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Poluição: a doença está no ar

Novos estudos confirmam o impacto da poluição atmosférica em uma série de problemas de saúde. E, acredite, ele é maior do que se imaginava

Por André Bernardo
Atualizado em 7 dez 2016, 10h38 - Publicado em 7 dez 2016, 08h30
Poluição: a doença está no ar
Poluição: a doença está no ar (Foto: Dulla/)
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Falta de ar, boca seca, queimação na garganta. Esses são alguns dos sintomas mais comuns relatados por quem procura o pronto-socorro de Santa Gertrudes, a 167 km da capital paulista. No coração do maior polo industrial de pisos e revestimentos cerâmicos das Américas, o município de pouco mais de 20 mil habitantes tem o ar mais poluído do Brasil — a taxa de emissão é quatro vezes maior que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Só que Santa Gertrudes não é exceção. De 45 cidades brasileiras analisadas em relatório da OMS, 40 estão fora dos padrões ideais. O último documento da entidade estima que 92% da população do planeta está exposta a níveis alarmantes de poluição. Tão alarmantes que podem levar à morte. Segundo a própria OMS, a péssima qualidade do ar está por trás de 8 milhões de óbitos por ano.

“O impacto da poluição na saúde é dramático”, declara a epidemiologista María Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente da OMS. “Não quero nem pensar no que pode acontecer em dez ou 20 anos se medidas urgentes não forem tomadas já.” Hoje, a poluição do ar é o quarto principal fator de risco para doenças, só atrás de pressão alta, má alimentação e tabagismo.

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Dentro das estatísticas da OMS, 4,3 milhões de mortes estariam relacionadas ao uso de madeira, carvão e biomassa para cozinhar e de querosene para iluminar ambientes geralmente insalubres. As 3,7 milhões restantes são causadas pela queima de combustíveis por veículos automotores, usinas termelétricas e indústrias em geral. Segundo projeção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a poluição atmosférica aumentou, entre 2008 e 2013, em torno de 8% — o que deve escalar ainda mais o número de baixas na humanidade.

A OMS avaliou a qualidade do ar de mais de 3 mil cidades, em 103 países. A situação é particularmente nebulosa no Oriente Médio, na Índia e na China — entre as 30 cidades mais irrespiráveis do planeta, 16 são indianas e cinco, chinesas. Para chegar a esses números, a entidade calculou as concentrações de material particulado com diâmetro menor que 10 micrômetros (PM 10) e menor que 2,5 micrômetros (PM 2,5) por metro cúbico.

O mais nocivo deles é o tal do PM 2,5. “Ele está fora dos padrões tolerados pela OMS e provoca graves problemas à saúde”, alerta o patologista Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP). Por serem praticamente invisíveis, partículas menores que 2,5 micrômetros vão parar nos lugares mais insuspeitos do corpo humano. Até mesmo no cérebro, como detectou uma nova pesquisa inglesa.

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A pesquisadora Barbara Maher e sua equipe da Universidade de Lancaster localizaram vestígios de poluição no tecido cerebral de 37 indivíduos – 29 que viveram e morreram na Cidade do México e oito na inglesa Manchester, dois dos centros urbanos mais poluídos do mundo.

Por meio de aparelhos de última geração, identificaram nas amostras a presença de nanopartículas de magnetita, provenientes do fumacê atmosférico. “Chegamos à conclusão de que a má qualidade do ar pode causar danos ao cérebro e, por tabela, contribuir para o surgimento ou agravamento de doenças como o Alzheimer”, relata Barbara.

O cérebro, aliás, sofre mais do que se supunha. Um levantamento publicado no periódico The Lancet Neurology em cima de dados de 188 países entre 1990 e 2013 aponta que um em cada três casos de acidente vascular cerebral pode ser atribuído ao excesso de poluentes no ar — isso dá cerca de 5 milhões de episódios por ano! “Os gases e as substâncias nocivas aceleram o processo de formação de placas e estreitamento nas artérias cerebrais, o que pode levar ao seu entupimento”, explica o neurologista neozelandês Valery Feigin, um dos autores da investigação.

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Outro achado igualmente desconcertante vem de um trabalho da cientista americana Andrea Roberts, da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, que analisou prontuários de mais de 100 mil mulheres desde 1989. Desse total, Andrea selecionou 325 participantes que tiveram um filho autista e 22 mil que deram à luz crianças sem a condição. Em seguida, ela avaliou os níveis de poluição atmosférica no dia e local em que os bebês nasceram.

