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Entrevista: as superstições mexem com a saúde (para o bem e para o mal)

Em visita ao Brasil, psicólogo americano explora o mundo das crenças e dos rituais e a influência deles em nosso bem-estar

Por André Biernath
Atualizado em 8 jun 2020, 11h52 - Publicado em 9 ago 2019, 17h52
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  • Você é daqueles que bate três vezes na madeira para evitar notícias ruins? Não deixa ou chinelo virado pra baixo para evitar que sua mãe morra? Tem um olho grego atrás da porta para espantar o mau olhado? Sim, todos nós adotamos superstições que fazem parte da nossa cultura. Mas qual será o efeito dela sobre nossas emoções? Será que elas afetam o comportamento?

    Esse é o assunto que fascina o psicólogo americano Stuart Vyse. Ex-professor da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, o especialista esteve no Brasil a convite do Instituto Questão de Ciência para uma série de palestras na cidade de São Paulo.

    Além da carreira acadêmica, o cientista também é colunista da revista Skeptical Inquirer e escreveu dois livros (sem traduções para o português): Believing in Magic: The Psychology of Superstition (Acreditando em Magia: a Psicologia da Superstição) e Going Broke: Why Americans (Still) Can’t Hold on To Their Money (Indo à Bancarrota: Porque os Americanos Ainda não Conseguem Segurar o Dinheiro).

    Entre um evento e outro, Vyse encontrou um espaço na agenda para conversar com a Revista SAÚDE:

    SAÚDE: Como as superstições surgiram e como elas se tornaram praticamente eternas em nossas culturas?

    Stuart Vyse: elas são realmente quase eternas . Superstições são tão antigas quanto as religiões. No começo, as superstições foram identificadas como “religiões ruins”. A palavra vem do latim superstitio e significa originalmente algo como “ter muito medo dos deuses”, ainda na época do Império Romano. Alguém que rezava muito, tomava muito banho, era excessivamente temeroso em relação aos deuses… Isso era superstitio. Mas, com o passar do tempo, esse conceito mudou para classificar outras religiões como ruins. Quando os romanos se deparavam com as religiões do Oriente Médio ou de outros lugares onde dominaram, eles as categorizavam como superstições.

    Isso mudou de figura durante o Iluminismo. A superstição começou a ser encarada não mais como “religião ruim”, mas como “ciência ruim”. Nós começamos a chamar todos os credos mágicos, que não faziam sentido racional, como superstição. E assim continua até hoje.

    Eu diria que a superstição tem uma série de definições. Em geral, é crer em algo incompatível com a ciência. Ela também possui algum objetivo secreto por trás de cada gesto. Como, por exemplo, bater três vezes na madeira para não ter azar. Porém, ainda hoje essa palavra é usada de modo descuidado. Daí qualquer ideia diferente que outro indivíduo tem pode ser encarada como uma simples superstição.

    E como elas se relacionam com cada povo ou nação? Há superstições que são globais?

    Eu acho que a ideia de superstição é global e universal, mas há variações locais. Por exemplo, eu nasci num lugar no meio dos Estados Unidos no seio de uma família protestante. E eu nunca ouvi falar da superstição do mau olhado. Se eu fosse de uma família italiana ou se tivesse nascido na América do Sul, teria algum contato com isso, pois é um assunto muito popular nesses lugares.

    Na Ásia, há muitas superstições ligadas a números e cores que não se aplicam em outros países. As superstições estão totalmente ligadas à cultura e nós as aprendemos conforme crescemos, muitas vezes sem saber de onde vieram — como o receio de gatos pretos e a regra de não pisar em rachaduras no chão.

    O que acontece no nosso cérebro, comportamento e emoções quando a gente obedece ou desobedece uma superstição?

    As superstições nascem numa situação onde o resultado é incerto. Se você souber fazer algo e até onde aquilo vai te levar, a superstição é inútil. Em circunstâncias incertas, se você se engaja num ritual, pode se sentir melhor ou aliviado. Há um conceito na psicologia chamado “ilusão do controle”. Quando você joga dados ou faz coisas que são completamente aleatórias, a superstição dá a noção estar realizando algo a mais para conseguir alcançar aquilo que é desejado.

