Ter acesso a tratamentos e a novos medicamentos são algumas das lutas mais frequentes de pessoas com câncer. Grupos e associações voltados ao combate da doença foram conquistando alguns direitos, mas eles ficaram dispersos em meio à vasta legislação.
O Estatuto da Pessoa com Câncer, sancionado no fim do ano passado, é visto como um avanço por especialistas nesse sentido. É que, pela primeira vez, um único texto reúne direitos de pacientes e deveres do Estado e da sociedade.
“Essa é a grande força do documento. Ele pode ser lido, reconhecido e utilizado como ferramenta de defesa”, avalia Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, que tem como missão informar, apoiar e defender as garantias dos pacientes com câncer.
“Ele deve servir como livro de cabeceira para quem é diagnosticado”, defende Luciana.
Para ela, os grandes destaques são o direito à informação de qualidade, a um acompanhante durante os tratamentos e à prioridade em diversos tipos de atendimento. Essas regras já constam em algumas leis, mas estão longe dos olhos de quem precisa.
A questão da prioridade, por exemplo, não diz respeito apenas à fila dos serviços de saúde, mas abrange também atendimento em órgãos públicos e privados e a tramitação de processos judiciais.
“Considerando a expectativa de vida de algumas pessoas, é justo que o processo dela, de qualquer natureza, seja avaliado antes pela Justiça”, explica o advogado Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB Nacional.
A grandiosidade do Brasil também exigia um estatuto com força federal. “Alguns estados estão mais avançados, como São Paulo, que possui, por exemplo, a Lei Mário Covas, que dá direito ao paciente de negar tratamento quando se atingiu um estado terminal ou não há chance de cura”, nota Fürst.
Iniciativas como essa estimulam a exigência por cuidados paliativos (citado no estatuto), que garantem a dignidade da pessoa sem chances de cura. Aliás, o novo documento exalta o acesso a um tratamento digno, respeitoso e personalizado.
Há outros pontos em que é preciso evoluir para assegurar a equidade de direitos pelo país. “Em algumas regiões, já é de praxe estar sempre com um acompanhante, mas há lugares sem essa cultura”, informa o advogado. “Agora, isso têm mais chances de mudar”, completa.
Para Luciana, do Oncoguia, talvez sejam necessárias algumas regras e regulamentações para que se consiga colocar todos esses benefícios em prática.
Já na visão de Fürst, a jurisprudência herdada por processos antigos pode guiar os usuários. “A própria Justiça dará caminhos e dados mais específicos para pontos que são citados de forma generalista no estatuto”, defende o advogado.
Para Fürst o que ainda falta no estatuto é dar mais autonomia ao paciente. “É uma discussão profunda, mas que gera muita dor de cabeça. Há quem esteja no quinto ciclo de quimioterapia e não quer mais lutar. Essas pessoas merecem a dignidade de desistir. Por outro lado, como garantir esse direito se nem todo o Brasil disponibiliza o melhor tratamento a todos?”, questiona o conselheiro da OAB.
Medicamentos e o veto do presidente
Apenas um ponto ficou de fora do estatuto, o que visava “garantir o acesso de todos os pacientes aos medicamentos mais efetivos contra o câncer”.
A justificativa para o veto tem a ver com questões financeiras, pois o governo entende que não pode asseverar que haverá verba para oferecer todos os remédios de última geração à medida em que eles forem lançados.
Mesmo assim, de formas diferentes, há caminhos de conquistar esse direito.
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“Há uma lei que já determina o acesso ao melhor tratamento disponível, e os medicamentos que devem ser utilizados são, muitas vezes, assegurados pelos PCDTs (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas)”, lembra Luciana.
Em relação a tratamentos, existem as leis 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 12.732, de 22 de novembro de 2012.
Há ainda a participação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que avalia pedidos de inclusão de novas terapias periodicamente.
“O melhor mesmo seria termos um dispositivo que determinasse a revisão periódica das terapias e medicamentos disponíveis. Sabemos que surgem tratamentos caros que não valem a pena pela sua baixa eficácia, mas há outros completamente viáveis”, opina o advogado.