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Ansiedade, maconha, TOC… As 7 notícias mais quentes da psiquiatria

Acompanhamos o maior congresso científico da área de saúde mental do Brasil e trazemos as novidades e discussões que pintaram por lá

Por André Biernath
Atualizado em 10 mar 2021, 16h53 - Publicado em 11 out 2019, 20h04
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  • Entre os dias 9 e 12 de outubro, o Rio de Janeiro virou a capital brasileira da saúde mental. É que nessas datas acontece o Congresso Brasileiro de Psiquiatria (CBP). O evento reúne os principais nomes dessa especialidade no país e apresenta as tendências e debates sobre as doenças que atingem a mente, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo e bipolaridade. SAÚDE esteve no evento e traz nessa reportagem alguns dos temas apresentados por lá. Confira abaixo:

    1. Cirurgia bariátrica não mexe só com a barriga

    Já virou consenso entre os médicos que mudanças alimentares e exercícios físicos não são suficientes para tratar os casos mais graves de obesidade. Quando o Índice de Massa Corporal (IMC) passa de 40, é preciso recorrer à cirurgia bariátrica, conjunto de técnicas que retira ou modifica algumas partes do sistema digestivo, principalmente o estômago e o intestino delgado. A operação também está indicada para quem tem o IMC entre 30 e 39,9 e apresenta fatores de risco, como diabetes e hipertensão. Atualmente, estima-se que o Brasil tenha 13 milhões de candidatos a esse tipo de procedimento.

    O problema é que o bisturi sozinho não resolve nada: é preciso realizar todo um acompanhamento antes e depois da cirurgia. Isso é trabalho para uma equipe multidisciplinar, que envolve endocrinologista, nutricionista, educador físico, psicólogo e o psiquiatra.

    A saúde da cabeça, aliás, é um dos pontos mais importantes por aqui. “Se o paciente apresenta um transtorno mental, é preciso estabilizá-lo antes de marcar o procedimento”, destacou durante a sua apresentação no CBP o médico Glauber Higa Kaio, da Universidade Federal de São Paulo.

    Os quadros psiquiátricos, aliás, são comuns entre os candidatos à bariátrica: estudos mostram que indivíduos com obesidade grave (aquela que ultrapassa os 30 pontos do IMC) apresentam dois ou três vezes mais risco de sofrer com algumas dessas doenças, como ansiedade e compulsão alimentar. E, claro, não será uma cirurgia que vai dar conta do recado: é preciso avaliar esse paciente antes de partir para qualquer método.

    Feita a redução do estômago ou a implantação de um balão gástrico, o acompanhamento com psicólogo e psiquiatra segue relevante e necessário. “A cirurgia bariátrica não é algo que se limita ao estômago. Há todo um sistema hormonal que se modifica e impacta diretamente a sensação de fome, o prazer à mesa e a noção de saciedade”, disse em palestra a médica Maria Francisca Mauro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Nesse turbilhão de mudanças, é óbvio que surgem emoções e comportamentos variados. Diversos levantamentos demonstram um aumento em “beliscadas” durante o dia, o surgimento de uma síndrome do comer noturno e até mesmo um vício por comida. Junto com esses efeitos colaterais, o risco de recaídas e ganhos súbitos de peso só cresce. Ainda bem que tudo isso pode ser minimizado com o auxílio constante de diversos profissionais da saúde.

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    2. TOC: novos conhecimentos e novas terapias

    Um consórcio internacional que une pesquisadores de Estados Unidos, Holanda, África do Sul, Índia e Brasil permitiu entender mais a fundo os detalhes do transtorno obsessivo compulsivo, o TOC. Graças ao trabalho em conjunto, foi possível compilar uma série de exames de imagens dos cérebros de pacientes que convivem com a doença.

    Assim, os cientistas descobriram que algumas áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal que regula as emoções, estão menos desenvolvidas nesses indivíduos. Isso ajuda a compreender melhor a condição para fornecer um melhor diagnóstico e tratamento no futuro.

    Os dados, apresentados pela psiquiatra holandesa Odile van den Heuvel, na Universidade de Amsterdã, apontam também uma certa preocupação para o uso contínuo de medicamentos para enfrentar o TOC, principalmente na infância. Ainda não se sabe quais os efeitos de longo prazo desses comprimidos. “A melhor forma de enfrentar o problema continua sendo a terapia cognitivo-comportamental”, disse a médica. 

    Falamos aqui de um tipo específico de psicoterapia, que vem trazendo ótimos resultados em mudar as obsessões e gestos repetidos tão comuns nesse distúrbio. Os remédios até ajudam em alguns casos, mas entram como auxiliares das sessões no consultório.

