A Iniciativa Internacional pela Vacina da Aids (Iavi) e o Scripps Research Institute, nos Estados Unidos, anunciaram os resultados da fase 1 de um estudo que testou um novo tipo de vacina contra o HIV. E os dados animaram: o imunizante estimulou a produção de anticorpos especialmente potentes em 97% dos participantes.
Essa primeira etapa dos testes clínicos contou com 48 adultos saudáveis. Uma parte dos voluntários recebeu duas doses do composto misturado ao adjuvante — uma substância que potencializa a resposta imune —, enquanto a outra tomou um placebo.
Como funciona essa vacina
Antes de tudo, cabe destacar que é especialmente difícil criar um imunizante contra o HIV. O infectologista Ricardo Sobhie Diaz, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), conta que esse agente infeccioso sofre mutações com muita velocidade.
“Ele muda com uma frequência muito maior que o coronavírus, por exemplo. Devido à diversidade genética, o vírus consegue facilmente se esquivar do sistema imune, fazendo com que as vacinas não funcionem”, explica o especialista.
A sacada dos cientistas foi criar um composto que estimulasse a produção pelo organismo dos chamados anticorpos amplamente neutralizantes, ou BNAbs. “São anticorpos que atingem todas as mutações do HIV. Eles foram encontrados há algum tempo em um grupo de pessoas que já haviam sido infectadas”, informa Diaz.
O problema é que só algumas células específicas do sistema imunológico conseguem gerar os tais BNAbs — e elas são escassas. Até então, havia uma dificuldade de criar vacinas que as instigasse. Mas, pelo visto, esse desafio foi superado.
“Nossos dados demonstram a capacidade de essa vacina fazer isso”, concluiu o imunologista William Schief, do Scripps Research Institute, em comunicado à imprensa.
O que o resultado significa na prática
Apesar do desfecho animador, essa foi apenas a primeira fase da pesquisa. “Temos um instrumento mais moderno e potente que as opções anteriores, mas não existe nenhuma garantia de que ele vai funcionar e produzir a quantidade de anticorpos necessária”, pontua Diaz.
Estudos de fase 2 e 3, que convocam mais voluntários e de fato verificam a eficácia do produto na prevenção do HIV, devem ser realizados a seguir. Segundo um comunicado, há também uma parceria com a empresa Moderna para desenvolver e testar uma vacina parecida com essa, mas a partir da tecnologia de RNA mensageiro — a mesma usada pelo laboratório contra a Covid-19.
E um fato bacana: em teoria, a tecnologia de instigar células que produzem anticorpos amplamente neutralizantes pode ser ampliada para além do vírus causador da aids. Seus desenvolvedores acreditam que valeria testar a estratégia contra outras doenças desafiadoras, como dengue, zika e malária.
“Esse tipo de engenharia pode ser aplicado de forma mais ampla, trazendo uma nova era na vacinação. É uma grande conquista para a ciência das vacinas como um todo”, comemorou o microbiologista Dennis Burton, presidente do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Scripps Research Institute.