O descontrole da pandemia de coronavírus no Brasil somado às fake news que provocaram desconfiança em relação às vacinas estão levando a população a procurar testes sorológicos para checar se a picada surtiu efeito. Acontece que o procedimento não consegue provar se o imunizante funcionou ou não.
O patologista Gustavo Campana, diretor médico do grupo Dasa, explica que os testes sorológicos dosam a taxa de IgG no sangue, ou seja, os anticorpos totais.
De acordo com a pediatra Mônica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários Vacinais da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), as análises não são tão úteis porque, além de não informarem se os anticorpos são funcionais, não mostram se eles são capazes de impedir a entrada do vírus nas células.
Há um outro tipo de exame sorológico, chamado teste de anticorpos neutralizantes, que usa uma metodologia diferente. Ele indica qual proporção dessas moléculas tem a capacidade de neutralizar a entrada do vírus nas células.
“Esse teste nos diz: ‘olha, dos anticorpos que você tem, tal quantidade bloqueia a infecção’. Então, ele pode dar pistas da imunidade adquirida pela doença ou pelo imunizante, e vai informar qual é o nível de proteção que o indivíduo possui”, relata Campana.
Mônica acredita que essa versão é, de fato, a que chega mais perto de dizer o quão resguardados estamos contra a Covid-19. Mas tem um porém: “O grande problema é que, até hoje, a ciência não evidenciou qual é a quantidade de anticorpos neutralizantes que se associa com proteção clínica”, pontua. Para completar, ainda não se sabe quanto tempo a ação dessas moléculas dura.
Imunidade celular x anticorpos
Apesar de os anticorpos serem as estruturas mais lembradas quando falamos de imunidade, eles são apenas um pedaço dessa complexa engenharia que forma o nosso sistema de defesa.
Existe, por exemplo, a chamada imunidade inata, que é a primeira resposta do organismo a uma infecção. Também há a imunidade celular, realizada pelos linfócitos T – ela entra em cena junto com a imunidade humoral, realizada pelos anticorpos, quando a inata não dá conta do recado.
Essa intrincada engrenagem é mais um fator que ajuda a justificar por que não faz sentido realizar exames sorológicos após receber a vacina contra o Sars-CoV-2: ora, nem só de anticorpos vive (e trabalha) o sistema imune.
“E ainda não temos evidências de qual o percentual de participação e importância dos diversos departamentos do sistema imunológico na Covid-19”, informa a pediatra.
Como saber se as vacinas funcionam?
A melhor informação que temos para confirmar a eficácia dos imunizantes são os resultados dos ensaios clínicos, realizados antes da aprovação das agências de saúde, e baseados em rígidos protocolos.
Em uma nota técnica divulgada em março de 2021, na qual desencoraja a realização dos testes de dosagem de anticorpos, a Sbim lembra ainda que, até agora, o desenrolar da aplicação da vacina no “mundo real” também é um ótimo indicativo: “…Os resultados de curto prazo que estão sendo disponibilizados por diversos países têm sido muito animadores na proteção contra formas graves e óbitos pela Covid-19, independente da circulação das novas variantes”.
Mas será que os testes sorológicos têm alguma função?
“Qualquer informação laboratorial, sendo bem interpretada, é relevante. Porém, não deve ser utilizada para o paciente se sentir seguro a ponto de não se proteger”, avisa Campana.
Em outras palavras, a despeito do resultado, não significa que é possível abandonar os cuidados básicos (usar máscara, evitar aglomerações, higienizar as mãos). Até porque ainda não se sabe qual a capacidade de um indivíduo vacinado continuar transmitindo o vírus – isso colocaria em risco todas aquelas pessoas que ainda não receberam a picada.
Vale frisar: só estaremos realmente livres do coronavírus quando o maior número de pessoas estiver imunizado. A vacinação traz segurança coletiva, não individual.
Por outro lado, o teste também não deve motivar desespero caso não sejam identificados os tais anticorpos neutralizantes. Como contamos, o sistema imunológico é muito mais complexo do que isso.
“Entendo o argumento de que o exame não deva ser feito. Mas me coloco no lugar de quem quer saber se a vacina despertou algum tipo de resposta. Então, a decisão precisa ser individual. Contudo, tendo em vista que isso não garante se há a proteção”, pondera o infectologista Celso Granato, do Fleury Medicina e Saúde, na capital paulista.
“As vacinas têm uma boa eficácia contra os casos graves e protegem com menor eficácia os casos leves. E não temos dados sobre a capacidade de impedir a transmissão. A presença ou ausência de anticorpos não quer dizer que alguém esteja completamente seguro nem totalmente desprotegido”, resume o diretor médico da Dasa.