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“Há muita desinformação circulando sobre a nossa alimentação”

Ganhadora de prêmio da Unesco, a bioquímica brasileira Alicia Kowaltowski compartilha reflexões sobre o metabolismo humano e o fazer científico

Por Larissa Beani
Atualizado em 20 jun 2024, 18h10 - Publicado em 17 jun 2024, 09h48
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A bioquímica paulista Alicia Kowaltowski foi uma das vencedoras do Programa L'Oréal-Unesco-ABC para Mulheres na Ciência de 2024 (Cécile Burban/Divulgação)
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Foi ainda na infância que a bioquímica Alicia Kowaltowski tomou gosto pela ciência. Filha de professores universitários, ela ganhou, quando pequena, um kit de química que lhe aguçou sua curiosidade para as milhares de reações entre moléculas que acontecem no nosso dia a dia.

Quando cresceu, a brincadeira virou profissão. Formou-se em medicina e tornou-se doutora em ciências médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Suas pesquisas focam no entendimento do metabolismo humano, observando como as substâncias do nosso corpo são transformadas em energia.

Após cursar o pós-doutorado nos Estados Unidos, passou a lecionar no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), onde é professora titular e coordenadora do Laboratório de Metabolismo Energético.

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Por quase três décadas de trabalho, a brasileira foi uma das agraciadas pelo Prêmio Internacional Para Mulheres na Ciência de 2024, organizado pela Fundação LOréal em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

“É muito gratificante receber um prêmio de alta visibilidade como esse, porque não é fácil ser cientista no Brasil”, afirma Kowaltowski, que recebeu a láurea em cerimônia realizada na sede da Unesco, em Paris, no dia 28 de maio. Atualmente, ela têm coordenado pesquisas sobre obesidade e como essa condição se relaciona a outros problemas de saúde.

À VEJA SAÚDE, a pesquisadora desbanca mitos que cercam o nosso metabolismo e reflete sobre o fazer científico no Brasil. Confira a entrevista a seguir.

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VEJA SAÚDE: Com sua vasta experiência, o que você acredita que a população deveria saber sobre o metabolismo? 

Alicia Kowaltowski: Muito se fala sobre o metabolismo, mas nem todo mundo sabe o que ele realmente é. O metabolismo é o conjunto de processos que transformam as moléculas do corpo de qualquer ser vivo em energia — energia que será usada para nos movimentarmos, respirarmos, pensarmos… O metabolismo é como a definição do que é um ser vivo.

E esse processo também está envolvido em quase todas as doenças. Algumas são primariamente metabólicas, outras começam por outros motivos e levam a alterações nesse campo. É uma extensa área para pesquisas.

Quais são os principais mitos relacionados ao metabolismo?

Infelizmente, há muita pseudociência e desinformação circulando sobre a nossa alimentação e como os alimentos são processados pelo corpo.

Tem quem vilanize os carboidratos e alimentos como o leite… e quem priorize o emagrecimento a todo custo, sem avaliar como essa perda de peso está se dando — muitas vezes com perda de massa muscular, o que não é desejável —, propagando formas de “acelerar o metabolismo” sem fundamentação.

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Outra crença comum é a de que tudo que é natural é melhor para nós esse tipo de ideia pode atrasar tratamentos e piorar quadros de pacientes que optam por fórmulas “naturais” ineficazes e recusam medicamentos comprovadamente seguros e eficazes para o propósito ao qual foram desenvolvidos.

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Como as pessoas podem se proteger desse tipo de desinformação?

Tão importante quanto checar fontes e verificar a confiabilidade das informações, é preciso que as pessoas conheçam o processo científico, que é a melhor maneira que temos para buscar respostas às nossas perguntas.

É necessário reconhecer também que essas respostas não são imutáveis. Conforme adquirimos mais informações e desenvolvemos técnicas melhores, a ciência se reinventa e se corrige também. As pessoas precisam entender que uma informação dada em determinado momento pode mudar conforme aprendemos mais sobre determinado assunto.

