As células-tronco, que se encontram em nossa medula óssea, passam por um processo natural de diferenciação para se tornar maduras e adultas. No entanto, para algumas pessoas que apresentam problemas genéticos específicos, pode haver alterações nesse processo de diferenciação, o que faz com que as células-tronco permaneçam imaturas e fiquem estagnadas nos seus primeiros estágios de desenvolvimento, sem conseguir se transformar em uma célula sanguínea funcional1.
Se essa célula mutante não for combatida de maneira prematura, começa a se multiplicar continuamente, atrapalhando o desenvolvimento das saudáveis e dando início a uma doença chamada leucemia linfoide aguda, conhecida como LLA1. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, o Inca, são mais de 10 000 casos desse mal por ano no país, e os principais sintomas são aumento dos gânglios linfáticos, febre, sangramento da gengiva, manchas roxas e infecções frequentes2.
A boa notícia é que, se o diagnóstico for feito precocemente e o tratamento adequado entrar em cena com rapidez, as chances de remissão do quadro são grandes. Em crianças num estágio menos avançado, a LLA apresenta resultados favoráveis à cura – hoje, em torno de 90%3.
O administrador de empresas Felipe Assef Gonsales, de São Paulo, faz parte dessa estatística. Ele já tinha ido ao hospital por estar se sentindo muito cansado e com dores de garganta, mas o caso foi tratado como amidalite. Algum tempo depois, Gonsales, na época com 27 anos, começou a ter dores na região do reto e mais uma vez procurou o pronto-socorro. Mas dessa vez só voltou para casa 48 dias depois. “Por sorte, o médico que estava de plantão pediu um exame de sangue que apontou uma anemia intensa, que tinha baixado minha imunidade e provavelmente era a razão dos sintomas anteriores, e me internou imediatamente”, conta. Depois de diversos exames para descobrir a causa do quadro, chegaram à LLA.
Em seguida, ele foi transferido para um hospital especializado onde foi dado início ao primeiro ciclo de quimioterapia. Quando voltou para o segundo ciclo, a doença já estava em remissão, ou seja, não estava mais avançando. “Mesmo assim, fiz dez sessões de quimioterapia e dez de radioterapia, além de um ano de quimioterapia ambulatorial e mais um ano de quimioterapia oral, e também a ingestão de medicamentos para evitar problemas ligados à baixa da imunidade desencadeada pelo câncer”, conta Gonsales, que atualmente tem 31 anos e superou a doença.
Transplante de medula óssea
Diferentemente do tratamento de Gonsales, em muitos casos o combate à LLA requer transplante de medula. Ele pode ser autólogo, ou seja, usando a medula do próprio paciente, ou alogênico, quando as células vêm de um doador4. No segundo caso, é necessário que haja compatibilidade entre o doador e o receptor, o que é determinado por meio de testes laboratoriais específicos feitos com amostras de sangue dos dois8. Mas a missão de encontrar um doador compatível não é nada fácil. Quando ambos têm o mesmo pai e a mesma mãe, há uma chance de um para quatro de o resultado ser positivo11. Se forem de genitores distintos, essa possibilidade pula de um para 100 0005. Por essa razão, o fato de atualmente as famílias serem menores atrapalha o processo. Além disso, a mistura de etnias no Brasil influencia negativamente na possibilidade de o resultado do exame da afinidade entre o material do doador e do receptor ser confirmada6. Por outro lado, o banco de doadores cresceu bastante nos últimos tempos, aumentando a esperança de quem aguarda a notícia de que vai receber uma medula nova7.
Outro desafio enfrentado por essas pessoas é que o procedimento não é tão simples. Em um transplante de outros órgãos, o que está doente é retirado para a colocação do sadio. Nesse caso, não é possível retirar a medula enferma, então, é preciso um tratamento que ataque as células doentes e destrua a própria medula. Então, o paciente recebe a medula sadia como se fosse uma transfusão de sangue. Uma vez na corrente sanguínea, as células da nova medula circulam e vão se alojar na medula óssea, onde se desenvolvem8.