    Além da ajuda psicológica, recentemente outro recurso terapêutico ganhou aprovação para esse transtorno, ao menos em terras estrangeiras. O FDA, a agência regulatória dos Estados Unidos, liberou a estimulação magnética transcraniana como uma alternativa de tratamento. Nela, o médico posiciona na cabeça do paciente em uma máquina que emite ondas magnéticas com a capacidade de modificar a comunicação entre os neurônios. 

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    Infelizmente, não há previsão para que a tecnologia chegue ao Brasil. “Ela vai auxiliar nos casos refratários, em que as outras opções terapêuticas não trouxeram resultados satisfatórios”, informou a psiquiatra Helen Blair Simpson, da Universidade Columbia, nos EUA, durante sua aula no CBP. Atualmente, ainda são testados outros métodos, como a instalação de eletrodos e marcapassos dentro da massa cinzenta, com o objetivo de modificar o funcionamento de células nervosas mais profundas. 

    3. Bulimia, anorexia e muito mais: a nova cara dos transtornos alimentares

    As dificuldades com alimentação ganharam notoriedade nos últimos tempos. Seja pelo aumento do número de casos ou pela exposição do tema na mídia, a verdade é que a maioria das pessoas conhece ou ao menos já ouviu falar de bulimia ou anorexia. Esses quadros são marcados por grandes restrições na dieta, com o objetivo de perder peso e atingir um ideal de corpo que parece sempre estar distante da percepção do paciente.

    Mais recentemente, médicos descreveram ao menos outros quatro transtornos com características parecidas. O primeiro é a ortorexia, marcada por uma obsessão constante pela alimentação saudável, pura e natural. “Comum em mulheres e adolescentes, é um traço típico de pessoas perfeccionistas e que se cobram muito”, apontou durante a apresentação a médica Christina de Almeida dos Santos, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Você pode ler mais sobre o quadro nesta reportagem que fizemos há alguns meses.

    A segunda da lista é a vigorexia, em que o sujeito, geralmente homem de 18 a 25 anos, tem uma visão distorcida do próprio corpo e acha que precisa malhar sem parar para ficar forte e sarado. Além disso, ele faz cortes profundos na alimentação, abusa de suplementos e chega até a usar anabolizantes. 

    Na sequência aparece a diabulimia, que é uma mistura de bulimia com diabetes tipo 1. Os pacientes com problemas nos níveis de açúcar no sangue que precisam fazer uso da insulina simplesmente deixam de aplicar esse hormônio com o objetivo de emagrecer. Uma atitude que coloca a vida deles em risco. A falta da medicação desemboca numa série de complicações, que vão de depressão e fadiga a coma e morte. 

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    A quarta é a drunkorexia, uma relação entre a anorexia e o alcoolismo. Quem é acometido por esse transtorno deseja muito perder peso. Para isso, deixa de se alimentar corretamente e passa a beber cerveja, vinho, vodka e afins em excesso. A situação já foi descrita em mulheres jovens do Hemisfério Norte.

    Nesses casos, o álcool serve para tirar a fome e reduzir a ansiedade. Como efeito colateral, traz um vício dos bravos que necessita de intervenção médica urgente. 

    4. Uso indiscriminado de testosterona pode aumentar a agressividade

    A busca por um corpo ideal tem desdobramentos realmente perigosos. Muita gente cai na ladainha de que é preciso usar anabolizantes para garantir músculos grandes e torneados. Nesse contexto, uma das substâncias mais utilizadas de forma indevida é a testosterona: homens e mulheres chegam a engolir comprimidos e aplicar injeções de origem veterinária. 

    Essa prática, além de ilegal, representa uma ameaça gigantesca não somente para ossos, músculos e órgãos, mas também para a mente. Há diversos relatos científicos que demonstram que a aplicação de doses cavalares de testosterona provoca a morte de neurônios e a diminuição do volume cerebral. 

    Na esteira desse processo, aparecem modificações do comportamento. “São sintomas maníacos, agressividade, irritabilidade e uma sensação de autoconfiança e segurança exageradas”, listou durante a sua fala o endocrinologista Alexandre Hohl, da Universidade Federal de Santa Catarina

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    O médico citou uma pesquisa pioneira realizada em 2017 na Universidade Nipissing, no Canadá, que comprovou essas observações com um método bastante rigoroso. Os cientistas começaram recrutando 121 homens saudáveis. Metade da turma recebeu uma dose de testosterona, enquanto a outra tomou uma substância sem efeito terapêutico. Na sequência, todos participaram de um jogo de tomada de decisões.

    Nos voluntários que já tinham uma personalidade dominante e impulsiva, a dose extra do hormônio potencializou comportamentos agressivos durante o experimento. Esse foi o primeiro trabalho a demonstrar algo que os médicos já observavam no atendimento de seus pacientes.

    Isso quer dizer que a reposição hormonal com testosterona é proibida em todos os casos? Não. Quando bem avaliada por um médico, principalmente o endocrinologista, ela pode ser indicada para homens que sofrem com hipogonadismo ou mulheres com falta crônica de desejo sexual. Somente uma avaliação criteriosa com um profissional especializado no tema para ter uma aplicação correta e segura desse tipo de terapia. 

