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O retorno das vacinas monovalentes contra a Covid-19

Após campanhas de vacinação com doses bivalentes, que focam em duas cepas do coronavírus, as monovalentes voltam a ganhar espaço. Explicamos o porquê

Por Lucas Rocha
Atualizado em 11 jan 2024, 15h20 - Publicado em 10 jan 2024, 11h43
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  • Ao longo da pandemia de Covid-19, a constante evolução do coronavírus impôs desafios no desenvolvimento de vacinas que permanecessem eficazes. Ainda em 2020, os primeiros imunizantes criados para prevenir complicações e morte pela doença utilizavam como base a cepa original do vírus, identificada em Wuhan, na China.

    Diante de novas variantes, farmacêuticas formularam vacinas atualizadas, que protegiam justamente contra a linhagem de maior circulação pelo mundo. Eis que, com novas versões virais ganhando espaço, surgiram também as vacinas bivalentes, que continham duas cepas diferentes: a original e subvariantes da Ômicron.

    As doses da vacina da Pfizer, por exemplo, contam com duas fórmulas que seguem essa regra. No Brasil, elas foram aprovadas como doses de reforço para a população acima de 18 anos.

    No entanto, as mais recentes aprovações de vacinas e recomendações de instituições de peso apontam para um rumo diferente: o retorno das monovalentes – desta vez, atualizadas.

    + Leia também: Pesquisa revela quais os principais medos ligados ao coronavírus

    Caminho inverso?

    A tendência de priorização de vacinas monovalentes teve início ainda em 2023. Em junho, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, em inglês) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) publicaram uma declaração conjunta recomendando a atualização das doses para versões monovalentes que contemplassem apenas a variante XBB, derivada da Ômicron.

    Três meses depois, os Estados Unidos seguiram trajeto semelhante, quando a Food and Drug Administration, agência regulatória do país, liberou o mesmo tipo de imunizante por lá.

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    Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma atualização de vacina monovalente da Pfizer com a variante XBB 1.5 aqui no Brasil. Com a autorização, ela pode ser incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), a critério do Ministério da Saúde.

    Consultamos a pasta sobre a previsão de entrada desse imunizante no setor público. Em nota, o ministério informou que o processo de aquisição da vacina monovalente foi iniciado a partir da aprovação da Anvisa e encontra-se em andamento.

    “Em relação à vacina contra a Covid-19 a ser utilizada em 2024, dada a evolução atual do SARS-CoV-2 e a amplitude das respostas imunológicas demonstradas pelas vacinas monovalentes XBB.1.5 contra variantes circulantes, a pasta irá incorporar as vacinas monovalentes atualizadas para a cepa XBB.1 para a vacinação da população elegível”, destacou o ministério.

    Pesquisadores avaliam que o Brasil deve caminhar de acordo com a tendência global na adesão de vacinas monovalentes. “Há uma recomendação da Câmara Técnica de que o PNI, embora tenha doses bivalentes para completar o esquema, faça as próximas aquisições de vacinas monovalentes”, afirma Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

    No final de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) entrou na discussão e divulgou um documento sobre a composição das doses, reforçando que vacinas contendo apenas a variante XBB.1.5 do coronavírus provocam respostas de anticorpos neutralizantes amplamente reativas contra os vírus em circulação.

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    Por isso, um orgão consultivo da instituição recomendou que os países mantenham somente essa variante como base para os imunizantes. A equipe se reúne semestralmente para emitir o parecer sobre a “receita” das doses contra a Covid-19.

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    Vacina bivalente da Pfizer contra a Covid-19 (Foto: Pfizer/Divulgação)

    Por que apostar nas vacinas monovalentes contra a Covid-19

    É fundamental destacar que tanto as doses monovalentes como as bivalentes são benéficas. Elas estimulam sistema imunológico a produzir anticorpos protetores e células de defesa contra o coronavírus, e comprovadamente salvaram milhares de vidas.

