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Novos remédios para Alzheimer trazem avanços, mas têm limitações

Anticorpos monoclonais conduzem a medicina a caminhos promissores contra a doença, mas é preciso ajustar expectativas sobre seus benefícios

Por Lucas Rocha
Atualizado em 30 jul 2024, 11h49 - Publicado em 22 jul 2024, 09h22
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  • Ao longo das décadas, a ciência tem travado uma batalha ferrenha contra o Alzheimer, sem muito sucesso. O desenvolvimento da doença ainda não é totalmente compreendido, e não há um meio conhecido de revertê-la.

    Nos últimos anos, contudo, essa história ganhou novos contornos com o lançamento de medicações de última geração.

    No início de julho, os Estados Unidos aprovaram a utilização de mais um anticorpo monoclonal contra o tipo de demência mais comum na terceira idade. Anúncios como este chamam a atenção do mundo, principalmente de quem convive de perto com a condição e aguarda com esperança um remédio eficaz e, quem sabe, a cura.

    Embora os resultados dos estudos clínicos sejam promissores, experts em neurologia ponderam que as novidades no mercado devem ser encaradas com precaução.

    “O desenvolvimento de novos medicamentos para o Alzheimer é uma notícia empolgante, pois estamos falando de uma doença relativamente comum, grave e para a qual não havia tratamentos realmente eficazes”, destaca o médico neurocirurgião Marcelo Valadares, pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    “No entanto, é preciso cautela, pois, assim como todo novo tratamento, são necessários novos estudos, em que os pacientes sejam acompanhados por muitos anos, para apontar a real eficácia e a segurança no uso dessas drogas”, acrescenta.

    + Leia também: May-Britt Moser: a vencedora do Prêmio Nobel que investiga a memória

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    Medicamento tem o donanemab como princípio ativo (Eli Lilly/Divulgação)
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    Aducanumabe, lecanemabe e donanemabe

    Nos últimos anos, três medicamentos para Alzheimer receberam aval da Food and Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos semelhante à Anvisa.

    Todos são anticorpos monoclonais, uma categoria inovadora da medicina que opera sob um esquema “chave-fechadura”: trata-se de uma molécula semelhante a um anticorpo desenhada para se ligar a alvos específicos no corpo. Nesse caso, o objetivo de eliminar os aglomerados de beta-amiloide, uma das proteínas que se acumula no cérebro de quem tem a doença.

    O primeiro composto desse gênero recebeu sinal verde em 2021: o aducanumabe, de nome comercial Aduhelm, produzido pela norte-americana Biogen.

    Porém, os resultados dos estudos divulgados foram alvo de controvérsias. A aprovação pela FDA chegou a ser contestada por associações como o Grupo de Pesquisa em Saúde Pública para os Cidadãos. E, no início desse ano, a Biogen anunciou a descontinuidade do produto.

    A empresa também é detentora do lecanemabe, ou Leqembi, liberado nos EUA em 2023, e em Israel, China e Hong Kong.

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    O ensaio clínico apresentado à FDA reuniu quase 1,8 mil pacientes e demonstrou reduzir os danos ocasionados pela doença no prazo de avaliação de 18 meses. A terapia é indicada para pacientes adultos com comprometimento cognitivo ou estágio de demência leves.

    Na esteira dos avanços científicos, chegamos à mais recente promessa: o donanemabe, com nome comercial de Kisunla, produzido pela Eli Lilly. A medicação é administrada por infusão na veia a cada quatro semanas, com a mesma indicação de uso do lecanemabe.

    A eficácia do fármaco foi avaliada em um estudo com a participação de pouco mais de 1,7 mil indivíduos com diagnóstico confirmado e estágio de demência leve.

    Os voluntários foram divididos em dois grupos. Metade recebeu o medicamento em duas dosagens diferentes, ao longo de 72 semanas. A outra parte tomou placebo, substância sem qualquer efeito no organismo, para fins de comparação.

    Nesse período, que totalizou 18 meses, o ritmo de declínio cognitivo foi reduzido em 35%, em média. No início da análise, a população avaliada tinha uma idade média de 73 anos, com uma variação de 59 a 86 anos. A pesquisa descreve que 57% eram mulheres, 91% eram brancos, 6% eram asiáticos, 4% eram hispânicos ou latinos e 2% eram negros ou afro-americanos.

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    O que esperar dos novos medicamentos?

    Naturalmente, a aprovação de novos medicamentos para retardar a progressão do Alzheimer chama atenção e as promessas de benefícios mexem com os ânimos, principalmente de famílias que passam por momentos difíceis no cuidado dos pacientes.

    Mas, como adiantamos no início da reportagem, os neurologistas pedem cautela. Os mecanismos associados ao surgimento do Alzheimer são complexos. As alterações cerebrais podem começar 20 anos antes do início da manifestação dos primeiros indícios e se desenvolvem de maneira lenta e gradual.

    “Do ponto de vista teórico, os novos remédios buscam quebrar e retirar proteína beta-amiloide. Só que a primeira limitação é justamente essa: a medicação não funciona em fases moderadas e avançadas da doença, porque o paciente já vai ter muita perda neuronal e o fármaco não restitui o que foi perdido”, afirma o neurologista Raphael Ribeiro Spera, médico-assistente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

    Nesse contexto, o desafio é identificar o agravo em fases iniciais, onde as medicações funcionariam melhor, o que pode ser um desafio em muitos casos. Além disso, nem sempre as mudanças no cérebro se traduzirão em doença ativa.

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    Um estudo do Instituto Holandês de Neurociências, publicado no periódico Acta Neuropathologica Communications, aponta que algumas pessoas com alterações no cérebro causadas pela doença podem não apresentar nenhum sintoma clínico.

