Clique e Assine VEJA SAÚDE por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

O que é a acupuntura e para que ela serve?

Técnica da medicina chinesa é usada principalmente para tratar dores crônicas, mas OMS ressalta que falta padronização para avaliar o método

Por Larissa Beani
Atualizado em 20 jul 2023, 11h49 - Publicado em 19 jul 2023, 11h50
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Praticada há pelo menos 2,5 mil anos e presente em mais de 180 países, a acupuntura é uma popular técnica da medicina chinesa usada principalmente no tratamento de dores crônicas.

    Nas últimas décadas, também tem sido cada vez mais utilizada em consultórios e hospitais como complemento ao controle de uma série de outros sintomas e problemas de saúde.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, ressalta que faltam métodos padronizados para investigar e garantir a eficácia e a segurança da acupuntura à população.

    A seguir, entenda o que é a acupuntura, como sua prática se expandiu e para que ela pode ser usada hoje em dia.

    + Leia também: Tratamentos alternativos: fique atento aos riscos

    No que se baseia a acupuntura?

    A acupuntura é uma técnica derivada da crença no “qi” (ou “ch’i”). De origem chinesa, o conceito descreve uma espécie de força, cujo equilíbrio e atividade contínuos seriam responsáveis pela manutenção da vitalidade.

    “É comum que as pessoas falem em energia, mas essa é uma tradução imprecisa vinda da França. O ‘qi’ é um nome próprio da cultura chinesa, ele não deve ser traduzido”, explica André Tsai, ortopedista e acupunturista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP).

    Segundo a tradição chinesa, o “qi” é distribuído pelo corpo através de canais (chamados meridianos) e pontos ligados a órgãos vitais. Nessa perspectiva, o adoecimento seria a manifestação da disfunção dos órgãos provocada pelo desequilíbrio do “qi.”

    Continua após a publicidade

    Para restabelecer a saúde do indivíduo, então, seria necessário estimular os pontos ligados ao meridiano do órgão afetado. No caso da acupuntura, as agulhas são as ferramentas utilizadas para isso, mas outras técnicas podem recorrer a ervas ou massagens.

    Os tais meridianos, contudo, nunca foram demonstrados em estudos científicos. Nesse sentido, as evidências baseadas em estudos sobre a acupuntura são controversas e ainda alvo de muito debate.

    + Leia também: Vídeos mostram como salvar vítimas do AVC com uma agulha. Mas são fake!

    Acupuntura como tratamento

    Não há evidências científicas da existência do “qi”, dos meridianos ou dos pontos em si da acupuntura. Na verdade, não há nem mesmo um consenso entre as diferentes escolas da técnica sobre onde estariam localizados esses marcos espalhados pelo corpo.

    Portanto, hoje é reconhecido que a acupuntura não é uma panaceia, ou seja, não é capaz de tratar toda e qualquer doença apenas com o estímulo das agulhas.

    Ainda assim, a prática avançou pelo Ocidente e é largamente utilizada inclusive em hospitais públicos e privados.

    Continua após a publicidade

    Indicações da acupuntura

    Em estudos clínicos, a acupuntura já demonstrou ter efeito analgésico e relaxante em pacientes que enfrentam condições relacionadas a dores crônicas.

    Segundo uma meta-análise publicada em 2018 no periódico The Journal of Pain, a técnica apresenta um “efeito clinicamente relevante na dor crônica, que persiste ao longo do tempo”. O estudo analisou dados de quase 21 mil pessoas que participaram de 39 ensaios sobre o uso da técnica para alívio da dor.

    Outra pesquisa, publicada no British Medical Journal Open no mesmo ano, examinou 111 revisões sistemáticas sobre o uso de várias técnicas complementares e integrativas para o tratamento de condições musculoesqueléticas e de saúde mental.

    A revisão atestou que a acupuntura pode ter eficácia para tratar dores musculoesqueléticas, articulares e da coluna vertebral, além de fibromialgia.

    Em relação à saúde mental, porém, conclui-se que não há evidências suficientes para o tratamento de problemas como ansiedade, depressão ou distúrbios do sono.

    Continua após a publicidade

    “A acupuntura pode ser uma ferramenta no tratamento de algumas condições dolorosas crônicas. Ela tem um efeito já comprovado em vários estudos, e costuma servir como tratamento adjuvante, complementar a outras abordagens”, afirma o neurologista Rogério Adas Ayres de Oliveira, vice-diretor do Departamento Científico de Dor da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

    O ponto é que alguns desses trabalhos, como mostraremos mais abaixo, sofrem com falhas metodológicas e desafios que atrapalham a execução das pesquisas na melhor qualidade possível, como a dificuldade em comparar com um placebo.

    Essas questões são examinadas, em tom cético e crítico, no livro Que Bobagem! – Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, recém-publicado pela bióloga Natalia Pasternak e o jornalista científico Carlos Orsi pela editora Contexto.

    Polêmicas à parte, alguns especialistas dizem haver uma explicação fisiológica para o efeito positivo descrito em artigos. Segundo Adas, que não pratica acupuntura, as agulhadas estimulam terminações nervosas livres nos tecidos que podem induzir ações analgésicas no sistema nervoso central.

    Por isso, a punção pode gerar a liberação de substâncias como encefalinas e endorfinas, que são neurotransmissores conhecidos por atuar no alívio da dor e no relaxamento muscular.

    Continua após a publicidade

    + Leia também: Acupuntura pode aliviar as dores do câncer, segundo revisão de estudos

    Mas não é qualquer tipo de dor que pode responder ao tratamento com acupuntura. “Ela pode ser uma ferramenta útil sobretudo aos pacientes com dores musculoesqueléticas, miofasciais e nociplásticas [condições em que não há lesões detectadas, como fibromialgia, cefaleias tensionais e enxaqueca]“, exemplifica Adas.