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    Mas e quando a gente se recusa a fazer certa superstição? Geralmente isso ocorre no caso daquelas relacionadas com o medo e o azar, como o número 13 ou o medo de gatos pretos. A verdade é que seria melhor se ninguém tivesse nos contado isso. Infelizmente, nós precisamos sempre encontrar explicações para as coisas ruins que nos acontecem.

    Quando você não faz determinado ritual ou costume que está engendrado na sua cultura, invariavelmente terá que confrontar alguma ansiedade ou preocupação. Nós não acreditamos racionalmente naquilo. Mas, para não ter que lidar com esses sentimentos ruins, simplesmente fazemos.

    Vamos pensar na situação de um boxeador, que realiza uma série de rituais ou mandingas antes de entrar no ringue. Esses atos servem para que ele controle o estresse?

    Sim. Seu exemplo do lutador é ótimo, porque o esportista pratica todo dia, faz exercícios com aquela finalidade. Porém, na hora da luta, não há nada mais que ele possa realizar para se preparar para o que está por vir. E tem aqueles minutos que ele precisa esperar antes de iniciar a luta. Deve ser um momento de muita ansiedade mesmo.

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    Aqui, a superstição seria como qualquer ritual que preenche o tempo e dá o foco naquilo que ele fará daqui a pouco. Não temos boas evidências quanto a isso, mas a superstição pode até melhorar a performance no ringue. Não porque ela é mágica, mas por ter esse benefício psicológico durante a preparação.

    Na contramão, as superstições poderiam ser ruins para nossa saúde? Elas podem se tornar, por exemplo, um gatilho para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)?

    Há tantas pessoas no mundo que são supersticiosas. E mesmo assim, o TOC é uma doença relativamente rara. Não sabemos se uma coisa causa a outra mesmo e não existe evidência científica em relação a isso.

    Mas existem circunstâncias em que as superstições podem ser bem ruins, claro. Na maioria das vezes, elas são benignas e não fazem mal. Mas nos apostadores compulsivos, que acreditam na sorte e em maneiras de ficar mais sortudo, isso é perigoso. Esses indivíduos acabam perdendo dinheiro e se endividando.

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    Em termos de saúde, algumas pessoas usam técnicas de medicina alternativa e outras saídas supersticiosas para tratar doenças quando deveriam ir a um médico. O limiar está no prejuízo ao bem-estar e o desperdício de dinheiro.

    E quando devemos quebrar esse ciclo e dizer para uma pessoa que determinada superstição não faz sentido?

    Eu faria isso com base em cada situação. Pessoalmente, penso que é ok fazer certas superstições. Desde, claro, que saibamos que elas não fazem sentido. Se você cresce com essas coisas e elas fazem parte do seu contexto, é difícil descartar.

    Devemos ter a noção de que elas não possuem lógica, mas, mesmo assim, fazemos para nos sentirmos melhores. Isso já é um grande passo. Em relação às superstições que provocam algum mal, vai depender de cada um e do dano que está provocando.

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    E que análise você faz sobre o mundo e a relação das pessoas com a superstição? Parece que as pessoas ficam cada vez mais interessadas em astrologia, por exemplo.

    Tenho a impressão de que a força das superstições está crescendo no mundo todo. Isso, em parte, tem a ver com a atmosfera política. Além disso, nos Estados Unidos, as pessoas estão ficando menos religiosas. Elas então não recorrem mais às igrejas e templos, mas vão para a astrologia ou outra crença.

    Parece ser um fenômeno que está acontecendo em outras partes do planeta. Vivemos um período em que a ciência está sendo atacada, em alguns casos até por motivos políticos. E isso afeta a forma como as pessoas olham para o conhecimento e para o transcendental/espiritual. Não é uma visão otimista. Mas espero que sua revista e o jornalismo de ciência ajudem a nos resgatar disso [risos].

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