista, pediatra, enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnicos administrativos, farmacêutico, biomédicos, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e responsável pela logística e segurança. Ao todo, o grupo realizou quase 2 mil atendimentos, em 26 dias, retornando a São Paulo na sexta-feira, 20.
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O trauma da catástrofe
Tragédias também podem deixar feridas no estado mental das vítimas. O psicólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Maycon Torres explica que o espectro de repercussões é amplo e se divide nas imediatas e prolongadas.
“Algumas pessoas podem apresentar sofrimento mais intenso, que inclui desde um quadro de ansiedade severo até a apresentação de transtorno de estresse agudo, que acontece de três dias a um mês depois do incidente, ou mesmo o transtorno do estresse pós-traumático, que se manifesta além de um mês”, detalha.
Segundo Torres, o acolhimento das vítimas exige o apoio de psicólogos, assistentes sociais e agentes da Defesa Civil.