Cruzando os dados, Andrea notou que grávidas expostas a altos níveis de poluentes, como diesel, chumbo e mercúrio, têm uma probabilidade duas vezes maior de ter filhos autistas. “Conto com duas hipóteses para explicar a descoberta. A primeira é que poluição demais leva a um processo inflamatório capaz de afetar o desenvolvimento cerebral do bebê. A segunda é que esses compostos são tóxicos aos neurônios e podem passar da mãe para o filho”, esmiúça.

O fato é que, seja na barriga da mãe, seja respirando e andando por aí, o corpo humano enfrenta diversas retaliações quando se expõe rotineiramente à sujeira no ar. Cérebro, pulmões, coração… “Inalar poluição é como tomar veneno. Seu efeito no organismo é sistêmico e se reflete em vários órgãos”, diz o epidemiologista Nelson Gouveia, da USP.

Ampliando a lista de males associados, alemães acabam de encontrar evidências de que os poluentes criam condições inflamatórias propícias até para o diabete se instalar.

O ar que o brasileiro respira

Por aqui, o cenário não parece tão sombrio quanto o de nações asiáticas, mas inspira ação e cuidado. “A poluição atmosférica nas grandes cidades do país já foi pior. Melhorou nos últimos anos, só que estagnamos em um nível acima do recomendado pela OMS”, contextualiza André Luís Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

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Sim, ainda há muito a melhorar, inclusive porque, segundo estudo da Universidade Washington, nos Estados Unidos, em pouco mais de duas décadas o número de brasileiros mortos devido à má qualidade do ar saltou de 18 mil para mais de 40 mil em 2013 – um crescimento de 131%.

“Salvo alguns polos industriais, como Cubatão (SP), Volta Redonda (RJ) e Camaçari (BA), o grande vilão nas cidades ainda é o veículo automotor”, bate o martelo o engenheiro nuclear Marcos Freitas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo com apuração da USP, carros, ônibus e companhia são responsáveis por 60% da poluição nas metrópoles nacionais.

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O restante fica por conta do lixo (25%) e das indústrias (15%). A julgar pelo tamanho da frota brasileira, a tendência é que essa cortina de fumaça não se dissipe tão cedo. Em 11 anos, o número de veículos em nossas ruas cresceu 138,6%, chegando a 76,1 milhões em 2012.

O perigo está no ar e, às vezes, vem de onde menos se espera. Em pesquisa feita em parceria com o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, o cientista Prashant Kumar, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, constatou que a queima de lenha em pizzarias e de carvão vegetal em churrascarias contribui muito para a piora da qualidade do ar de São Paulo.

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Para alimentar as fornalhas das 11 mil pizzarias existentes na capital, são necessárias, em média, 48 toneladas de lenha por ano. A queima dessa madeira resulta, por sua vez, na emissão de 321 quilos por dia de partículas PM 2,5. Estamos falando dos compostos mais daninhos à saúde, lembra?

Em regiões mais pobres do planeta, a poluição dentro das casas, escolas e fábricas, entre outros locais fechados e mal ventilados, é maior do que a detectada fora delas. “E, embora tenha características distintas daquela espalhada pela atmosfera, ela é igualmente perigosa”, avisa André Ferreira.

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É por causa dessas diferenças, aliás, que algumas análises separam a poluição interior (ou indoor) da exterior (outdoor). “Enquanto a exterior atinge um número maior de pessoas, a interior está relacionada a um maior número de óbitos”, completa o diretor do Iema. E é claro que, quanto mais próximo e constante for o contato com os poluentes – pense em alguém que trabalha em um polo siderúrgico ou químico —, também mais elevado é o risco de sofrer más repercussões à saúde.

E, agora, quem poderá nos defender?

A essa altura, você já deve estar se questionando sobre o que fazer para minimizar a exposição a esse mundo poluído. Mudar de cidade? Vedar portas e janelas? Reduzir o consumo de pizza? Usar máscara na rua? Calma, não adianta entrar em pânico. “No caso do tabagismo, você pode largar o cigarro. No caso da poluição, não. Você não pode parar de respirar. Por isso a solução do problema depende mais de políticas públicas do que de resoluções individuais”, argumenta o médico Paulo Saldiva.

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As fontes consultadas por SAÚDE são unânimes ao afirmar que a redução do número de poluentes na atmosfera passa pelo investimento em um transporte público de qualidade. “Se considerarmos que um ônibus transporta em média 40 pessoas, concluímos que um único modelo pode retirar das ruas de 20 a 40 carros”, calcula o professor Marcos Freitas.

Outra saída é incentivar a carona solidária. “Ter mais gente usando o mesmo carro contribui para a diminuição do número de veículos na rua”, raciocina Saldiva.

Entre outras propostas, os especialistas elencam a redução das emissões de poluentes por meio de tecnologias de controle, a criação de áreas verdes nos centros urbanos, como parques e jardins, a substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis e a ampliação de ciclovias para viagens de curta e média distância.

