Janeiro Branco: e o que dizer para alguém com depressão
Conceitos importantes que realmente ajudam a pessoa a enfrentar a depressão e seguir o tratamento adequado
Recentemente escrevi um texto aqui para VEJA SAÚDE sobre “O que não dizer para alguém com depressão”. Daí vem a próxima questão: “Então, o que dizer para uma pessoa deprimida e como lidar com ela?”.
A primeira coisa é entender que o indivíduo com depressão tem uma doença. Então comece imaginando como agiria ao falar com alguém que tem uma condição de saúde, como hipertensão ou uma perna quebrada, e não como uma frescura.
E, agora, vamos para alguns pontos importantes:
Não deixe a pessoa com vergonha por ter depressão
No mundo, há cerca de 350 milhões de pessoas com depressão. Mas você sabia que 50% delas não têm diagnóstico e, portanto, não recebe tratamento?
Isto ocorre devido ao preconceito e à vergonha de procurar um psiquiatra por ter uma doença que, erroneamente, é taxada de fraqueza ou falta de força de vontade. Diferentemente de uma perna quebrada, que pode ser vista em um exame de raio-X, não há um teste de laboratório que confirma a depressão.
O diagnóstico é feito pelo quadro clínico. Mas isso não significa que a doença não existe, que tudo é “psicológico”. Veja, também não há um teste para o diagnóstico da lombalgia (dor nas costas), mas ninguém duvida que ela exista, tanto que é a maior causa de afastamento do trabalho no mundo.
Assim, ao conversar com alguém que tem depressão, é importante destacar que ele não tem culpa de estar doente, e que, com um bom acompanhamento profissional, pode receber um tratamento específico que vai fazê-lo melhorar.
Antidepressivos não causam dependência
O tratamento medicamentoso da depressão é feito, basicamente, com antidepressivos, que levam de duas a três semanas para começar a fazer efeito. Como regra geral, numa primeira fase depressiva, trata-se a condição por um ano e, depois, tenta-se suspender gradativamente os medicamentos.
Para alguns pacientes isto vai muito bem até a suspensão total. Outros começam a sentir uma volta dos sintomas durante a redução – nesse caso, retoma-se a dose anterior do medicamento.
Mas isso não quer dizer que antidepressivos viciam! Imagine uma pessoa com diabetes que para de tomar sua insulina. Provavelmente o açúcar no sangue (glicemia) volta a aumentar. Isto não significa que ele é viciado em insulina, certo?
O que acontece, no caso da depressão, é que diferentes fatores (de mudanças na vida e na rotina até questões genéticas) favorecem ou dificultam essa suspensão dos fármacos.
Então mostre que você vê o tratamento da depressão como o de qualquer outra doença e encoraje a pessoa a segui-lo. O antidepressivo não muda o jeito da pessoa ser, o que muda é a doença. O remédio a faz voltar ao seu normal.
+Leia também: Cloridrato de sertralina: para que serve esse antidepressivo
Use o tratamento a favor da pessoa com depressão, não contra
Esse é um ponto muito importante. Por exemplo: o deprimido tem todo o direito de se irritar com algo ou com alguém. Nesse momento, não faça aquela pergunta aniquiladora: “Por que você está irritado assim? Já tomou seu remédio hoje?”
Esse tipo de indagação pode fazer a pessoa entender que você a acha essencialmente descontrolada, e precisa dos “calmantes” para se segurar. O melhor é valorizar as idas aos profissionais de saúde e compreender que todo mundo tem direito a se irritar, magoar-se e por aí vai.
+Leia também: Depressão pós-parto ou baby blues? Entenda as diferenças e como tratar
Valide seus sentimentos e não force atividades
Por causa da doença, o deprimido se sente sem energia. É uma sensação de esgotamento físico e mental, em que qualquer atividade, como tomar um banho ou decidir que roupas vestir, exige grande esforço.
Então, não tente forçá-lo a ir com você ao cinema ou ao restaurante. Ele até pode ir para te agradar, mas, se não for algo genuíno, certamente não sentiria prazer – e até teria um desgaste adicional.
Em vez disso, se ele não quiser sair, valide a necessidade de repouso e destaque que o tratamento vai fazer efeito em breve e, com isso, ele ganhará energia. Isso tira a culpa do paciente por estar sem ânimo, e reforça o bom prognóstico da doença.
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Coloque-se no lugar da pessoa com depressão
É frequente os pacientes acharem uma “causa” que explique sua depressão, como se ela fosse só uma consequência de acontecimentos da vida, como conflitos no trabalho, dificuldades financeiras e familiares. Mas considere um outro exemplo da medicina: o fato de um grande esforço físico ter desencadeado em alguém um infarto não significa que, por sabermos a causa, podemos dispensar o tratamento do ataque cardíaco, certo?
Assim é com a depressão: fatores externos podem desencadeá-la, puxar o gatilho. Mas ainda assim a doença exige cuidado.
Agora, convencer alguém a se tratar exige sensibilidade. O argumento principal é ver o que faz a pessoa sofrer, e não o que causa sofrimento a você.
Por exemplo: é contraproducente dizer: “Não aguento mais sua irritação, vai procurar um psiquiatra”.
O melhor caminho é algo como: “Eu sei que você tem passado por muito estresse, e isso está atrapalhando o seu sono e te deixado muito tenso. Talvez valha a pena procurar um tratamento para aliviar esse sofrimento”.
Regra geral: o argumento que vale é o sofrimento do deprimido, não o seu.
Recomende cautela com decisões importantes
Não raro, o deprimido passa a atribuir seu sofrimento a conflitos no casamento ou no trabalho, por exemplo. Como consequência, ele pode cogitar uma separação ou pedir demissão.
Acontece que muitas vezes a pessoa deixa o emprego ou se divorcia, mas continua deprimida. Ao melhorar da depressão após o tratamento, infelizmente ela se vê sem emprego (ou sem o cônjuge) e se arrepende, o que claramente não é positivo para a saúde mental.
Por isso, a orientação deve ser algo como: “Vamos anotar esses conflitos, mas aguardar você ficar bom para ver qual será a melhor solução”.
Note que, muitas vezes, conflitos conjugais ou no trabalho não são a causa, e sim a consequência da depressão, e se resolvem espontaneamente após a melhora da doença.
Mas, claro, relações obviamente abusivas – que inclusive isolam a pessoa do convívio com outros – fogem a essa regra e devem ser acusadas.
*Wagner Farid Gattaz, head Nacional da Psiquiatria da Brazil Health e CEO da Gattaz Health & Results. É professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências de Heidelberg, na Alemanha.
Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health.