Perder aqueles indesejáveis quilos a mais deveria ser uma simples equação de comer menos calorias do que gastamos, certo? Será que então é só fechar a boca mesmo? O raciocínio pode até estar certo, mas, com os avanços da ciência, descobrimos vários fatores que podem fazer essa conta balançar para um lado ou para o outro. Sabemos hoje da influência da genética, da epigenética — que já falamos por aqui — do comportamento, além de fatores ambientais e emocionais.
A personagem mais recente a entrar nessa história é a microbiota, o conjunto de bactérias que moram no seu intestino! Elas podem ser um fator de peso — literalmente — para definir se você vai ser uma daquelas pessoas que come e não engorda de jeito nenhum ou faz parte do time que vive brigando com a balança.
Até pouco tempo atrás, não sabíamos que esses bilhões de passageiros que levamos conosco desde o nascimento podem alterar nosso metabolismo, influenciar no funcionamento do sistema imune e até regular o humor, participando do surgimento de enfermidades como depressão, diabetes, alergias, câncer, autismo e… Obesidade!
Mas como sabemos que os micro-organismos que fazem tudo isso?
O primeiro indício de que bactérias do intestino poderiam estar relacionadas com o excesso de peso veio do fato de que indivíduos obesos apresentam menor diversidade de espécies no sistema digestivo. Além disso, os bichinhos que existem ali são diferentes daqueles que habitam o corpo de sujeitos magros. Mas só isso não é suficiente para cravar a conexão entre as duas coisas, certo? Para pesquisar uma relação de causa e efeito precisávamos de um experimento com animais em um ambiente controlado, como o laboratório.
E foi exatamente o que foi feito. Pesquisadores nos Estados Unidos utilizaram camundongos estéreis, livres de germes. Esses animais são criados em uma bolha, sem contato com o mundo externo. Assim, é possível manipular as bactérias que vão para o intestino deles, escolhendo exatamente quais espécies serão inseridas. O objetivo é observar que efeito elas provocam.
A primeira coisa percebida foi que esses ratinhos livres de germes são os famosos “magros de ruim”! Eles não engordam de jeito nenhum, mesmo se os cientistas oferecessem uma dieta muito calórica — algo como comer lanches do McDonald’s todos os dias.
Numa segunda parte do estudo, o time americano selecionou bactérias de animais obesos e de animais magros para inocular nos tais camundongos estéreis. Adivinha o que aconteceu? Isso mesmo, as cobaias que receberam a microbiota dos ratos gordinhos engordaram.
Enquanto isso, a parcela que ganhou os micro-organismos dos magros permaneceu esbelta. Detalhe importante: os dois grupos continuaram a comer exatamente a mesma dieta. A única diferença era mesmo as espécies de bactérias. Aí os cientistas resolveram utilizar bactérias presentes na barriga dos seres humanos e repetiram o experimento. O resultado foi igualzinho!
Você acha então que as bactérias são problema? Calma: elas também apresentação a solução. O passo seguinte deste experimento foi colocar os camundongos obesos na mesma gaiola dos magros. Esses animais têm o estranho hábito de comer o cocô de seus amigos. Em outras palavras, os ratos gordinhos ingeriram os micro-organismos dos companheiros que estavam dentro do peso. Boa notícia: eles emagreceram.
Antes de sair por aí procurando um colega magro disposto a doar, digamos, sua produção intestinal, vamos entender como as bactérias conseguem nos fazer engordar ou emagrecer.
Em primeiro lugar, elas liberam substâncias que vão interagir com o sistema endócrino, imune e nervoso. Assim, dependendo de quais produtos elas fabricam, acabam regulando (ou desregulando) o metabolismo. Esses bichinhos podem, por exemplo, fazer você secretar mais ou menos hormônios envolvidos em regular as taxas de açúcar no sangue, o acúmulo de gordura no fígado ou até o nível de fome. Eles também podem liberar elementos nocivos que atravessam as paredes do intestino e causam uma reposta inflamatória no organismo típica de quem tem obesidade.
Só não vá ficar com raiva das suas meninas: você pode (e deve) criar um ambiente legal para elas viverem! As espécies boas precisam de fibras solúveis, oligossacarídeos e polifenóis para crescer e prosperar. E onde encontramos tudo isso?
A nossa primeira fonte, durante os primeiros meses de vida, é o leite materno. De resto, podemos apostar em frutas, verduras, grãos, cerais integrais, iogurtes, queijos (vivos, não industrializados), chocolate amargo, vinho tinto e azeite! Até que esse cardápio não está nada mal, certo? Não à toa, essa dieta, comum em países banhados pelo mar Mediterrâneo, já foi relacionada à prevenção de obesidade.
Não podemos nos esquecer dos probióticos, produtos que carregam bactérias do bem. Será que eles ajudam? Sim, mas também não fazem milagre. Alguns deles já estão disponíveis no mercado, como alguns iogurtes e suplementos. No entanto, os estudos que mostram benefícios desse consumo ainda são preliminares em humanos. Tudo indica que cada espécie exerce um papel diferente dentro do sistema digestivo.
Outra dica importante é evitar essas dietas malucas, principalmente aquelas que cortam totalmente o glúten e os carboidratos de maneira geral. Além disso, ao restringimos o consumo de frutas, verduras e grãos integrais, estamos literalmente matando as nossas bactérias boas de fome, o que abre espaço para que espécies malvadas tomem conta do pedaço.
O modo como nascemos também influencia muito como será a nossa microbiota intestinal. Bebês que nascem de parto normal possuem uma microbiota muito parecida com o canal vaginal da mãe. Já aqueles que vêm ao mundo por meio da cesárea têm bactérias parecidas com a pele da mãe, do médico e de quem mais manusear o bebê. Segundo pesquisas recentes, essas crianças possuem um risco maior de desenvolver alergia, doença celíaca, asma e obesidade.
Antibióticos também desempenham um papel importante nessa história, principalmente nos primeiros seis meses de vida, quando a microbiota ainda está se formando. Bebês que precisam tomar esses remédios muito cedo ficam mais propensos a desenvolver alguns problemas. Portanto, o uso desses fármacos deve ser bastante controlado.
Para alguns casos, já se começa a pensar seriamente em transplante fecal. Sim, é o mesmo que os ratinhos faziam lá no experimento americano — mas de um jeito bem mais higiênico, por meio de endoscopia. O método é usado com muito sucesso para alguns casos de colite ulcerativa, quadro em que o intestino está totalmente dominado por uma bactéria barra-pesada que não dá a mínima para os antibióticos convencionais.
Infelizmente, os testes de transplante fecal para obesidade não foram tão bem sucedidos em humanos quanto nos animais. Justamente porque os quilos extras são causados por um conjunto de fatores — o equilíbrio das bactérias é só um deles. Portanto, nada de ligar para aquele seu amigo magro para fazer pedidos estranhos…
Enquanto a ciência a avança, o jeito é cuidar da alimentação para deixar as nossas meninas felizes e saudáveis. Convenhamos, não é nenhum sacrifício seguir uma dieta com vinho, chocolate amargo, azeite, frutas, verduras e grãos integrais, não é mesmo? O segredo está em experimentar de tudo um pouco com moderação. Pode comer sem culpa: suas bactérias de estimação vão agradecer bastante.
*Dra. Natalia Pasternak Taschner é bióloga, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenadora dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science no Brasil e uma das idealizadoras e colaboradoras do blog Café na Bancada.