As doenças hepáticas (que atingem o fígado) figuram entre as principais causa de mortalidade no mundo. Estima-se que aproximadamente 2 milhões vidas são perdidas a cada ano para esses problemas, o que representa 1 a cada 25 óbitos. E o Brasil não é exceção: um estudo inédito conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta um aumento na taxa de mortalidade por doenças hepáticas no Brasil.
De acordo com a análise, publicada no periódico The Lancet Regional Health – Americas, uma em cada 33 mortes no país ocorre em consequência dessas condições que prejudicam o fígado.
Os danos a esse órgão têm origem em diversas condições. Entre as principais causas de cirrose e câncer no órgão, que são potencialmente fatais, estão a hepatite viral crônica e a esteatose hepática alcoólica, provocada pelo consumo abusivo de álcool.
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Ao longo de três anos, os estudiosos da UFMG se debruçaram sobre informações disponíveis em uma plataforma do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS). Foram estratificados dados nacionais, estaduais e municipais entre 1996 e 2022.
A partir desse levantamento, foi possível traçar um panorama sobre a epidemiologia das doenças hepáticas. “Vimos que, no Brasil, o número de mortes por doenças do fígado, de uma maneira geral, sempre foi muito elevado. E percebemos que a taxa de mortalidade vem ao longo da série histórica analisada, principalmente a partir de 2019”, pontua biólogo André Gustavo de Oliveira, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
De acordo com o estudo, os agravos mais letais são câncer de fígado, fibrose e cirrose, doença hepática alcoólica e hepatite viral crônica. A predominância varia de uma região para outra.
“Na região Nordeste, a principal causa de morte é a doença alcoólica do fígado. Já no Sul e Sudeste, a mais relevante é o câncer de fígado”, diz Oliveira.
Além da região, questões de etnia e gênero influenciam na equação. Os homens, por exemplo, têm um risco maior de morrer por doenças hepáticas do que as mulheres.
“Entre eles, as principais causas de morte são, na ordem, doença hepática do fígado, cirrose e câncer de fígado. Nas mulheres, o destaque é o câncer de fígado, que vem aumentando ano após ano”, diz o biólogo.
Para os homens, o risco de morte por doença hepática começa a partir dos 30 anos, tornando-se mais considerável a partir dos 40. Já entre elas, esse patamar mais elevado é atingido apenas aos 60 anos.
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“Os homens se expõem mais a fatores de risco que causam doenças do fígado, como consumo abusivo de álcool e um padrão alimentar não saudável”, frisa.
Com relação à questão étnica, o estudo revelou que a população branca morre principalmente de câncer de fígado, enquanto os de origem asiática, por causa da doença alcoólica do fígado.
“Sabemos que o fígado dos descendentes de orientais não metaboliza muito bem o álcool. Mas chama atenção a sub-representatividade da população negra. Os números são muito baixos e provavelmente refletem uma certa dificuldade dessa população no acesso aos serviços de saúde”, detalha Oliveira. “Com relação aos povos originários, esse quadro é ainda mais drástico”, detalha Oliveira.
Para os pesquisadores, o retrato mais preciso desse cenário epidemiológico favorece o direcionamento de políticas públicas com mais assertividade.
“A maioria dessas doenças hepáticas está relacionada a estilo de vida. Conhecer os impactos por região ou por grupo da população brasileira permite o desenvolvimento de campanhas educativas mais específicas e eficientes”, avalia o professor.
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O estudo ainda revela que, em média, o governo gasta R$ 300 milhões ao ano no tratamento de doenças que atingem o fígado. Parece bastante, mas, para o pesquisador da UFMG, a quantidade de verba está aquém do necessário e faltam incentivos ao desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico dessas enfermidades.
“Se você olhar a importância das doenças do fígado e comparar esse valor com o orçamento do Ministério da Saúde, vemos é necessário mais investimento nessa área. Quase 70% desse valor está indo para o transplante de fígado, a última estratégia possível para o paciente com doença hepática. Então, esse recurso está indo para a última ponta”, pontua.