Isso não significa que a ciência falha. Muito pelo contrário, significa que ela está funcionando, porque é assim que aprimoramos nosso conhecimento.

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Em geral, as pessoas querem respostas muito simples e arrebatadoras. Quando falamos sobre saúde, isso é muito perigoso, porque nada é simples nesse campo. Então, devemos suspeitar quando alguém aparece oferecendo uma solução única para múltiplos problemas.

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Alicia Kowaltowski é professora titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) (Cécile Burban/Divulgação)

Atualmente, quais são as principais linhas de pesquisa do seu laboratório?

No Laboratório de Metabolismo Energético, temos uma equipe composta por muitos pesquisadores que trabalham para compreender alterações no nosso metabolismo. Para isso, observamos a evolução de culturas celulares, o comportamento de roedores e analisamos amostras humanas (de sangue, por exemplo).

No momento, queremos saber como o metabolismo é alterado pela obesidade, aumentando o risco da pessoa desenvolver outras doenças, como diabetes tipo 2, Alzheimer e diversos tipos de câncer.

O que fazemos se chama ciência básica: nós buscamos entender quais reações ocorrem no nível molecular para que essas relações sejam observadas no dia a dia e nos consultórios.

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Esse tipo de pesquisa é o que fundamenta pesquisas clínicas, aquelas que visam produzir novas terapias e medicamentos para essas condições. Estudar esses detalhes também é importante para que, além de tratar, possamos prevenir doenças também.

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Estima-se que, no Brasil, um a cada quatro adultos tem obesidade. O que podemos fazer para mudar essa realidade?

Existem muitos motivos biológicos que explicam por que sentimos tanta fome e, especificamente, por que gostamos tanto de comidas altamente calóricas. Mas há também um incentivo muito grande ao consumo desse tipo de alimento, que influencia muito as decisões que tomamos para as nossas dietas.

É preciso elaborar políticas públicas que visem diminuir o acesso e a inserção no mercado de produtos ultraprocessados — que contém muita gordura, açúcar, sódio e aditivos, e baixo valor nutritivo. São esses ingredientes que fazem o alimento ser extremamente palatável e nos deixam com vontade de comer mais. É um dos grandes problemas de saúde pública em todo o mundo.

Como é ter sua carreira, dedicada a esse assunto tão importante, reconhecida internacionalmente? O que a conquista desse prêmio significa para você?

É muito gratificante receber um prêmio de alta visibilidade como esse, porque não é fácil ser cientista no Brasil. Sofremos ataques governamentais e lidamos com falta de infraestrutura. Eu espero que a gente possa dividir as láureas desse prêmio por muitos anos no laboratório, nos ajudando a navegar nas dificuldades que vêm pela frente.

Os cientistas estão acostumados com os obstáculos. Estamos fazendo perguntas na fronteira do conhecimento, então nunca vai ser fácil. Mas nós podíamos ter menos dificuldades extra-laboratoriais, e mais dificuldades da ciência em si. Isso seria legal.

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Há uma tendência dos governantes não entenderem o que é a ciência e seu valor para a economia do país — mesmo que seja a área que mais dá retorno: são cerca de R$ 17,20 a cada real investido em certas instituições científicas no país.

Em São Paulo, enfrentamos a ameaça de redução de verbas da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], o principal órgão de incentivo a pesquisa do estado. É um contrassenso tirar dinheiro de uma área que vai trazer desenvolvimento e retorno econômico. Pior ainda: governantes, independentemente de suas ligações políticas, tomam decisões contrárias à percepção da população.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação [MCTI], 94% da população brasileira defende a manutenção ou o aumento dos investimentos em ciência. É isso que deveríamos estar buscando. 

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A bioquímica e professora Alicia Kowaltowski discursa na cerimônia de entrega do Prêmio Para Mulheres na Ciência, realizada em Paris (Cécile Burban/Divulgação)
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