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“Procure um médico, não a internet”, defende especialista em obesidade

Professora britânica, anunciada como VP de assuntos médicos da farmacêutica Eli Lilly, fala em exclusividade sobre os desafios e avanços diante da doença

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 22 jul 2024, 13h43 - Publicado em 22 jul 2024, 13h41
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  • O mundo vive hoje uma situação que soa paradoxal. Nunca houve tanta gente convivendo com a obesidade, ao mesmo tempo em despontam novos medicamentos que promovem, de forma inédita, expressivas perdas de peso.

    Após o anúncio do lançamento oficial do Wegovy, o primo mais potente do Ozempic destinado ao tratamento da obesidade, para o dia 1º de agosto, o próximo remédio previsto no horizonte é o Mounjaro, do laboratório americano Eli Lilly. Trata-se do primeiro duplo agonista de GLP-1 e GIP da história, o que significa que ele simula no organismo a ação de dois hormônios que estimulam a saciedade e o controle do apetite.

    A tirzepatida — seu princípio ativo — demonstrou nos estudos clínicos levar a perdas de peso superiores a 20%. Foi aprovada na Anvisa para o tratamento do diabetes tipo 2, mas também se espera a liberação para a obesidade em si – o que já aconteceu em mercados como o americano. A farmacêutica ainda não anunciou sua data oficial de desembarque nas drogarias nacionais.

    Ciente de que vive um momento único, a Lilly convocou um reforço de peso para seu time médico. A britânica Rachel Batterham, professora honorária de obesidade do University College London, foi anunciada como vice-presidente de assuntos médicos internacionais da companhia. Com décadas de experiência tratando pacientes acima do peso, a endocrinologista vem somar seu know-how científico e clínico à fase de lançamentos e desenvolvimentos da farmacêutica.

    Conversamos com exclusividade com a especialista sobre a conscientização a respeito da obesidade hoje, o potencial dos novos tratamentos, os desafios da banalização do uso e as promessas para o futuro.

    VEJA  SAÚDE:  A senhora acredita que o mundo despertou para o fato de a obesidade ser um problema de saúde?

    Rachel Batterham: Pessoas que vivem com sobrepeso ou obesidade enfrentam estigmas todos os dias de suas vidas. Passei mais de 25 anos como médica cuidando de pacientes assim. Infelizmente, a visão mais comum é a de que seu peso é, de alguma forma, sua culpa ou responsabilidade. Essas são as maiores barreiras que os impedem de ter acesso aos cuidados de saúde de que necessitam.

    A ciência é clara: a obesidade não é culpa de ninguém. É uma doença crônica e progressiva que merece a mesma atenção, financiamento e cuidados que outras doenças não transmissíveis. É uma doença com mais de 200 complicações de saúde.

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    Apesar disso, não recebe o mesmo nível de assistência, diagnóstico, cobertura de planos de saúde e cuidados de longo prazo que outras condições crônicas.

    + Leia tambémObesidade: novos remédios, velhos dilemas

    Em que medida essa nova geração de medicamentos para obesidade representa um divisor de águas em sua abordagem e tratamento?

    Há uma necessidade urgente de prevenir e tratar a obesidade. A prevenção primária é sempre importante, mas não podemos ignorar os mais de 1 bilhão de pessoas que já vivem com obesidade e precisam de apoio hoje no mundo.

    Os medicamentos para o controle da obesidade podem desempenhar um papel relevante no tratamento da doença e suas complicações, mas é fundamental que sejam usados adequadamente como parte de uma abordagem de saúde integral.

    O diagnóstico precoce, combinado com o manejo oportuno e eficaz, é capaz de prevenir a progressão da doença, reduzir a incidência de complicações e, finalmente, economizar custos na saúde.

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    Qual é o seu ponto de vista sobre o uso irrestrito e sem orientação médica dessas medicações, inclusive para fins estéticos?

    Tenho muitas preocupações em relação ao uso de medicamentos para fins estéticos ou sem os cuidados médicos adequados. Eles não são aprovados nem devem ser usados com esse propósito. A medicação é apenas uma parte da solução diante da obesidade.

    Estou orgulhosa de que a Lilly tenha tomado uma posição tão forte sobre essa questão: simplesmente não promovemos ou encorajamos o uso não aprovado de nossos medicamentos, que foram pesquisados e aprovados para o uso no tratamento de doenças.

    Mas também fico preocupada com o aumento da desinformação e a oferta de soluções rápidas para perda de peso, especialmente nas redes sociais.Isso inclui a proliferação de vendas online e postagens sobre versões manipuladas, falsificadas e não testadas dos nossos medicamentos.

    É importante que as pessoas entendam que esses produtos não são aprovados, não têm a mesma supervisão regulatória e podem representar sérios riscos à saúde, sem contar o fato de sequer terem o princípio ativo anunciado. Peço a qualquer pessoa que esteja lidando com a perda de peso para procurar um médico, e não a internet.

    Além dos agonistas de GLP-1 já no mercado, estamos aguardando no Brasil um duplo agonista, a tirzepatida, e agora há um triplo agonista da Eli Lilly em estudo. O que podemos esperar deles?

