No ano passado, a história do menino João Vicente Patron Santoro ganhou repercussão nacional. Seus pais, em busca de ajuda para custear o tratamento do filho, lançaram uma campanha no Facebook batizada de Avante, Leãozinho. Mas o que é que esse garoto sorridente tem afinal de contas? Trata-se de um transtorno raro chamado de Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica (SHUa).
Em resumo, a doença arrasa a camada interna dos vasos sanguíneos e, com isso, traz repercussões para boa parte do organismo. Via de regra, os rins são os mais afetados, mas complicações neurológicas, gastrointestinais e cardíacas são bem comuns. No caso de João Vicente, uma crise repentina do distúrbio culminou em um AVC. Veja o vídeo que os pais dele fizeram com sua história:
Para conhecer mais sobre a SHUa, como identificá-la e quais os tratamentos mais modernos contra ela, entrevistamos o professor Manuel Praga Terente, chefe de nefrologia do Hospital Universitário 12 de Outubro, na Espanha. Dê uma olhada no que ele tem a dizer:
SAÚDE: Como definir a SHUa?
Manuel Praga Terente: Ela pode ser definida resumidamente como a combinação de uma insuficiência renal aguda com um tipo específico de anemia. No entanto, essa também é a definição de qualquer Síndrome Hemolítico Urêmica. Para diferenciá-la, é necessário excluir outras causas, principalmente por infecções no trato gastrointestinal ou medicamentos.
O que ela provoca?
Uma lesão generalizada na parede interna dos vasos sanguíneos, o endotélio. Desta forma, a SHUa é considerada uma doença sistêmica, porque envolve vasos de todo o corpo. Ela é mais evidenciada nos rins, mas manifestações neurológicas, gastrointestinais e cardíacas também são bastante frequentes. Até por isso o acidente vascular cerebral (AVC) pode ser observado em pacientes com SHUa. A hipertensão arterial grave costuma ser observada nos pacientes e é outro fator de risco para o AVC.
E como identificá-la?
A maioria dos pacientes chega ao hospital com complicações sérias, como anemia grave e insuficiência renal, porque a SHUa é uma doença aguda. No entanto, se o diagnóstico for estabelecido e o tratamento iniciado rapidamente, boa parte das pessoas pode se recuperar e ter um bom estado de saúde.
Os profissionais de saúde estão bem preparados para lidar com a SHUa?
Na minha opinião, não. O diagnóstico normalmente é definido só em centros hospitalares com disponibilidade para diálise, manuseio de hipertensão grave e possibilidade de realizar avaliações específicas. Uma ideia fundamental é que toda pessoa, particularmente crianças e adultos jovens, com insuficiência renal aguda sem causa definida deve ser rapidamente transferida para hospitais especializados, onde o diagnóstico correto de sua condição possa ser estabelecido, seja ela SHUa ou não.
Qual o maior desafio da doença?
Nos primeiros relatos, a SHUa apresentava uma taxa de mortalidade de 100%. A plasmaferese [técnica de transfusão que remove moléculas específicas do sangue] teve papel importante na mudança desse prognóstico, mas os pacientes apresentavam melhora clínica apenas parcial e no curto prazo. Já a droga eculizumabe atualmente é recomendada como terapia de primeira linha. Ela apresentou melhoras significativas de longo prazo. Mas o início precoce do tratamento é fundamental para se evitar a evolução para doença renal crônica e a necessidade permanente de diálise. Logo, um diagnóstico rápido e preciso da SHUa é o maior desafio da doença.
Então o tratamento melhorou bastante recentemente?
O eculizumabe foi uma revolução no tratamento da SHUa. A maioria dos pacientes evoluiu rapidamente com a resolução da anemia. A recuperação da função renal também ocorre em muitos casos, associada ao desaparecimento das complicações extrarrenais. Por outro lado, indivíduos mais velhos que estão em diálise crônica podem ser submetidos a transplante com uso de eculizumabe. Isso evita a recorrência da doença no rim transplantado.
Como fica a vida do paciente?
Uma vez controlada a fase aguda com o tratamento precoce, ele retoma sua vida quase que completamente, com função renal suficiente. No entanto, como a predisposição genética é a base da doença, novos episódios podem ocorrer e a pessoa e seus familiares devem estar cientes dessa possibilidade.