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Nova onda de Covid-19 em Manaus reacende debate sobre imunidade de rebanho

Chamada também de imunidade coletiva, ela não atingida como algumas pessoas esperavam. Especialistas explicam o motivo e a importância da vacina

Por Karina Toledo, da Agência Fapesp*
Atualizado em 12 mar 2021, 12h21 - Publicado em 8 jan 2021, 13h19
Desenho de pernas de pessoas
A imunidade coletiva voltou a virar tema de discussões com a segunda onda de casos em Manaus. (Ilustrações: Guilherme Henrique/SAÚDE é Vital)
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Em agosto de 2020, quando a cidade de Manaus (AM) registrava três meses de queda no ritmo de novos casos de Covid-19 mesmo com as escolas e o comércio reabertos, parte dos especialistas brasileiros levantou a hipótese de que o limiar da imunidade coletiva do Sars-CoV-2 teria sido alcançado na região.

A hipótese ganhou força no mês seguinte, em setembro, quando pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores divulgaram um artigo, feito com amostras de bancos de sangue, que estimava que a soroprevalência do vírus seria de 66% na capital amazonense. Isso significaria que dois em cada três habitantes teriam desenvolvido anticorpos contra a Covid-19, o que estaria perto de limiar da imunidade coletiva calculado no início da pandemia (por volta de 70%).

Em dezembro, quando saiu a versão final do estudo coordenado pela professora Ester Sabino na revista Science, a estimativa era de que 76% dos manauaras já tinham imunidade contra o novo coronavírus. Então como explicar a segunda onda de casos que levou a um novo colapso do sistema de saúde e obrigou o prefeito a decretar, no dia 5 de janeiro, estado de emergência?

Ester Sabino destaca que o vírus continua circulando em todo o país. Então o número de casos voltou a subir quando as pessoas retornaram às atividades normais. Ela afirma que ele continuará crescendo até infectar algo em torno de 95% da população. “Há um entendimento errado do conceito de imunidade de rebanho. Quando o limiar é alcançado, não significa que a doença vai desaparecer, e sim que os casos não vão crescer tão rapidamente como na primeira onda”, explica. “Dificilmente haverá um pico como o de abril [de 2020], a menos que os casos de reinfecção sejam muito mais comuns do que se imagina”, opina.

O grande problema de Manaus, segundo ela, é a carência de hospitais e de leitos de terapia intensiva, que se esgotam rapidamente. “A situação não deixa de ser preocupante. Ou se triplicam os leitos de UTI ou será necessário parar a cidade. Hoje, uma pessoa com apendicite pode morrer por falta de atendimento”, afirma.

Com base em dados da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (AM), o infectologista Júlio Croda afirma que 99% dos novos casos notificados em Manaus são de pessoas que nunca antes tiveram a doença. Portanto, não são reinfecções. “Nessa segunda onda, a maioria dos pacientes são das classes A e B, que conseguiram se manter em isolamento antes. A prova disso é que o sistema privado de saúde sofreu esgotamento antes do público, diferentemente do que ocorreu em abril de 2020”, compara. “Após o relaxamento das medidas de controle, o vírus voltou a circular com maior intensidade e atingiu a parcela da população que estava mais suscetível”, corrobora.

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E mais: para o infectologista, que é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a soroprevalência de 76% apontada naquele estudo divulgado na Science está superestimada. Ele acredita que menos de 50% dos manauaras desenvolveram imunidade contra o Sars-CoV-2.

“É importante ressaltar que o limiar da imunidade de rebanho não é um valor fixo. Ele é calculado com base na taxa de contágio”, diz Croda. A taxa de contágio, ou Rt, estima para quantas pessoas um infectado é capaz de transmitir um vírus, em média. No caso do Sars-CoV-2, ele foi estimado inicialmente entre 2,5 e 3. E claro: quanto maior o potencial de disseminação, mais gente precisa estar protegida para que o inimigo pare de circular.

