A variedade das manifestações da Covid-19 — com sintomas leve para alguns pacientes e complicações agressivas em outros — ainda suscita dúvidas entre os médicos. Afinal, quem está em maior risco de parar na UTI por causa do coronavírus (Sars-CoV-2)? Além dos grupos de risco mais conhecidos, um estudo europeu iniciou um debate sobre o possível papel do tipo sanguíneo no agravamento do problema.
Os pesquisadores publicaram seus achados no prestigiado periódico The New England Journal of Medicine. Eles analisaram os genes de cerca de 4 mil pessoas. Entre elas, havia indivíduos com sinais graves, moderados ou leves da Covid-19, além de um pessoal livre da infecção.
A ideia era encontrar alterações genéticas comuns aos casos mais sérios. De fato, os experts detectaram mutações semelhantes em seis genes do cromossomo 3, uma parte do DNA responsável pela imunidade e com papel na resposta inflamatória, que pode ser exacerbada na Covid-19.
Entretanto, a descoberta mais curiosa envolveu os genes que determinam o tipo sanguíneo. Ora, os portadores do tipo A apresentavam um risco 45% maior de desenvolverem quadros mais graves. Em quem possuía o tipo O, o efeito foi oposto — o perigo caiu 35%. Eles são os mais frequentes na população.
O fator Rh, que determina aquele sinal de positivo ou negativo do tipo sanguíneo, não foi avaliado.
Meu tipo sanguíneo é A, e agora?
“O estudo apenas indica que pode haver uma associação entre duas coisas. Ele não mostra uma relação direta de causa e efeito”, aponta João Prats, infectologista e consultor da oncohematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A pesquisa não avaliou, por exemplo, outros fatores de risco para complicações da Covid-19, como tabagismo, hipertensão e diabetes. E isso poderia interferir nos resultados.
No mais, uma possível elevação no risco de casos severos não significa que todo sujeito com tipo sanguíneo A vai parar na UTI caso pegue o coronavírus. Nem que detentores do tipo O podem sair por aí despreocupados.
A relação entre tipo sanguíneo e saúde é investigada há tempos. Muita coisa já foi dita sobre o tema, embora o grau de evidência ainda deixe a desejar.
“Pesquisas mostram, por exemplo, que o tipo O oferece alguma proteção contra problemas cardíacos”, comenta Prats. Outros experimentos sugerem que indivíduos no grupo A estão ligeiramente protegidos da cólera e do norovírus, causador de úlceras gástricas, enquanto os do grupo O parecem mais vulneráveis aos ataques da H. pylori, ligada aos tumores no estômago.
Aliás, um membro da família dos coronavírus já entrou nessa linha de pesquisas. Como destacam os autores do estudo europeu, tal relação foi observada no Sars-CoV-1, por trás de uma epidemia em 2002.
Recentemente, outro trabalho chinês ligou o grupo A a uma maior vulnerabilidade aos ataques do Sars-Cov-2. Esse artigo, no entanto, ainda não foi publicado em uma revista científica — o que significa que não foi avaliado criteriosamente por outros especialistas.
Por que um tipo sanguíneo pode tornar os sintomas do coronavírus mais graves?
O que determina o tipo sanguíneo são proteínas que revestem as hemácias, os glóbulos vermelhos do sangue. “Todas essas proteínas são criadas a partir de uma parte de DNA”, explica Prats.
Só que esse mesmo trecho do código genético determina está envolvido com outros fatores do organismo. Ou seja, embora seja possível que o novo coronavírus tenha alguma predileção por proteínas específicas do tipo sanguíneo A, existe também a hipótese de outras características presentes nessa porção do DNA estarem por trás de uma maior suscetibilidade à Covid-19. Nesse cenário hipotético, o problema não seria o sangue em si, mas sim o código genético que o define.
“O tipo sanguíneo é um marcador do perfil de DNA que você herdou. E ele pode conter alguma alteração que determine sua resposta inflamatória”, exemplifica Prats. Mais estudos deverão esclarecer a real influência do tipo sanguíneo no aparecimento de doenças, em especial na infecção do novo coronavírus.