O tempo de internação se relaciona diretamente com o tempo necessário para a nova medula se estabelecer, considerando manifestações infecciosas entre outras possíveis intercorrências. O paciente deve estar preparado para uma internação em torno de 15 a 30 dias ou mais, a depender de cada caso, para fins de monitoramento e garantia da segurança12. Depois da alta, o paciente ainda precisa ficar na cidade onde o tratamento foi feito por 100 dias para que seja avaliado se o amadurecimento das células recebidas aconteceu da maneira adequada9. Após seis meses, é possível voltar à vida praticamente normal10.
Outra opção de recurso terapêutico para a LLA é a imunoterapia. “Ela faz parte dos tratamentos mais modernos para o mal, tem mostrado resultados promissores e é muito bem indicada, principalmente para idosos, que apresentam grande toxicidade com o uso da quimioterapia”, diz a hematologista Maria Lúcia de Martino Lee,* do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
O grande desafio, na visão da médica, é ampliar o acesso aos tratamentos para que todos, caso precisem enfrentar a doença, tenham os melhores recursos, independentemente da forma de acesso (por hospitais públicos ou particulares) ou região do país. “O tratamento desse câncer, que é o mais comum da infância, ainda tem grandes desafios em nosso país para que seja justo e igualitário para todos os pacientes”, afirma a especialista.
Referências
- Abrale. O que é leucemia linfoide aguda? Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/leucemia/lla/o-que-e/. Acesso em: 13 dez 2021.
- INCA. Tipos de Câncer. Leucemia. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/leucemia. Acesso em: 13 dez 2021.
- Revista Abrale Online. Leucemia Linfoide Aguda tem cura. Disponível em: https://revista.abrale.org.br/lla-tem-cura/. Acesso em: 13 dez 2021.
- Abrale. O que é leucemia linfoide aguda? Tratamentos. Disponível em: https://www.abrale.org.br/doencas/leucemia/lla/tratamentos/#1583784537697-668d0f54-27a4fb35-83e5e4f6-4203cd9c-df38. Acesso em: 13 dez 2021.
- Tribuna. No Dia Mundial do Doador de Medula Óssea novo limite de idade aumenta importância da doação. Disponível em: https://tribunapr.uol.com.br/noticias/no-dia-mundial-do-doador-de-medula-ossea-novo-limite-de-idade-aumenta-importancia-da-doacao/. Acesso em: 13 dez 2021.
- GZH. Miscigenação dificulta busca de brasileiros por um doador de medula óssea. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2015/01/miscigenacao-dificulta-busca-de-brasileiros-por-um-doador-de-medula-ossea-4680698.html. Acesso em: 13 dez 2021.
- Ministério da Saúde. Brasil tem o terceiro maior banco de doadores de medula óssea do mundo. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/brasil-tem-o-terceiro-maior-banco-de-doadores-de-medula-ossea-do-mundo. Acesso em: 13 dez 2021.
- INCA. Transplante de medula óssea. Como é feito o transplante. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tratamento/transplante-de-medula-ossea. Acesso em: 13 dez 2021.
- INCA. REDOME. Disponível em: https://redome.inca.gov.br/paciente/vida-depois-do-transplante/. Acesso em: 13 dez 2021.
- Revista Abrale Online. O pós-TMO. Disponível em: https://revista.abrale.org.br/o-pos-tmo/. Acesso em: 13 dez 2021.
- INCA. O que é compatibilidade de medula óssea? Disponível em: https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-e-compatibilidade-de-medula-ossea#:~:text=A%20an%C3%A1lise%20de%20compatibilidade%20%C3%A9,m%C3%A3e)%20%C3%A9%20de%2025%25. Acesso em: 11 jan 2022.
- BioSana’s Serviços de Saúde. Quais são as etapas do transplante de medula óssea? Disponível em: https://www.biosanas.com.br/post/160/quais-as-etapas-do-transplante-de-medula-ossea-tmo. Acesso em: 11 jan 2022.
*CRM-SP 60.209.
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