Impurezas no ar: como a poluição doméstica e a ambiental afetam a saúde
Análises revelam que a qualidade do ar em ambientes internos deixa a desejar no Brasil e lá fora, alertando para a necessidade de medidas urgentes
Respire fundo porque vem bomba por aí. Você já sabe que a poluição atmosférica tornou-se uma preocupação constante pelos seus efeitos no meio ambiente e na saúde humana.
Já são décadas de leis, acordos internacionais e movimentos por conscientização — nem todos frutíferos — para minimizar a sujeira visível e invisível e conter as mudanças climáticas. Mas e o ar que inspiramos e expiramos dentro de casa, do trabalho ou da escola?
Frequentemente negligenciado, ele também deve ser motivo de preocupação e cuidados, como alertam especialistas e pesquisas a respeito.
Não é porque estamos das portas para dentro e com as janelas fechadas que partículas prejudiciais deixarão de circular e nos afetar. Sim, a coisa é séria!
A atenção com a qualidade do ar em ambientes internos começou a inflar após a pandemia, não só pelo pé atrás com o vírus como pelo fato de boa parte das pessoas ter migrado para home office, aulas a distância e outros esquemas afins.
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Poluição dentro de casa
Nos Estados Unidos, uma análise estima que um cidadão comum passa, em média, 90% do seu tempo em lugares fechados, tendo contato com a poluição… E também com pó, ácaros, resíduos de cozinha etc.
Fatores relacionados à construção inadequada de edifícios, como ventilação e disponibilidade de ar-condicionado com filtragem, podem tornar esses ambientes até mais prejudiciais do que a rua.
Chega a ser assustador, como indica uma revisão de 35 mil estudos sobre a qualidade do ar em ambientes internos publicada neste ano pelo Imperial College de Londres, na Inglaterra, tendo como base avaliações feitas na última década.
Os autores concluem que a exposição a certas substâncias circulantes pode aumentar o risco de aborto, redução na contagem de espermatozoides e malformação dos pulmões em bebês.
O maior perigo residiria nas chamadas partículas finas, que conseguem penetrar em diversos tecidos do corpo humano e elevar a propensão a doenças pulmonares, cardiovasculares e infecciosas. E não pense que essas partículas são emitidas apenas pela poluição das indústrias e do tráfego de veículos.
“Nos países ocidentais, cozinhar, especialmente com gás, pode ser a maior fonte de poluição doméstica, mas existem muitos outros fatores envolvidos, como produtos químicos de limpeza, cosméticos, velas e até telas de pintura”, explica Frank Kelly, professor do Imperial College e fundador do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente de Londres.
Apesar de os parâmetros de qualidade do ar externo e interno serem distintos, a atmosfera funciona de forma contínua, ou seja, o que vem de fora afeta o ar que respiramos em ambientes fechados.
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Os contaminantes também podem ter origem do lado de dentro: é o caso de agentes químicos liberados por produtos de limpeza.
Bactérias, vírus e fungos (como o mofo) também se desenvolvem por causa das condições de temperatura e umidade do local ou pegam carona nos moradores.
“Com uma ventilação inadequada, tudo isso acaba se acumulando e saturando o ambiente”, afirma Artur Aikawa, presidente do Departamento Nacional da Qualidade do Ar Interno da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava).
Um problema particular
Um dos maiores desafios atuais em matéria de poluição interna tem a ver com o fluxo de ar. “Ele precisa ser suficientemente renovado”, ressalta Aikawa. Mas como permitir isso com um ambiente externo também poluído? Calma que chegaremos lá.
Antes de tudo, é importante entender mais minuciosamente o que responde por tanta preocupação. Hoje, uma das principais substâncias associadas aos problemas de saúde que são consequência de ambientes internos insalubres é o chamado PM2.5.
Esse nome se refere a materiais particulados com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros, invisíveis a olho nu, que geralmente se originam na queima de combustíveis fósseis e de matéria orgânica.
Por serem tão pequenas, essas partículas conseguem penetrar nos sistemas respiratório e circulatório. Mas não só lá. Novos estudos sugerem repercussões cerebrais e mentais.
Uma revisão assinada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, demonstrou que já existem correlações significativas entre a presença de material particulado no ar e maiores taxas de depressão.
Já uma investigação de Harvard, nos EUA, apontou que níveis elevados de poluentes afetam a cognição, particularmente a memória de curto prazo. Os riscos dessa inalação involuntária levaram o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, a considerar a situação uma emergência.
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Nessa linha, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu um parâmetro: a concentração de PM2.5, em circunstâncias ideais, não deve ultrapassar 5 microgramas por metro cúbico.
No Brasil, o índice já está fora do recomendado, estimado em 12,2, segundo avaliação da empresa de tecnologia de qualidade do ar IQAir. Isso nos coloca na 51ª posição de um ranking com 131 países.
“Nossa posição não é tão boa nem tão ruim, mas eu diria que ela também não é muito precisa. Não conhecemos exatamente o tamanho do problema”, argumenta Aikawa, citando a escassez de redes de monitoramento no país.
“O melhor programa no Brasil é o da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), e, ainda assim, estamos falando em algo da ordem de 50 estações de monitoramento para o estado. É muito diferente da densidade que você tem em outras nações.”
Na vida real, tanta sujeira drenada pelo organismo se converte em doenças. A OMS calcula que a poluição doméstica tenha sido responsável por 3,2 milhões de mortes em 2020.