    Em outras palavras, independentemente de se concentrarem em uma ou duas cepas, é importante tomar a vacina ou dose de reforço que estiver disponível para a sua faixa de idade ou condição de saúde.

    + Leia também: OMS endurece recomendação contra ivermectina em diretriz sobre Covid-19

    Mas, para entender essa tendência de agora investir nas monovalentes, é importante dar um passo atrás.

    O objetivo do reforço com a vacina bivalente no passado foi o de expandir a resposta imune à variante Ômicron sem abrir mão da cepa original, que ainda circulava (ou possuía “primas próximas” na ativa).

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    “Quando decidimos pelas bivalentes, os estudos mostravam que, para a situação daquele momento, fazer uma vacina que combinava o vírus original com a Ômicron traria um resultado um pouco melhor do que simplesmente a vacina Ômicron monovalente”, afirma Kfouri. “Por isso, o mundo optou por utilizá-las em substituição às vacinas da cepa ancestral monovalente, mantendo-a na sua formulação”, acrescenta.

    Só que o cenário mudou, assim como o acúmulo de evidências científicas. Um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine, por exemplo, avaliou pessoas que receberam três doses de vacinas monovalentes com a cepa original de Wuhan, seguidas de uma dose de reforço de uma versão bivalente com variantes da Ômicron.

    Esse grupo foi comparado a indivíduos que receberam três ou quatro doses de vacinas monovalentes originais. Resultado: não houve uma resposta de anticorpos neutralizantes significativamente superior da primeira turma, que recebeu a bivalente.

    “Na prática, os dados de efetividade, de mundo real, mostraram que as aplicações de imunizantes bivalentes não se traduziram em uma proteção superior com relação à monovalente”, afirma Kfouri.

    Mas reforçamos: as novas monovalentes contra a Covid-19 que estão chegando são produzidas com as cepas atuais do Sars-CoV-2, que estão em maior circulação no momento.

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    + Leia também: Virologistas: o que fazem? Onde vivem? O que comem?

    “Pecado antigênico original”

    Outra explicação para a preferência por vacinas monovalentes tem como base estudos em imunologia.

    A pesquisadora Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica como funciona um fenômeno chamado “pecado antigênico original” associado à resposta imune do organismo à vacinação.

    “Não é um pecado nenhum na verdade. Mas, quando a vacina oferece a cepa original e a variante nova ao mesmo tempo, e se o organismo da pessoa já tem uma memória imunológica para a original [seja por infecção ou vacinação prévia], o seu corpo tende a gerar uma proteção maior para a original, em comparação com a nova”, explica Cristina.

    Em resumo, ao receber uma dose de reforço bivalente, o organismo pode priorizar a indução de uma resposta imunológica mais robusta contra a cepa original, com a qual a população foi previamente imunizada.

    “Então, se o objetivo fosse criar uma resposta para a nova variante, a vacina deveria ser monovalente desde o início ou bivalente no sentido de ter duas outras variantes que não a original”, pontua Cristina.

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    A imunologista, que atua como consultora da Anvisa, pondera que a imunização bivalente foi muito relevante. No entanto, como perspectivas de incorporação de novas doses no PNI, ela recomenda a priorização de monovalentes atualizadas.

    “A vacina bivalente com a cepa original não faz mal nenhum. Pelo contrário, é muito boa”, reforça a imunologista. É que, especialmente com as vacina de RNA mensageiro, dá para fazer atualizações das cepas com relativa facilidade e velocidade. Então vale a pena atualizar as doses com as novas cepas.

    Teoricamente, se surgir um cenário em que duas cepas significativamente diferentes circulem em paralelo, é possível inclusive retomar a tendência das bivalentes.

    Até o momento, mais de 32 milhões doses bivalentes foram aplicadas no Brasil. O dado representa uma cobertura vacinal de 16,1%, de acordo com o Ministério da Saúde.

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