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Provado: obesidade causa câncer

Uma pesquisa gigantesca confirma o forte elo entre excesso de peso e vários tipos de tumor. SAÚDE traz os detalhes dessa perigosa ligação

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 22 fev 2019, 17h00 - Publicado em 12 jun 2016, 14h00
Getty Images
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No Reino Unido, boa parte dos clínicos gerais transcreve, após um atendimento, detalhes sobre o paciente e sua condição em um programa de computador. Os dados, então, juntam-se aos de outras muitas pessoas em um sistema chamado Clinical Practice Research Datalink (CPRD). Esse serviço é uma enorme mina de ouro para quem investiga a incidência de diferentes enfermidades em grupos específicos. E foi aproveitado por experts da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra, interessados na relação entre obesidade e câncer.

Com base no CPRD, eles seguiram 5,24 milhões de indivíduos, dos quais 2,5 milhões estavam rechonchudos. Ao longo do tempo, 166 955 desenvolveram um dos 21 tipos de tumor mais comuns na Grã-Bretanha ou o de vesícula biliar (embora mais raro, foi incluído pela suspeita de estar ligado à barriga avantajada). “Esse é o maior estudo a respeito do tema”, indica o epidemiologista Krishnan Bhaskaran, autor do trabalho. “Descobrimos que o sobrepeso está claramente associado a pelo menos dez dos cânceres analisados”, completa. São eles os de mama, endométrio, colo de útero, ovário, rim, vesícula biliar, fígado, cólon e tireoide, além das leucemias. “Não há evidência mais sólida para afirmarmos que os obesos estão mais propensos a sofrer com tumores”, atesta Felipe Osório Costa, oncologista da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, no interior paulista.

Ainda segundo o artigo, o acréscimo de um ponto no famoso índice de massa corporal (IMC) na média da população britânica resultaria em mais 3 790 casos da doença por ano. Mas de que maneira a gordura infla números tão preocupantes? “É improvável que exista uma única explicação, até porque estamos falando de cânceres bem distintos”, argumenta José Barreto Carvalheira, professor da disciplina de oncologia da Unicamp.

Há vários mecanismos por trás do potencial da obesidade em deflagrar tantos tipos de neoplasia (o termo técnico para câncer). Porém, quase todos têm como ponto de partida os adipócitos, células que, fora armazenar gordura, fabricam substâncias que regem o funcionamento do organismo. Para começo de conversa, quando estão lotados de banha, eles intensificam a produção de proteínas inflamatórias e de certos hormônios, como a leptina, que se espalham pela corrente sanguínea. “Em excesso, eles promovem a multiplicação de células tumorais que, sem esse estímulo, talvez fossem eliminadas naturalmente”, esclarece o oncologista Fernando Cotait Maluf, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo. É como se o sobrepeso colocasse o pé no acelerador de nódulos malignos microscópicos.

Um adipócito inchado ainda gera quantidades extras de hormônios femininos. E a superdosagem deles também incita a proliferação de unidades defeituosas – no caso, em órgãos nos quais essas substâncias costumam agir, a exemplo do útero e das mamas. “Isso ajudaria a explicar o motivo pelo qual o câncer de endométrio é o mais afetado pela obesidade”, aponta Bhaskaran. “Para ter ideia, se uma mulher de estatura mediana ganha 13 quilos, aumenta em mais de 60% o risco de ela ser diagnosticada com esse problema”, calcula.

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Outros tipinhos que merecem destaque são os de fígado e vesícula biliar – 15,6% das ocorrências do primeiro e 20,3% das do segundo decorrem de uma cintura larga. Contudo, aqui não podemos apontar o dedo apenas para o tecido adiposo. Em alta concentração, as próprias moléculas gordurosas conseguem se infiltrar nesses órgãos. “O quadro dá origem a inflamações que, com o passar dos anos, levariam ao câncer”, desvenda Costa. Como dá para perceber, apesar de a obesidade acarretar alterações sistêmicas, cada tumor se vincula com ela de um jeito distinto.

