Tristeza tem lado bom?
Sim, e a alegria também tem seu lado ruim. É o que defende psiquiatra da USP em novo livro
Quando criança, Daniel Martins de Barros odiava pernilongos. Alérgico, sempre que era picado, ficava empipocado. “Por que eles existem?”, perguntava aos pais. Nunca encontrou resposta. Já adulto, passou a questionar a mesma coisa em relação às emoções negativas: “Por que sentimos medo?”, “Pra que serve a raiva?”, “Por que a tristeza é importante?”. Desta vez, porém, não sossegou enquanto não respondeu a uma por uma.
“Sentimentos ruins são como alarmes que disparam e fazem barulho quando detectam algo errado em nossa vida”, compara o psiquiatra da Universidade de São Paulo. No recém-lançado O Lado Bom do Lado Ruim (clique para comprar), ele analisa o aspecto positivo de quatro emoções negativas: tristeza, medo, raiva e nojo.
Segundo ele, a tristeza desperta reflexão, o medo protege do perigo, a raiva gera indignação e nos leva a corrigir erros, e o nojo alerta que algo está “fora do lugar”. De quebra, Barros aponta o lado perigoso da alegria. “Somos obrigados a ser felizes o tempo todo. Meu livro tem a missão de tentar nos libertar dessa prisão”, diz.
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Por que falar do lado bom do lado ruim?
O livro é uma resposta à pressão que existe para a gente ser feliz. Isso faz parte da nossa cultura. Volta e meia, a gente repete: “Não chore”, “Não tenha medo”, “Não fique triste”… Mas por que não? Buscar uma alegria que não acaba nunca pode ser frustrante porque, afinal, as pessoas ficam tristes de vez em quando. Ninguém consegue ser feliz o tempo todo. Isso não existe! Meu livro tem a missão de tentar nos libertar dessa prisão.
E há o lado ruim do lado bom também?
No livro busco resgatar o valor e a importância das emoções negativas. Quis mostrar o aspecto positivo delas. Mas quis falar também sobre o aspecto negativo da alegria. Emoções positivas são sempre agradáveis porque fazem nos sentir bem. Mas também nos trazem desvantagens. Quando estamos eufóricos, ficamos meio bobos e saímos por aí, agindo de maneira inconsequente. Nessas horas, você pode tomar uma atitude impensada e se arrepender depois. Não aconselho ninguém a tomar decisões em um momento de euforia.
Em época de coronavírus, qual é o aspecto positivo de sentir medo?
O medo serve para nos proteger, para nos livrar dos perigos. É como se fosse um alarme que dispara quando detecta algo ameaçador. Nessas horas, não há outra coisa a fazer senão fugir. Já imaginou se você desliga o alarme do seu carro? Ele pode ser roubado. O medo mostra também que algo pode dar errado. E, se algo pode dar errado, algo precisa ser feito. No caso da Covid-19, o medo nos protege de um inimigo invisível, o vírus. É bom que sintamos medo. Mas, como toda emoção, ele pode sair do controle. Pode se transformar em pânico ou desespero. Quando isso acontece, você pode ficar doente.
O que fazer, então, para que o medo não vire pânico ou desespero?
Tenho aconselhado as pessoas a manter certa distância do bombardeio de informações. Se a gente ficar o tempo todo assistindo ao noticiário, pode adoecer de tanta notícia de morte ou catástrofe. O ideal é se distanciar um pouco das notícias ruins. Outra dica é procurar se engajar em uma atividade que lhe dá prazer. Procure assistir a bons filmes ou colocar a leitura em dia.
Qualquer sentimento negativo tem seu viés positivo? Qual seria o lado bom do tédio, por exemplo?
Sentimentos como raiva, medo ou tristeza existem para incomodar mesmo. São desagradáveis? São. Incomodam? Muito! Mas é para isso que eles existem: incomodar. Para avisar de que algo não vai bem. De que algo precisa ser mudado. Enquanto não fizermos alguma coisa, eles vão continuar nos incomodando. Enquanto não desligarmos o alarme, vai continuar fazendo barulho. Quanto ao tédio, avisa que precisamos pisar no freio. O momento é de desacelerar. Que tal aproveitar esse período de isolamento social para aprender técnicas contemplativas de meditação?