Combinado à poluição do ar externo, esse número chega a quase 7 milhões de mortes prematuras anuais. Cerca de 94% delas acontecem em países de baixa e média renda, a exemplo do nosso.
No entanto, mesmo esse cálculo não é tão preciso, e há de se levar em conta que alguns reflexos das impurezas respiradas só aparecerão anos ou décadas depois.
“A exposição a poluição interna e externa pode resultar em efeitos imediatos em pessoas que já têm condições prévias, como uma crise de asma, mas podem impactar pessoas saudáveis durante períodos mais longos”, contextualiza Kelly.
Entender melhor essa ameaça, olhando para o lado de dentro das construções, é o objetivo de uma série de estudos conduzidos mundo afora.
Uma nova (ar)quitetura
Uma pesquisa realizada no Texas entre 2019 e 2020, por exemplo, constatou que a qualidade do ar era superior em ambientes de trabalho do que nos lares, contrariando a ideia de que a casa estaria sã e salva.
A explicação estaria na presença de sistemas de ar-condicionado e ventilação mais eficientes, e com manutenção regular, em edifícios comerciais.
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Falando em lar, no Brasil, um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) demonstrou que casas que usam fogão à lenha podem ter uma concentração de poluentes de 20 a 40 vezes maior que o limite de segurança recomendado pela OMS.
Outra preocupação é a chamada “síndrome do edifício doente”, relacionada a falta de iluminação, excesso de umidade, déficit de limpeza, proliferação de micróbios e concentração de poluentes em um mesmo local fechado.
Um “edifício doente”, doméstico ou empresarial, contribui para alergias, infecções, dores de cabeça e outras encrencas. Em prédios corporativos, já é associado a aumento nas faltas no trabalho e diminuição da produtividade.
Não é por menos que já existem iniciativas para planejar ou reformar prédios a fim de evitar esses engodos. Exemplo recente é o do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, que ergueu sua nova torre levando em conta a qualidade do ar e o bem-estar de quem está nas salas de aula.
“No ambiente de ensino, você está mais preocupado em pensar nas condições adequadas para aprender. Não pode ter uma luz batendo direto, tem que ter uma renovação de ar e um conforto térmico”, resume José Luiz Lemos, arquiteto do escritório Afalo/Gasparini, responsável pelo projeto.
Cenário global
Além das iniciativas de foro particular, as autoridades públicas também têm um papel a cumprir nesse enredo.
No Brasil, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) define limites para poluentes do ar, ainda em níveis bem acima dos indicados pela OMS. Por aqui, quando o assunto é PM2.5, a meta se situa em 10, o dobro do que preconiza a entidade global.
O mesmo vale para outros poluentes, como monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio: em geral, os limites brasileiros estão acima do que a OMS estabelece.
“Esses padrões são muito ousados e difíceis de atingir. Segundo eles, 90% da população mundial vive em regiões com baixa qualidade do ar”, argumenta o engenheiro Leonardo Cozac, que dirige o Plano Nacional de Qualidade do Ar Interno (PNQAI), da Abrava.
Mas, a despeito da discussão sobre o que seriam regras factíveis, o tema precisa avançar na agenda dos governos. Não é tarefa singela. Os poluentes externos mais comuns raramente são filtrados ao entrar nas casas, mesmo naquelas que contam com um sistema de ventilação mecânica.
Em um contexto de mudanças climáticas, também é preciso ter cuidado para que as soluções não se tornem, de forma secundária, outro problema: o uso de sistemas de ar-condicionado é um dos principais responsáveis pelo consumo de energia em edifícios.
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Já a construção e a manutenção dos prédios, mesmo os que seguem as normas, é responsável por cerca de 40% das emissões totais de dióxido de carbono.
Para os especialistas, o grande desafio em relação à poluição é a descarbonização. O Brasil conta com uma matriz energética bastante limpa, mas o desmatamento de áreas verdes e as queimadas contribuem para a emissão de poluentes.
Segundo a Abrava, além de tornar a qualidade do ar assunto prioritário, é preciso reforçar duas frentes de atuação para todos respirarmos um ar melhor: mais purificação e filtragem dentro dos lares — o que depende de aparelhos eletrodomésticos, de preferência os de última geração — e mais monitoramento por meio de instrumentos e pesquisas do lado de fora.
“O Brasil tem capacidade e um arcabouço suficiente para garantir que os ambientes estejam adequados para as pessoas. Mas isso demanda também uma cobrança por parte do público a respeito da saúde dos locais que eles vão ocupar 90% de sua vida”, afirma Aikawa.
Em um país em que existem cidadãos que não vivem sem ar-condicionado e outros só contam com fogão à lenha para cozinhar e sobreviver, a gestão da qualidade do ar não pode ficar em segundo plano — eis uma pauta sobre a qual não podemos dar respiro às autoridades.
O ar que o brasileiro respira
Ranking coloca nosso país no meio da lista em matéria de qualidade do ar
Um levantamento realizado pela empresa IQAir sobre a qualidade do ar externo posiciona o Brasil na 51ª posição do ranking mundial, de um total de 131 países e territórios analisados.
Mas pesquisadores da Abrava alertam que o sistema de monitoramento da qualidade externa do ar no Brasil é bastante limitado, o que pode maquiar os números.
De acordo com o World Resources Institute (WRI), apenas 1,7% dos municípios do país possuem um sistema adequado de acompanhamento da qualidade do ar.
As principais fontes de poluição atmosférica no país são os setores de transporte e a indústria, que queimam combustíveis fósseis.
Queimadas também contribuem para problemas de saúde e o aquecimento global.