A violência contra a mulher, especialmente contra a grávida, não é apenas uma questão de saúde pública, mas de direitos humanos, com registros que remontam aos tempos em que a humanidade começou a viver em comunidades. É um problema que se perpetua até hoje, em menor escala, é verdade, porém com efeitos nefastos para as mulheres.
A vida moderna melhorou as relações interpessoais e criou regras de convivência e punições por excessos. Com a modernidade, também surgiram os meios de comunicação, que deram ainda mais transparência ao dia a dia das pessoas. Tal exposição ajudou a desvendar a chaga da violência contra a mulher, particularmente contra a gestante.
Não por acaso, flagrantes de agressões por parceiros ou por profissionais de saúde que deveriam estar ali para cuidar povoam as manchetes da mídia e as redes sociais.
A violência entre parceiros íntimos pode ser de natureza física, psicológica e/ou sexual, e atinge níveis elevados na gestação, com consequências visíveis na mulher, e desfechos imediatos, de médio e longo prazo. Exemplos: ganho inadequado de peso, sangramentos, lesões físicas e maior risco de mortalidade materna.
Também há os impactos de ordem psicológica e comportamental, como medo, vergonha, baixa autoestima, depressão pós-parto, transtorno do estresse pós-traumático, ansiedade, insônia e comportamentos de risco.
Na saúde sexual e reprodutiva, podem ocorrer infecção por doenças sexualmente transmissíveis, infecção pélvica e/ou do trato urinário, fístula e miomas. Sem falar em dores crônicas e outros distúrbios físicos e, no limite, feminicídio e suicídio.
Já na ponta mais frágil e indefesa, a criança, as consequências ocorrem ainda no útero, passam pelo período neonatal e podem alcançar a primeira infância. Aborto, morte fetal, baixo peso ao nascer, tamanho pequeno para idade gestacional, prematuridade, desmame precoce, desnutrição, menor desenvolvimento cognitivo, problemas de saúde mental e maior risco de sofrer violência na infância estão entre as situações documentadas.
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Em relação aos maus-tratos no parto, por todo o mundo avolumam-se denúncias de grávidas que sofreram abuso e negligência na assistência a esse momento. Há relatos de tapas, chutes, socos e xingamentos contra mulheres, durante e após o parto, perpetrados por profissionais.
Em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que “todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto, assim como o direito de estar livre da violência e discriminação”.
Então é fundamental promover o cuidado respeitoso à gestante. Quando ela se sente apoiada, respeitada e apta a participar e compartilhar o processo de decisão com seus cuidadores, a chance de uma experiência positiva é bem maior.
Intervenções nesse sentido são necessárias nos três níveis de cuidado: individual, hospitalar e sistema de saúde. Assim, promover o cuidado respeitoso vai além de prevenir os maus-tratos no parto. Não por menos, a 14ª edição do livro Rezende Obstetrícia (Guanabara – clique para comprar), obra de referência para profissionais da área, aborda essa questão e ousa apontar soluções num capítulo inédito.
Urge esquecer corporativismos e conceitos ultrapassados. É preciso tocar na ferida exposta e ajudar a grávida em seu momento mágico, além de garantir que a criança se desenvolva e nasça de forma digna e segura.
* Jorge Rezende Filho é professor titular da cátedra de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Nacional de Medicina