    5. Maconha medicinal na psiquiatria: devagar com o andor…

    Cercada de tabus e polêmicas, a Cannabis sativa voltou ao centro do debate com a liberação de seu uso medicinal e recreativo em diversos países. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária abriu recentemente a discussão sobre a regulamentação do plantio e da venda dessa planta para fins terapêuticos. 

    Durante o CBP, uma série de apresentações realizadas por experts da Universidade McMaster, no Canadá, país que liberou a maconha, trouxe informações interessantes. A maconha, ou seus componentes ativos isolados canabidiol (CBD) e tetraidrocanabidiol (THC), já possui um bom número de pesquisas que comprovam seu papel em situações específicas, como alívio de dor crônica em adultos, diminuição de náuseas e vômitos durante a quimioterapia, e tratamento da espasticidade, uma das manifestações da esclerose múltipla.

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    Porém, quando o assunto são doenças psiquiátricas, a situação ainda está um pouco frágil. No momento, não é possível cravar que a planta ajude (ou atrapalhe) a recuperação dos pacientes.

    “No caso da ansiedade, por exemplo, as pessoas acreditam que a cannabis auxilia a aliviar os sintomas. Mas as poucas pesquisas já publicadas mostram justamente o contrário, com aumento na gravidade do transtorno. Portanto, não conseguimos traçar recomendações”, orientou o psiquiatra canadense Michael Van Ameringen, um dos palestrantes.

    Sua colega de instituição e também psiquiatra Zanaib Samaan mostrou recentemente que os produtos de maconha se diversificaram: hoje é possível encontrar a planta em remédios, balas, bolachas, bolos… Além disso, diversos cruzamentos de espécies permitiram aumentar a concentração de THC, o componente que dá o “barato”. “Com isso, o risco de abuso na quantidade e até overdose aumentam consideravelmente”, alertou. 

    A própria Associação Brasileira de Psiquiatria resolveu se posicionar sobre o tema. Em conjunto com o Conselho Federal de Medicina, os representantes da entidade publicaram no dia 11 de outubro um documento chamado “Decálogo sobre a Maconha”, em que se mostram contrários ao uso da planta como uma forma de tratar as doenças que abalam a mente. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos para saber como o assunto vai evoluir. 

    6. É preciso se preocupar com a saúde mental da mulher

    Por questões sociais e hormonais, o público feminino apresenta uma série de particularidades quando o tema é psiquiatria. O primeiro ponto que chama atenção é o período pós-menopausa, em que as mulheres deixam de menstruar.

    Os especialistas caracterizam esse momento como uma janela de perigo, pois é comum que sintomas depressivos deem as caras. Se o quadro não for acompanhado, há o risco de a doença se aprofundar e trazer graves consequências. 

    Em segundo lugar nessa história aparece o transtorno disfórico pré-menstrual. Já ouviu falar desse distúrbio? Ele se parece muito com uma depressão, só que seus sintomas (irritabilidade, melancolia, ansiedade, interesse diminuído, dificuldade de concentração…) acontecem na semana antes da menstruação.

    Trata-se de um abalo cíclico que derruba a qualidade de vida de até 5% das mulheres. Recentemente, o quadro foi reconhecido como uma doença independente. Ainda bem que há remédios específicos que minimizam essa chateação.

    Por fim, uma situação desafiadora é a gravidez de pacientes com transtorno bipolar. “Elas devem fazer um acompanhamento de perto com o psiquiatra, que precisa conversar com obstetra e ginecologista para fazer ajustes nas doses de remédios e, assim, evitar complicações para o bebê”, orientou o médico Amaury Cantilino, da Universidade Federal de Pernambuco

    7. Demências: a ameaça bate à porta do Brasil

    Já não é novidade que os brasileiros envelhecem a passos largos. Ano que vem, 29,8 milhões de nossos conterrâneos terão mais de 60 anos, o que representa quase 15% de toda a população, um aumento considerável em relação a décadas anteriores. Como se não bastassem os desafios econômicos e sociais que essa mudança vai trazer, o psiquiatra Gilberto Alves, da Universidade Federal do Maranhão, alertou para a quantidade de adultos de baixa escolaridade ou analfabetos no país. São 14 milhões de indivíduos que não sabem ler ou escrever por aqui.

    “Sabe-se que o estímulo intelectual está entre as principais atividades para manter o cérebro ativo e a educação é a melhor ferramenta para garantir isso”, destacou o especialista. Por causa da falta de estímulo aos neurônios, acredita-se que o risco de demências neles é maior. “Precisamos urgentemente desenvolver ferramentas para diagnosticar essas enfermidades e criar políticas públicas para atender essa demanda que vai surgir”, destacou Alves.

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