Se por um lado a obesidade patrocina neoplasias diretamente, por outro deflagra o diabete tipo 2, que também prepara o terreno para elas. “A hiperglicemia termina em muitos radicais livres no organismo”, introduz Mário Saad, endocrinologista da Unicamp. Essas moléculas atacam o DNA e, assim, podem provocar mutações cancerígenas. Como se fosse pouco, sujeitos com sangue doce não raro exibem níveis estratosféricos de insulina nos vasos, e – vale repetir – a superabundância do hormônio faz tumores crescerem.

Agora, não dá para ignorar o fato de que os quilos a mais mascaram deslizes no estilo de vida capazes de abrir as portas para o câncer. O sedentarismo, para citar um deles, ao mesmo tempo que engorda, dispara por si só inflamações ameaçadoras. “É difícil separar o impacto isolado da falta de atividade física do de altos índices de massa corporal”, reforça Bhaskaran.

O mesmo acontece ao abordarmos a nossa alimentação. Vamos tomar como exemplo as carnes vermelhas. “Além de calóricas, elas, ao ficarem na grelha por tempo demais, passam a concentrar aminas heterocíclicas”, descreve a nutricionista Rita de Cássia Castro, professora da Universidade Potiguar, em Natal. Uma vez ingeridas, essas partículas de nome complicado entram em contato com o intestino, catapultando a probabilidade de um nódulo aparecer na região. Aí que está: em um corpulento fã de churrascaria, não dá pra saber se o excesso de peso proveniente de um cardápio desregrado ou se as tais aminas heterocíclicas presentes na carne é que desencadearam um eventual câncer. E esse é só um caso. Já existem evidências de que o açúcar refinado e os embutidos, outros itens nada leves, também financiam essa chateação por caminhos mais diretos.

“Em resumo, tudo isso prova a importância de balancear a alimentação e praticar exercícios”, arremata o mastologista Gilberto Uemura, da Sociedade Brasileira de Mastologia. Seja por emagrecerem, seja por barrarem substâncias nefastas – e provavelmente pelos dois benefícios -, ambos os hábitos são indispensáveis para nos prevenirmos de cânceres.

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Se ele já deu as caras…

A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) emitiu uma declaração na qual afirma que “a obesidade está associada a um pior prognóstico após o surgimento de um tumor”. Primeiro porque aqueles estímulos constantes para as células malignas se alastrarem tornam a doença mais hostil. Segundo porque o tratamento é abalado pela gordura em demasia. “Certas cirurgias são complexas e, nos obesos, têm um risco adicional de complicações”, avisa Maluf.

Já a radioterapia seria mais tóxica do que o normal em gente acima do peso, porque a radiação precisaria atravessar mais tecidos antes de atingir seu alvo. “Pesquisas sugerem que até a hormonioterapia perderia eficiência entre esses pacientes”, complementa Maluf. Os próprios exames que servem para identificar e acompanhar a encrenca saem prejudicados. “Fica mais difícil enxergar anormalidades com o ultrassom. Isso sem contar que os aparelhos de ressonância magnética em geral não suportam mais do que 130 quilos”, ressalta Marcio Mancini, endocrinologista da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

Está claro que vale a pena buscar uma vida equilibrada (e leve) depois de receber a péssima notícia de que um câncer foi flagrado em seu organismo. “Não é que essas pessoas devam ficar paranoicas com o emagrecimento. Na fase agressiva da terapia, o foco tem que estar na recuperação”, orienta Costa. “Mas, conforme o dia a dia volta ao normal, programas de perda de peso precisam entrar em cena”, diz. Inclusive porque os sobreviventes barrigudos possuem uma maior possibilidade de padecer com um segundo tumor – algo ratificado pelo documento da Asco. E não dá pra arriscar diante de evidências tão contundentes como essas, certo?

Os magrelos também estão ameaçados?

O levantamento da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres revelou que tumores de pulmão, da cavidade bucal e de estômago não são afetados pelos quilos de sobra. Na contramão, eles acometeram gente magérrima com maior frequência. O autor Krishnan Bhaskaran, entretanto, não crê que o fato tenha a ver com a composição corporal. “Faz mais sentido pensar que esses dados decorrem do tabagismo”, opina. “Afinal, o alto consumo de maços de cigarro, que origina cânceres, está atrelado ao baixo peso”, justifica o pesquisador. A princípio, indivíduos finos sem esse vício não teriam com o que se preocupar.

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