“A taxa de contágio depende tanto da genética do vírus quanto das medidas adotadas para conter a disseminação. Recentemente, surgiu uma variante mais transmissível no Reino Unido e isso impacta tanto o cálculo de Rt quanto o do limiar da imunidade coletiva”, ressalta Croda.

Segundo o pesquisador, cuidados como uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social ajudam a reduzir a taxa de contágio, fazendo com que o limiar da imunidade coletiva também diminua. “Provavelmente foi isso que causou a queda no número de casos observada em meados de 2020. Mas, no momento em que houve o afrouxamento das medidas de controle por parte da população e do poder público, o limiar retornou a patamares próximos de 70%”, avalia.

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O epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), considera um equívoco confiar demais nesse tipo de indicador. “O grande problema é que, para calcular o limiar da imunidade de rebanho, você precisa saber o Rt. E esse valor é uma estimativa, é um chute que pode ter um impacto muito grande”, pondera. “A humanidade nunca conseguiu conter uma doença por imunidade de rebanho. Sarampo e varíola, por exemplo, só foram controlados com vacina. No caso da Covid-19, falar em imunidade de rebanho se vacinação ou em tratamento precoce só atrapalha os esforços de controle da doença, porque as medidas de distanciamento social deixam de fazer sentido para a população”, completa.

Além das hipóteses já mencionadas para a segunda onda em Manaus, Lotufo menciona a possibilidade de parte das internações ser de pessoas do interior do Estado do Amazonas que, devido à falta de leitos em seus municípios, buscam atendimento na capital – fenômeno conhecido como invasão de internações hospitalares.

Ponto de virada

Divulgada em setembro de 2020, a quarta e mais recente fase do inquérito sorológico EPICOVID, conduzido em 133 cidades brasileiras por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), indicava que a epidemia estava em desaceleração na maior parte do país. Segundo o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador da iniciativa, a tendência começou a mudar na reta final das eleições municipais. O tamanho do impacto será medido ainda em janeiro, quando ocorrerá a quinta etapa de coletas do levantamento.

“As duas semanas que precederam o segundo turno foram decisivas. Depois vieram as festas de fim de ano e as férias de verão. Os casos cresceram consistentemente pelo menos até meados de dezembro, segundo as estatísticas oficiais. Sa tendência de crescimento se manterá, é difícil dizer. Tudo depende de como a população vai se comportar”, avisa Hallal.

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O pesquisador lamenta a falta de uma política nacional efetiva de combate da doença. “Sabemos o que fazer para a curva cair rapidamente: testagem em larga escala e rastreamento de contatos. Isso nunca foi implementado no país. Se um indivíduo é diagnosticado hoje, ninguém investiga com quais pessoas ele teve contato e isso deveria ser obrigatório”, diz. “Outros países adotam o lockdown quando os casos começam a subir muito. Aí o vírus rapidamente para de circular e tudo pode reabrir. Aqui no Brasil, fazemos um isolamento meia-boca, que é ruim para a saúde pública e para a economia, que também fica meia-boca”, conclui.

Para Hallal, a política mais importante a ser planejada em 2021 é a da vacinação. Ele a considera como a única forma de alcançar a imunidade de rebanho sem que ocorra uma tragédia em termos de mortes. Lotufo concorda e está otimista. “As vacinas do Instituto Butantan e do laboratório AstraZeneca têm boa eficácia, são de fácil manuseio e serão produzidas aqui no país. Se tudo correr bem, poderemos rapidamente vacinar a população”, opina Lotufo.

Croda acredita que, em um primeiro momento, não haverá doses suficientes para alcançar a imunidade de rebanho em âmbito nacional. Para isso, seria necessário vacinar 80% da população. “Contudo, segundo a Organização Mundial de Saúde, é possível reduzir significativamente as internações e os óbitos vacinando os 20% de maior risco. Isso já será um grande avanço”, afirma.

*Este conteúdo é da Agência Fapesp.

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