O mês de agosto é dedicado à conscientização para uma doença rara. Tão incomum que é diagnosticada em uma a cada 10 mil crianças. Abreviação para atrofia muscular espinhal, a AME é um mal neurodegenerativo que afeta gravemente as funções motoras e, se não controlado, leva à morte. A doença é o principal motivo dos óbitos infantis por causas genéticas.
Crianças diagnosticadas com AME têm defeitos no gene que produz a proteína SMN, que alimenta os neurônios motores. Na ausência dela, o sistema nervoso não gera impulsos na coluna vertebral e prejudica gradativamente funções vitais como respirar, engolir, andar e falar. Sem tratamento adequado, as expectativas de vida não são animadoras.
A gravidade da doença exige agilidade no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento. A comunidade médica e científica se debruçou em busca de fármacos capazes de amenizar o sofrimento e proporcionar qualidade de vida às famílias que sofrem com a presença da AME. Um deles é o medicamento de nome comercial Spinraza, cujo princípio ativo é a nusinersena.
Inicialmente produzido e comercializado apenas no exterior, ele ganhou notoriedade ao apresentar resultados clínicos de sucesso e receber autorização da FDA, a agência que regula a venda de remédios nos Estados Unidos.
A droga é capaz de corrigir o defeito genético e bloquear a degeneração neuronal, proporcionando ao paciente ganhos motores e funcionais progressivos. A complexidade para o desenvolvimento da medicação é refletida em seu preço. Uma dose pode custar mais de 300 mil reais, sendo necessária a cada 120 dias, e pelo resto da vida.
O custo alto se tornou o principal obstáculo para o acesso a essa terapia. Afinal, que família tem condições de manter um tratamento de quase 1 milhão de reais por ano?
Quem precisa do medicamento busca a Justiça para que os planos de saúde ou o SUS o forneçam. Por meses, a droga foi uma das mais requisitadas nos tribunais. A pressão popular foi tamanha que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não teve outra saída senão colocar em análise o registro do Spinraza no Brasil. Em 2017, o medicamento ganhou autorização para ser comercializado, mas ainda por valores muito altos.
No SUS, o remédio foi incorporado e é fornecido desde 2019, mas não para qualquer paciente. É preciso preencher alguns requisitos. Para quem tem plano de saúde, a droga sequer é disponibilizada. Os convênios alegam que o Spinraza não está presente no rol de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde (ANS). A verdade, porém, é que o rol serve apenas de parâmetro para o que é básico, não descartando a cobertura dos tratamentos que ele não prevê.
As batalhas pelo medicamento nos tribunais seguirão até que o acesso irrestrito à saúde se sobreponha às condutas perversas dos setores público e privado. Esperamos que o tratamento necessário e digno seja garantido a todas as vítimas da AME.
* Estela Tolezani é advogada especializada em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, em São Paulo