No caso da poluição expelida pelas chaminés, André Ferreira não vê outra solução a não ser aperfeiçoar as regras de licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “A legislação brasileira está defasada. Temos que adequá-la às normas da OMS”, opina.

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No relatório do PNUMA, o Brasil é elogiado por investir em energia renovável, especialmente solar, eólica e hídrica, e por ampliar as redes de transporte público, como o metrô no Rio e o BRT em Curitiba. O novo diretor do órgão ambiental da ONU, o norueguês Erik Solheim, desafia as pessoas a se indagarem se, no futuro, vão querer viver em um ambiente envenenado onde todo mundo usa máscaras de gás, roupas de borracha e cilindros de oxigênio.

“O cidadão precisa pensar em si mesmo não como vítima, mas como agente. E o primeiro passo é cobrar, exigir, reivindicar que seus governantes tomem medidas urgentes de redução das fontes emissoras de poluição”, afirma. Até porque isso é uma questão de vida ou morte.

Corpo em zona de risco

Os problemas e atentados à saúde mais associados à exposição a poluentes

AVC

Novos estudos acusam que a poluição eleva significativamente o risco de uma artéria no cérebro entupir e deixar de prover grupos de neurônios. É o acidente vascular cerebral.

Problemas respiratórios

De 177 mil casos atendidos na emergência do Hospital São Paulo em três anos, 77% foram por encrencas nas vias aéreas causadas ou agravadas pela poluição do ar.

Diabete

Com base na análise de 3 mil pacientes, cientistas alemães concluíram que a poluição atmosférica gera inflamação e favorece a resistência à insulina, situação que precede o diabete tipo 2.

Doenças do coração

Além de patrocinar obstrução nas artérias, a exposição a poluentes aumenta o risco de internação ou morte por insuficiência cardíaca, constata um trabalho escocês.

Câncer

A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer adverte: o contato com ar poluído já é uma das principais causas de tumores de pulmão no planeta – pior até do que o cigarro.

Infertilidade

Pesquisa da USP descobriu que viver em ambiente poluído afeta a qualidade dos espermatozoides – o achado entre os brasileiros foi preocupante devido ao teor de metais pesados na gasolina.

O ABC do mal

Os gases e as partículas perigosas que podemos inalar por aí

Aldeídos

Emitidos com a queima de combustível de automóveis (sobretudo etanol), causam irritação nos olhos, no nariz e nas vias aéreas.

Compostos Orgânicos Voláteis

Vêm de tintas de parede, revestimentos de carpete e produtos de limpeza. Em alta concentração, prejudicam nariz, garganta e olhos.

Dióxido de Enxofre

Tóxico e incolor, é originário da combustão de gasolina e óleo diesel – e, na natureza, liberado por vulcões. Agrava asma e bronquite.

Dióxido de Nitrogênio

Gás de cheiro forte e que chega a apresentar coloração castanha. Em alta quantidade, está associado a problemas respiratórios.

Hidrocarbonetos

Podem se apresentar sob a forma de gases, partículas finas ou gotas – metano e benzeno são exemplos da classe. Nas cidades, são despejados no ar por veículos automotores.

Material Particulado

A categoria, ligada a danos ao cérebro e coração, inclui toda partícula de característica diversa e tamanho reduzido. Emitida por indústrias, carros e afins.

Monóxido de Carbono

Inodoro e incolor, vem sobretudo dos escapamentos dos veículos automotores. Provoca fadiga, dor no peito e, em altos níveis, leva à asfixia e morte.

Pequeno manual de sobrevivência

Atitudes que, segundo evidências científicas, ajudam a nos blindar neste mundo poluído

Mantenha-se hidratado

Dá-lhe água para conservar o organismo protegido. Sucos de limão, laranja e acerola são bem–vindos por causa da vitamina C, aliada das vias respiratórias.

Cuide do nariz, dos olhos…

Em casa ou no escritório, procure não abusar do ar condicionado. Se sentir o corpo seco, invista em soluções salinas nasais e colírios lubrificantes.

Faça exercícios

Pesquisas indicam que atividade física ao ar livre supera eventuais prejuízos da exposição à poluição. Mas prefira locais arborizados e distantes do trânsito.

Cultive plantas

Quanto mais verde em casa, melhor. Plantas funcionam como uma espécie de filtro de ar natural. Em um estudo, de cinco espécies testadas, a bromélia foi a mais eficiente.

Deixe o carro em casa

Se a distância for curta, vá a pé ou de bike. Se for longa, pratique a carona solidária ou dê preferência ao transporte coletivo. O planeta agradece.

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