    A pesquisa analisou o tecido cerebral de mais de 5 mil doadores falecidos, além do histórico médico de cada um, e encontrou um subgrupo, chamadas de resilientes, que não desenvolveu déficit cognitivo, apesar dos vestígios do Alzheimer no órgão.

    Segundo Livia Avallone, patologista clínica do Laboratório Sérgio Franco, da Dasa, não são claras as razões, mas fatores genéticos e estilo de vida adotado podem estar relacionados ao achado. “Sabe-se que, quanto mais estímulo e atividade cerebral, mais chances de retardar o início e os sinais da doença”, afirma Livia.

    Benefícios modestos

    Em geral, ensaios clínicos como os feitos com os novos medicamentos usam como parâmetro a chamada Escala Integrada de Avaliação da Doença de Alzheimer (iADRS, em inglês). A ferramenta é eficaz na captura da progressão do agravo e na separação de efeito placebo e o do medicamento em desenvolvimento.

    “Os resultados dos estudos mostram os escores médios de toda a população tratada. Depois analisa-se as pontuações nas escalas de um grupo versus o outro ao longo dos 18 meses do tratamento controlado. Isso não permite ver a resposta em nível individual”, comenta o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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    Por isso, apesar dos dados positivos, ainda permanecem dúvidas acerca dos benefícios concretos para qualidade de vida dos pacientes tratados com essas drogas.

    “As medicações não interrompem a evolução da doença, elas diminuem a taxa de progressão. Essa redução é estatisticamente significante, mas, do ponto de vista clínico, ela é bem modesta”, pondera o neurologista Adalberto Studart Neto, médico-assistente da Divisão de Clínica Neurológica do HC e membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

    Na prática, significa que grande parte dos voluntários apresentaram melhoras com o tratamento, mas esse benefício foi baixo e limitado. Como o Alzheimer tende a progredir lentamente, será necessário dar continuidade dos estudos, com o acompanhamento desses pacientes ao longo dos anos, para entender os reais efeitos de longo prazo.

    Pontos de atenção

    Os anticorpos monoclonais utilizados contra a doença neurodegenerativa se mostraram seguros, mas têm efeitos adversos.

    “O mais importante é o que chamamos de ARIA, sigla em inglês para anormalidades de imagem relacionadas à amiloide. Quando as pessoas recebem essa terapia, elas podem ter alterações no exame de ressonância magnética apontando micro-hemorragias ou edema cerebral. Não é uma medicação isenta de riscos”, frisa Studart Neto.

    No caso no lecanemabe, por exemplo, foram observados eventos colaterais graves em 14% dos participantes que receberam o medicamento, em sua maioria reações relacionadas à infusão. O estudo, publicado no New England Journal of Medicine, documenta hemorragias cerebrais, dor de cabeça e quedas.

    Impactos do uso de donanemabe foram relatados em 89% dos voluntários tratados com a substância. Os mais frequentes, que levaram à descontinuação do tratamento, foram reações relacionadas à infusão, edema ou inchaço cerebral, derrame, hemorragias e hipersensibilidade, segundo o ensaio publicado no periódico JAMA.

    Vale destacar que, para qualquer medicação, resultados variam de uma pessoa para outra. “Alguns pacientes respondem de forma bem evidente, percebida por familiares e na avaliação médica. Há aqueles que não respondem, mas estabilizam durante um tempo. E ainda os que não têm nenhuma mudança sintomática”, diz Studart Neto.

    O preço dos novos remédios

    Por fim, o preço é outro fator que restringe o acesso aos produtos de última geração. O tratamento por um ano com lecanemabe pode chegar a US$ 26,5 mil.

    O preço de cada frasco de Kisunla, que não tem previsão de chegar ao Brasil, é de US$ 695,65. De acordo com a Lilly, o custo total varia de acordo com o paciente, podendo chegar a US$ 32 mil ao ano.

    “Outra limitação é que a aplicação é feita através de infusão endovenosa hospitalar, o paciente tem que ser monitorado por no mínimo 3 a 4 horas após o procedimento”, afirma Spera.

    O que o Alzheimer faz no cérebro

    O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, progressiva e irreversível, que destrói lentamente a memória e a capacidade de pensamento. Com o tempo, compromete, eventualmente, a capacidade de realizar tarefas simples.

    Estima-se que cerca de 1% dos casos sejam hereditários. O restante envolve o genoma completo do indivíduo, estilo de vida e fatores ambientais.

    “Alguns fatores de risco que são clássicos: a baixa escolaridade, o sedentarismo ou inatividade física, além das comorbidades, como pressão alta, diabetes, colesterol, baixa acuidade visual e auditiva, alcoolismo e depressão, principalmente severa e prolongada”, pontua Spera.

    Embora seu mecanismo não esteja 100% elucidado, se sabe que a doença é caracterizada por alterações no cérebro que resultam na perda de neurônios e das suas conexões. Os processos mais conhecidos incluem o acúmulo de fragmentos da proteína beta-amiloide, que formam placas que se depositam no órgão, e emaranhados neurofibrilares (uma espécie de novelo que se forma nos neurônios) compostos principalmente pela proteína tau.

    A manifestação inicial mais comum é a perda da memória episódica, aquela de curto prazo, para fatos e eventos recentes. Outros sinais incluem a desatenção e problemas com a linguagem, como entraves para encontrar palavras ou nomear objetos.

    É possível que a pessoa tenha dificuldades de navegação e passe a se perder. A longo prazo, essas mudanças afetam a capacidade de uma pessoa lembrar, pensar e falar. Contudo, o desenvolvimento do quadro varia de uma pessoa para outra.

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