Pergunte a um cardiologista qual seria a parte mais nobre do corpo humano. Resposta fácil: coração. Questione o neurologista: cérebro. Nefrologista: rins. Endocrinologista: o pâncreas e outras glândulas e seus hormônios. E assim sucessivamente. É natural termos viés e preferência para exaltarmos nosso campo de interesse pessoal ou profissional.
A nutricionista valorizará a alimentação; o profissional de educação física, os exercícios; o psicólogo, a mente. Até os cientistas sofrem dessa tendência ao formular seus experimentos em busca de validar uma tese — daí a importância de o trabalho ser revisado por outros cientistas.
Nessa lógica, para o hepatologista, não há órgão mais vital que o fígado. De fato, ele é vital, no sentido de que, sem ele, não sobreviveríamos. No entanto, este é apenas um exercício para refletir que, nesse mundo onde tudo é relativo e potencialmente importante, há espaço para os mais diversos tecidos, estruturas e sistemas que compõem o organismo humano — e, por que não, o planeta.
Ponderação feita, cabe dizer que, nos últimos anos, esse mesmíssimo fígado passou a protagonizar o debate. A ponto de novas especialidades passarem a se debruçar também no dito-cujo. Se infectologistas já faziam isso em nome das hepatites virais, agora endócrinos, cardiologistas e companhia passam a olhar para ele com outros olhos. E todos nós deveríamos seguir o exemplo.
O motivo principal é um problema cada vez mais corriqueiro por aí: a gordura no fígado. Falando assim, parece até que simplesmente esse pedaço alojado à direita no abdômen está inflado demais e nada de ruim vai acontecer.
Ledo engano: o inflado pode virar inflamado, e as portas se abrem para uma série de transformações capazes de culminar na destruição de uma organização de células responsável por cerca de 500 funções no corpo humano. Tem motivos de sobra para não deixar a Companhia Hepática Ltda. ir à falência.
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No longo prazo, a gordura no fígado está conectada com algumas das principais chagas de saúde pública no mundo: obesidade, doença cardiovascular, diabetes, cirrose e câncer. Daí a sugestão de uma reportagem especial vinda do médico Carlos Eduardo Barra Couri, um endócrino antenado no que os colegas hepatologistas vêm discutindo.
Ele assina com a gente a matéria de capa da edição, que ganha ares de campanha para alertar os cidadãos (e os profissionais de saúde) sobre a necessidade de examinar mais o fígado e, se preciso, emagrecê-lo a tempo.
Do contrário, e isso é unânime: não há corpo que aguente.