O exame confiável que diagnostica a presença do coronavírus pela saliva
Novo teste, que usa a técnica RT-LAMP, tem boa eficácia e está disponível no Brasil. Ele detecta o coronavírus em si e pode ajudar no rastreamento
Desde junho, está disponível um teste para diagnosticar a presença do coronavírus (Sars-CoV-2) no corpo através da coleta de saliva humana. Mais barato e com eficácia similar ao do famoso exame de RT-PCR (aquele feito com o cotonete na garganta e no nariz), o novo método pode se tornar uma opção viável para o diagnóstico em massa de casos de Covid-19, inclusive os assintomáticos.
Por enquanto, só o laboratório Mendelics está comercializando o exame no Brasil. Mas outras instituições, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), já trabalham em suas próprias versões.
Assim como no RT-PCR, a técnica, chamada de RT-LAMP, verifica se o próprio vírus está circulando pelo organismo. Isso é diferente dos testes sorológicos, que medem a quantidade de anticorpos produzidos contra o Sars-CoV-2 e que são indicados para verificar quantas pessoas já entraram em contato com o vírus em algum momento (não para o diagnóstico precoce da doença).
O RT-LAMP analisa o material genético do vírus nas células humanas, porém de uma maneira mais simples e rápida do que o RT-PCR. O resultado final pode chegar ao indivíduo em três horas.
“Além disso, as enzimas utilizadas como reagentes não precisam ser aquecidas em alta temperatura. E, durante a própria reação, já se sabe se o resultado é negativo ou positivo, sem necessidade de análises posteriores, como ocorre no PCR”, explica o virologista Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Trocando em miúdos, o método simplifica etapas e possibilita uma coleta menos desconfortável, sem perder confiabilidade, segundo os estudos disponíveis.
Contudo, os exames de RT-LAMP não vieram para substituir os de RT-PCR, como você verá mais adiante.
A técnica RT-LAMP, aplicada na Covid-19
Não vamos fingir que é fácil explicar. O teste induz a transcriptase reversa — processo em que o RNA do vírus é convertido em DNA nas células humanas. Então, faz milhões de cópias dessas fitas de DNA para flagrar a presença do material genético do intruso. “Ao fazer a replicação, o código genético do coronavírus, que pode ser difícil de detectar, fica mais exposto”, revela David Schlesinger, médico e CEO da Mendelics.
No PCR, isso também acontece, mas antes é preciso “abrir” as fitas de DNA e fazer a investigação de uma maneira linear.
Tecnicalidades a parte, esse procedimento não existe apenas para a Covid-19. Ele é bem estabelecido para testagens populacionais e já foi usado contra dengue, zika e HIV. Justamente porque, com os processos simplificados, o custo tende a cair. A USP calcula uma redução de 30% em relação ao valor do RT-PCR, e a Mendelics o oferece com valores a partir de R para empresas.
Há ainda vantagens práticas, como a possibilidade de fazer autocoleta e obter amostras melhores. A saliva, afinal, é mais abundante do que a secreção nasal, e parece ter papel chave na disseminação da Covid-19.
“O RT-LAMP mede a presença do vírus na saliva, uma secreção que demonstra, nos estudos, ser a mais relevante para a transmissão da doença”, afirma Schlesinger.
Um exame complementar, não substitutivo
Em pesquisas realizadas com apoio do Hospital Sírio-Libanês (SP), a Mendelics atingiu uma especificidade de quase 100%. “Na prática, isto significa que não tivemos nenhum falso positivo”, destaca Schlesinger. Ou seja, quando o exame diz que o coronavírus invadiu o corpo, é quase certo que isso ocorreu mesmo.
Já a sensibilidade, que é a porcentagem do total de positivos flagrados pelo RT-LAMP, ficou em 80%. Portanto, 20% das pessoas realmente infectadas com o Sars-CoV-2 passariam batidas pelo RT-LAMP, segundo o estudo. A sensibilidade do RT-PCR fica na casa dos 86% — um tantinho mais precisa, portanto.
Apesar dos exames serem usados par fins semelhantes, a expectativa é o que RT-LAMP não substitua o teste com o swab nasal. Ele atuaria de forma complementar, principalmente na população que deve fazer testes em massa e de maneira recorrente (como em empresas ou hospitais). Ele pega mesmo os indivíduos assintomáticos que transmitem o vírus.
“Uma limitação do exame é não conseguir calcular exatamente a carga viral do indivíduo, mas ele pode ajudar muito para processos de rastreamento”, diz Spilki. “Qualquer método que facilite a testagem e o rastreamento de contatos, que não é feito adequadamente agora, é bem-vinda”, completa.
Outro problema envolve os insumos necessários para fazer o RT-LAMP. No caso do RT-PCR, houve uma escassez que dificultou o acesso ao exame. Apesar dos reagentes do teste da saliva não estarem em falta no mercado, eles são importados e respondem por boa parte do custo.
Mas isso pode mudar em breve. Recentemente, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, anunciou uma parceria com a Mendelics para produzir as enzimas necessárias e aperfeiçoar o teste em seu Centro de Química Medicinal.