Com o aumento da cobertura vacinal e a diminuição nos números de casos e mortes por Covid-19, cidades brasileiras estão relaxando as regras sobre o uso de máscaras. No Rio de Janeiro e no Distrito Federal, por exemplo, não é mais preciso cobrir o rosto em áreas abertas, exceto as com alta circulação de pessoas.
Nesses locais, as máscaras seguem obrigatórias no transporte público e em ambientes externos com grande circulação de pessoas, além de áreas fechadas, onde o risco de transmissão do coronavírus é alto. As decisões, embora animadoras, são vistas com cautela pelos especialistas.
Por um lado, estamos no melhor momento da pandemia e já se sabe que a possibilidade de contágio ao ar livre, com distanciamento social, é muito baixa. Por outro, o descuido e o desrespeito às regras podem cobrar um preço alto.
Basta ver o que houve em outros países. “A experiência dos Estados Unidos foi desastrosa”, conta a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin, que testemunhou in loco o desdobrar da flexibilização norte-americana.
Em maio, o Centro de Controle de Doenças do país (CDC) liberou os vacinados, que podem transmitir e contrair a doença, do uso de máscaras em qualquer ocasião. “Como resultado, houve uma explosão de casos no verão”, comenta Denise.
A entidade repensou sua decisão e passou a reforçar a necessidade de vacinados colocarem máscaras em situações de risco. Outros países que fizeram liberações precoces, como o Reino Unido, também voltaram atrás.
LEIA TAMBÉM: Máscaras e mais: a vida em sociedade em meio à queda de casos de Covid-19
Devo usar máscaras em áreas abertas?
Entre os diversos países que já atenuaram suas exigências, é consenso a liberação em ambientes abertos, como parques, ruas e praias. Para isso, até mais importante do que a cobertura vacinal, é preciso que a Covid-19 esteja controlada na região.
É aqui que os especialistas têm pontos de vista diferentes. “De uma maneira geral, olhando os dados do Brasil, a transmissão do coronavírus está caindo e caminhando para níveis ainda mais controlados”, avalia Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
“Se cada Estado ou cidade comprovar que isso se mantém ao longo das semanas, é possível considerar uma flexibilização, mas sempre em locais abertos, sem contato próximo entre as pessoas, e reavaliando a situação periodicamente, para verificar se houve mudança no número de casos”, complementa Stanislau.
Já para Gerson Salvador, infectologista também da USP, manter a obrigatoriedade mesmo em áreas abertas ajuda a padronizar o comportamento. “É uma comunicação mais clara. Além disso, temos que pensar que a transmissão na área externa existe, embora seja mais rara”, explica.
Ele também propõe um cálculo de risco e benefício. “É uma medida não farmacológica de prevenção barata, que não acarreta nenhum risco para as pessoas. Então, na minha opinião, deveríamos manter a máscara, ainda mais nesse momento de retomada, com mais gente na rua e mais contatos sociais”, pontua.
Por sua vez, Denise acredita que seja possível dispensar o uso em lugares abertos e vazios, desde que utilizando os parâmetros certos. “Estamos com muito tempo de pandemia, precisamos encontrar jeitos seguros de retomar a vida. Creio que, na situação atual, seja possível dispensar o acessório em certos contextos e reforçar a necessidade de mantê-lo em ambientes fechados”, raciocina.
O problema é traçar a régua do “lugar aberto seguro” o suficiente. “Daí é preciso bom senso. Andar em uma rua de comércio popular na região central é diferente de caminhar sozinho em um parque ou sair para andar de bicicleta”, compara Denise.
Cobertura vacinal não deve ser o parâmetro
O Rio de Janeiro anunciou ainda que, quando 75% da população estiver totalmente imunizada, o uso de máscaras será obrigatório apenas no transporte público e em unidades de saúde. Para os especialistas, contudo, esse indicador não deve ser o parâmetro principal para flexibilizar.
Isso porque, embora sejam muito eficazes em reduzir casos graves e mortes, as vacinas não impedem completamente a transmissão do vírus. “E temos a alta circulação de uma variante muito transmissível no Brasil, a Delta, que vai encontrar os indivíduos que estiverem vulneráveis”, alerta Denise.
LEIA TAMBÉM: Variante Delta reforça a importância do uso correto de máscaras
O ideal é analisar a situação epidemiológica local. “O ponto certo é quando a transmissão comunitária está baixa, analisando casos, internações, óbitos e percentual de positividade de testes, um número difícil de obter no Brasil, pois testamos pouco”, explica Stanislau.
Máscaras devem ser usadas em locais fechados por muito tempo
Outro ponto de consenso entre as fontes é o de que não estamos num contexto favorável o suficiente para abolir o acessório de vez. “A remoção da máscara em ambientes fechados é precoce. Nossa situação é bem instável. Podemos estar no intervalo entre uma onda e outra, como já aconteceu outras vezes”, pondera Denise.
Para ela, o acessório deve ser a última medida a ser retirada no contexto pandêmico. “Em ambientes de convívio social ou alta circulação de pessoas, é muito importante usar uma máscara boa, de preferência a PFF2, bem ajustada, certificando-se de que não há pessoas sem máscaras no recinto”, explica a especialista.
Educar é o caminho
Com muita gente cansada da máscara, uma campanha de comunicação efetiva sobre as situações de maior risco poderia até elevar a adesão a elas, por que não? “Se essa diminuição gradual do uso for feita da maneira certa, com comunicação transparente sobre os riscos, as pessoas podem tomar decisões melhores”, aponta Denise.
“O Brasil é um país onde algumas leis pegam, outras não. Acho que a máscara é uma questão moral, ética, porque, ao não usá-la, você não está colocando apenas você em risco, mas outras pessoas”, comenta Stanislau.
O infectologista compara a boa prática de seguir cobrindo o rosto em ambientes de risco com outros preceitos básicos do convívio em sociedade. “Deveríamos colocar a máscara no mesmo patamar de educação onde estão hábitos como não cuspir ou jogar lixo no chão”, compara o infectologista.
Mas o amparo legal enquanto esse mundo utópico não acontece é importante. “Mudanças de comportamento são difíceis. E uma vez que você altera a lei, será difícil voltar atrás e convencer as pessoas a usarem a máscara novamente”, avalia Denise.