    “Indivíduos com dor neuropática [causada pelo comprometimento dos nervos] habitualmente não respondem a acupuntura, pois a técnica depende da integridade das vias do sistema nervoso para funcionar”, completa.

    É importante ressaltar o caráter complementar da prática, que não dispensa abordagens médicas convencionais necessárias ao tratamento de cada pessoa.

    “Ela não descarta a necessidade do uso de medicações, internações e cirurgias para casos graves”, afirma Tsai, que também é presidente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e do Comitê de Dor da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).

    Origem e expansão da acupuntura

    A acupuntura é uma técnica com pelo menos 2,5 mil anos de história — algumas fontes estimam que ela tenha sido criada 4 mil anos atrás.

    Continua após a publicidade

    Segundo artigo publicado em 2014 no periódico Global Advances in Integrative Medicine and Health, o primeiro registro de que a prática sistematizava uma série de procedimentos diagnósticos e de tratamentos remonta ao ano 100 a.C.

    Já o primeiro documento com descrições da acupuntura na Europa teria sido escrito séculos mais tarde, ao redor dos anos 1680, pelo médico holandês Willem ten Rhijne. Membro da Companhia Holandesa das Índias Orientais, ele teria conhecido a técnica durante sua passagem pelo Japão.

    + Leia também: Depressão: dá para apostar em terapias complementares?

    Em 1810, foi a vez dos primeiros imigrantes chineses aportarem no Rio de Janeiro e trazerem para o Brasil os conhecimentos de sua medicina tradicional. Um século mais tarde, japoneses a bordo do Kasato Maru também contribuíram para o estabelecimento da prática no Brasil.

    Na China do século 20, o governo ditatorial de Mao Zedong foi responsável por ampliar a prática ao enaltecer conhecimentos tradicionais e conservadores do país. Para historiadores, isso também teria acontecido como maneira de garantir que Mao se perpetuasse no poder. 

    A acupuntura, bem como outras técnicas antigas, passaram a ser integradas às práticas médicas modernas e convencionais já empregadas lá.

    Uma ocasião que tornou bastante evidente esse encontro entre o tradicional e o contemporâneo foi a ida de um jornalista do The New York Times ao país asiático.

    Ele se submeteu à acupuntura para aliviar dores depois de uma cirurgia. Ao sentir melhora, publicou um artigo no jornal sobre o assunto, o que ajudou a popularizar a prática no Ocidente. 

    Embate com a ciência

    A acupuntura está cada vez mais disseminada na medicina contemporânea como tratamento complementar e alternativo. Algumas dificuldades para avaliar e respaldar o conhecimento tradicional sob o viés científico, porém, permanecem. 

    A falta de padronização dos procedimentos, por conta das diversas formas de praticar acupuntura, é um dos principais desafios para estudar a técnica e avaliar sua eficácia e segurança. Outra questão é a dificuldade de compará-la com um placebo, já que exige as agulhadas. 

    + Leia também: Como uma dor se torna crônica?

    Para resolver a questão dos pontos de aplicação divergentes entre as diferentes vertentes da acupuntura, o Escritório Regional do Pacífico Ocidental da OMS criou em 2008 uma proposta de padronização desses locais com bases em discussões realizadas ao longo de 11 encontros com especialistas.

    Em 2021, porém, a entidade voltou a publicar um documento chamando a atenção para a falta de sistematização da prática. Ao todo, 196 especialistas de 59 países contribuíram para o relatório.

    “Com o aumento do uso da acupuntura em ambientes clínicos em todo o mundo, há uma necessidade urgente de desenvolver referências para a prática da acupuntura para garantir sua segurança, qualidade e eficácia”, argumenta o texto.

    Acupuntura no Brasil

    Trazida ao país por imigrantes chineses e japoneses, a acupuntura foi praticada majoritariamente por leigos ao longo de muitas décadas até que, em 1995, foi reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

    Antes disso, em 1988, ela já havia sido implantada no então chamado Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS, antecessor do SUS).

    Em 2006, a acupuntura passou a integrar a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), pela qual são realizadas aproximadamente meio milhão de sessões por ano, segundo relatório do Ministério da Saúde.

    Atualmente, está sob discussão em audiências públicas o projeto de lei que regulamenta a prática de acupuntura (PL 5983/2019) e busca determinar quais profissionais estão aptos a praticá-la.

    Por ser uma especialidade médica, a classe defende que, apesar de profissionais de diversas áreas da saúde estudarem e exercerem a técnica, apenas médicos, médicos-veterinários e cirurgiões-dentistas tem a formação necessária para formular o tratamento.

    + Leia também: Estudo revela motivos da dor neuropática e favorece a busca por tratamento

    Em 2021, ficou conhecido um caso em que uma jovem empresária teve seu pulmão perfurado durante uma sessão de acupuntura feita por uma massoterapeuta em Mato Grosso.

    A mulher sentiu muita dor durante o procedimento e seguiu com o incômodo e falta de ar ao chegar em casa. Procurou atendimento hospitalar e foi submetida a uma cirurgia de emergência.

    Só no Brasil, 4,3 mil médicos são acupunturistas, superando o número de especialistas em áreas como pneumologia, reumatologia e geriatria, segundo relatório de Demografia Médica no Brasil divulgado neste ano.

    De acordo com a Federação dos Acupunturistas do Brasil (FENAB), estima-se que 160 mil pessoas sem formação médica pratiquem a técnica.

    Compartilhe essa matéria via:
    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 9,90/mês*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 14,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.