    A tirzepatida é o primeiro coagonista duplo de GIP e GLP-1 aprovado para uso clínico com resultados inéditos na redução da hemogloblina glicada [exame que sinaliza quão controlada está a glicemia] e perda de peso. Mas já temos outros medicamentos sendo estudados.

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    A retatrutida é um agonista de três hormônios – GLP-1, GIP e glucagon – e os primeiros resultados com ela mostraram uma perda de peso média de 24% em 48 semanas. Nesse estudo, o peso médio inicial dos pacientes era de 107 kg. Com a medicação, eles perderam mais de 25 quilos.

    Há quem diga que esses fármacos poderão aposentar a cirurgia bariátrica no futuro. Faz sentido?

    Muitas pessoas comparam os resultados dos novos medicamentos com a perda de peso obtida com a cirurgia bariátrica, mas tanto os remédios quanto a cirurgia têm o seu papel.

    A cirurgia bariátrica continuará sendo uma importante opção de tratamento para alguns pacientes com obesidade, enquanto a retatrutida, por exemplo, poderá ajudar a fechar a lacuna de longa data entre os tratamentos farmacológico e cirúrgico.

    Cada pessoa tem uma biologia única e é impactada de forma diferente. A obesidade não pode ser tratada com uma abordagem única. Há sempre espaço para mais tratamentos a fim de que os profissionais de saúde possam individualizar o plano terapêutico para cada paciente. Por isso devemos continuar inovando e descobrindo tratamentos com potencial.

    Ouvimos alguns médicos no Brasil dizendo que estão preocupados com o risco de que os pacientes negligenciem ainda mais as mudanças de estilo de vida para focar no tratamento farmacológico da obesidade. Concorda?

    Temos de conscientizar os profissionais de saúde e as pessoas que vivem com obesidade de que os medicamentos são apenas parte da solução.

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    Os sistemas de saúde devem promover exames que avaliem coletivamente sinais de obesidade, diabetes tipo 2 e outras condições que compartilham fatores de risco em comum. Me refiro a avaliar IMC, composição corporal, pressão arterial, níveis de glicemia e colesterol, uso de álcool e tabaco…

    É preciso pensar numa abordagem verdadeiramente integrada que garanta uma avaliação e gestão da saúde mais abrangente, tratando a pessoa como um todo, e não somente a doença mais óbvia. Exames de baixo custo seriam uma maneira rápida e econômica de melhorar o diagnóstico precoce e os resultados do tratamento.

    +Leia tambémVocê tem obesidade? Conheça o novo cálculo que complementa o IMC

    Alguns estudos estão indicando que, quando os pacientes param de usar esses novos medicamentos, eles tendem a ganhar peso novamente. O que isso implica?

    A obesidade é uma doença crônica que requer tratamentos eficazes e de longo prazo, assim como qualquer outra condição crônica. Mas  o que vemos é que a obesidade é muitas vezes percebida como uma escolha de vida, algo que as pessoas podem resolver sozinhas.

    Por décadas, dieta e exercícios têm prescritos como abordagem para o controle de peso. Mas, ao tentar emagrecer dessa forma, muitos pacientes se sentem travados ou presos a um ciclo de perda e reganho de peso, o famoso efeito sanfona.

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    Medicamentos para outras doenças crônicas, como asma ou artrite, são parte de um regime de tratamento contínuo que ajuda as pessoas a gerenciar sua condição. As pessoas que vivem com obesidade merecem os mesmos cuidados holísticos e de longo prazo, incluindo a possibilidade de ter acesso a medicações juntamente com a orientação para adotar uma dieta saudável e exercícios físicos.

    Além da tirzepatida e da retatrutida, que outra solução do portfólio de estudos de vocês a senhora destacaria?

    Outro tratamento promissor que é resultado do nosso constante investimento em pesquisa é o orforglipron, um agonista oral do GLP-1.

    De acordo com um ensaio clínico de fase 2 envolvendo pessoas com obesidade, publicado no The New England Journal of Medicine, os pacientes perderam 15% do peso inicial em 36 semanas.

    São números relevantes para um medicamento que pode ser um recurso interessante a quem não se adapta aos medicamentos injetáveis.

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    Considerando o peso da obesidade e do seu tratamento nas contas do sistema de saúde, como estão trabalhando para expandir o arsenal terapêutico e torná-lo acessível aos pacientes?

    Na Lilly, estamos comprometidos com pesquisas que nos ajudem a entender melhor a relação entre nosso portfólio de medicamentos para o gerenciamento da obesidade com os impactos econômicos e custos relacionados à saúde. .

    Isso nos ajudará a entender melhor a obesidade, que tem um impacto profundo e ainda pouco compreendido na saúde pública. Além disso, também contribuirá com a perspectiva econômica, ajudando os sistemas de saúde a entender melhor onde e como essas abordagens agregam valor.

    Estamos investindo 27% de nossa receita em pesquisa de novos medicamentos e mais de 40% disso é destinado à área da saúde cardiometabólica. Só no Brasil temos 12 ensaios clínicos com três moléculas potenciais para tratar a obesidade, e eles envolvem quase 4 mil pacientes inscritos.

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