Nos anos 1950, surgiram os primeiros medicamentos antidepressivos. Foi meio por acaso: cientistas perceberam que compostos testados contra outras doenças melhoravam o humor dos voluntários. Dessa maneira, portanto, poderiam ser usados para tratar a depressão.
Como essas drogas atuavam nos níveis de monoaminas no organismo – categoria de neurotransmissores composta por serotonina, noradrenalina e dopamina – logo se formulou a ideia de que a doença seria causada por um desequilíbrio nessas moléculas.
Desde então, todas as drogas lançadas seguiam essa lógica. Atualmente, existem 55 antidepressivos aprovados com o mesmo mecanismo. Só que a ideia de que a depressão é culpa desse desbalanço, conhecida como teoria monoaminérgica, está caindo por terra.
Em julho, uma revisão robusta publicada na revista científica Molecular Psychiatry, do grupo Nature, concluiu que não há base científica para fazer tal afirmação.
Isso não quer dizer que os medicamentos não funcionem – afinal, eles melhoram os sintomas de boa parte dos pacientes –, mas ajuda a explicar porque até um terço das pessoas não se beneficia do tratamento. Depois de três falhas, a taxa de sucesso beira 0%.
“Na verdade, se chegou a uma conclusão apressada de que a depressão é uma doença simples, com um mecanismo fisiopatológico simples, resumido a uma queda nas monoaminas”, comenta o psiquiatra Acioly Lacerda, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Hoje, sabe-se que a depressão é um transtorno complexo e multifatorial. Tirando as causas ambientais e sociais – tão ou mais importantes que as questões discutidas aqui –, há diversos mecanismos fisiológicos já bem estabelecidos pela ciência.
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Esses avanços no conhecimento abrem caminho para o desenvolvimento de uma nova geração de fármacos, que finalmente começa a chegar ao mercado, depois de sete décadas seguindo a mesma linha de raciocínio.
Lacerda falou sobre o assunto em sessão no 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado entre os dias 5 e 8 de outubro, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em Fortaleza (CE).*
“Em comum, esses novos medicamentos têm ação rápida, o que é um problema nos antidepressivos atuais, que demoram para fazer efeito. Além disso, atuam na fabricação de novos neurônios e na neuroplasticidade [a capacidade do cérebro em se adaptar às mudanças internas e externas]”, explicou o médico à plateia.
Lacerda destaca os mecanismos de ação de alguns deles:
Sistema glutamatérgico
São drogas que modulam o neurotransmissor glutamato, envolvido na sobrevivência dos neurônios e nas sinapses, a comunicação entre eles. Trata-se da categoria mais avançada, que já está sendo usada na prática, mas talvez ainda seja pouco conhecida por médicos e pacientes.
Em pessoas com depressão, essas duas funções cerebrais estão abaladas. Em 2020, foi aprovada no Brasil a escetamina, um spray nasal que promete diminuir sintomas em poucas horas, indicado para pessoas com depressão resistente ao tratamento.
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“Há outras 25 moléculas em estudo, e algumas demonstram efeito maior do que o dos estabilizadores de humor convencionais”, comentou Lacerda.
Psicodélicos
A psilocibina, substância derivada dos cogumelos, é conhecida há décadas por seu potencial terapêutico, mas as pesquisas para comprová-lo empacaram no preconceito e no moralismo. Agora é diferente.
“Em estudos recentes, ela demonstrou resultado muito superior ao placebo, mas ainda semelhante ao dos antidepressivos tradicionais”, disse Lacerda. Ainda falta bater o martelo em relação ao benefício. Para isso, são necessários ensaios maiores, que acompanhem as pessoas por mais tempo.
A ayahuasca, outra droga com ação alucinógena, parece ainda mais promissora, segundo o psiquiatra, mas esbarra no problema da dosagem, por se tratar de uma planta. “Portanto, é difícil dosar a quantidade do princípio ativo, o que é muito importante para pesquisar qualquer medicamento”, complementou o médico.
Sistema GABAérgico
Esse sistema é comandado pelo neurotransmissor Ácido gama-aminobutírico, mais conhecido como GABA. Entre outras funções, ele participa da regulação do humor.
Naturalmente, o circuito sofre interferência das flutuações dos hormônios femininos estrogênio e progesterona. Aliás, essa é uma das hipóteses estudadas pelos cientistas para justificar a maior incidência da depressão em mulheres – além dos fatores sociais, claro.
Hoje, um medicamento aprovado para depressão pós-parto atua no sistema GABA, a brexanolona. “Só que o custo é de cerca de 150 mil reais, e é preciso administrar via infusão sanguínea, por 60 horas”, ponderou Lacerda.
No futuro, o uso pode se expandir para outros cenários, em especial na depressão de caráter mais melancólico, e ser simplificado pela tecnologia.
Opioides
A classe de medicamentos analgésicos por trás da pior epidemia de overdoses dos Estados Unidos pode, acredite, ganhar uma chance de redenção na psiquiatria. Uma representante da categoria, a buprenorfina, está sendo testada como antidepressiva em combinação com outra substância, a samidorfan, que reduziria o potencial de dependência.
Os resultados não são super animadores até agora, mas recentemente uma empresa de biotecnologia anunciou um investimento de U$1 bilhão no desenvolvimento dessa nova molécula.
Há ainda cerca de uma dezena de possíveis mecanismos de ação sendo investigados, como os que tentam atacar a questão inflamatória envolvida na depressão. São caminhos mais distantes, mas que ajudam a vislumbrar um horizonte melhor para quem sofre com essa doença hoje tão difícil de tratar.
*A repórter viajou a convite da ABP.