Depressão, falta de vida social e até o diagnóstico tardio de doenças graves por medo de ir ao médico são algumas das consequências enfrentadas por quem é vítima de gordofobia. O termo se refere ao preconceito contra indivíduos com sobrepeso e obesidade.
“Tudo começa com o estigma do peso, que é uma situação que envolve o mau julgamento baseado apenas nesse dado, como se ele fosse um reflexo da personalidade, do caráter e do estilo de vida da pessoa. Obesidade não é sinal de gulodice e preguiça. É uma condição multifatorial, que inclui questões genéticas e metabólicas”, explica Christina Almeida dos Santos, psiquiatra e secretária da Comissão de Transtornos Alimentares da Associação Brasileira de Psiquiatria.
No consultório, seja de qualquer especialidade (e até de endocrinologistas), pacientes acima do peso muitas vezes ouvem a mesma prescrição de dieta ou a recomendação de cirurgia bariátrica, sem que o profissional faça questão de se aprofundar em questões pessoais e outras queixas.
A administradora Juliana Figueiredo, 34 anos, passou por uma dezena de médicos até chegar a um endócrino que proporcionasse um tratamento adequado. “Em um deles, fui sentar na cadeira e não coube nela. Ele disse: você é quem ficou desse tamanho, então faça a consulta em pé”, conta.
Ela já deixou de ser atendida com dor de estômago porque o médico afirmou não se interessar nessa questão naquele momento. “Ele disse que eu estava morrendo e precisava fazer bariátrica”, lembra. “Quando se vê um fumante magro ninguém se mete, mas o corpo gordo incomoda”, reflete a administradora.
Juliana está longe de ser exceção. Um levantamento conduzido pela MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, aponta que, entre os 1 000 respondentes, 26% daqueles que se identificam como gordos já foram maltratados por profissionais de saúde por causa de sua forma física. O trabalho contou com a participação de homens e mulheres de todas as regiões do Brasil e de diferentes camadas sociais.
Tanto estigma afasta os pacientes das clínicas, deixando-os suscetíveis a diversos tipos de problemas. “Mulheres com obesidade fazem menos prevenção de doenças como o câncer de colo de útero. Elas preferem não voltar ao médico por causa da forma como foram tratadas”, exemplifica Márcio Mancini, diretor do Departamento se Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Exigir do paciente uma perda de peso significativa é um dos erros mais comuns cometidos por profissionais. “Ninguém atinge 100 quilos só porque tem péssimos hábitos. Fatores genéticos predispõem uma pessoa a engordar facilmente. Então, não adianta criar metas irreais de perda de peso. Isso só vai frustar o indivíduo que procurou ajuda. Tem muito magro com o mesmo comportamento de um sujeito com obesidade, mas que não engorda”, analisa Mancini. Segundo os especialistas, o primeiro passo para mudar esse cenário é investir no treinamento correto de todos os profissionais de saúde.
“Há residências em endocrinologia com um ensinamento razoável ou bom sobre tireoide e diabetes. Mas, quando o assunto é obesidade, tudo é muito superficial. Por isso, o próprio endócrino acaba tendo dificuldade para acolher o paciente e segue acreditando que estar acima do peso é uma escolha pessoal”, critica Mancini, que é professor na Universidade de São Paulo (USP).
Acima do peso e com saúde
Há casos em que o paciente com obesidade é considerado metabolicamente saudável, ou seja, tem seus exames de colesterol, pressão, glicemia, entre outros, dentro da média. Isso não significa, no entanto, que o acompanhamento é desnecessário. “Estudos com jovens obesos mostraram que o exames começam a aparecer alterados à medida que a pessoa envelhece”, informa Mancini.
Fora que há muitos quadros que não são flagrados com esse tipo de análise. “Exame de sangue não detecta o câncer de mama ou de útero, por exemplo. E essas doenças são mais comuns na mulher obesa, devido aos maiores níveis de estrógeno e insulina”, descreve o médico. “Ninguém tem uma obesidade considerada saudável após os 50 anos. Sempre aparecem complicações. E a expectativa de vida também é reduzida”, acrescenta.
Por outro lado, ele faz questão de reforçar que lidar com a obesidade não significa almejar a magreza. Essa crença precisa cair por terra. Uma pessoa que passa de 100 para 85 quilos já apresenta uma melhora em diversos aspectos, incluindo a disposição.
“A obesidade deve ser vista como qualquer outra doença, mas ainda não é assim. Negar-se a tratá-la é a mesma coisa que ter pressão alta e não querer investigar”, avalia Mancini. Aliás, reconhecer que falamos de uma doença ajuda a acabar com o estigma de que o quadro é decorrente de uma falta de esforço do indivíduo.
Mas, para quem não possui plano de saúde, a busca por apoio especializado representa mais um desafio. “O SUS não oferece atendimento para obesidade, não há profissionais. O que temos é apenas uma fila para quem apresenta recomendação de cirurgia bariátrica”, lamenta o expert da Sbem.