Recentemente, duas novas cepas do coronavírus começaram a chamar a atenção da comunidade internacional.
Uma delas é a EG.5, chamada informalmente e sem reconhecimento pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de Éris, e a outra é descrita como BA.2.86. Ambas são derivadas da já conhecida Ômicron.
O surgimento de variantes do coronavírus é parte da evolução do micro-organismo.
Diante do aparecimento de novas linhagens do causador da Covid-19, a comunidade científica se mobiliza para investigar fatores como transmissibilidade, capacidade de infecção, gravidade da doença e impactos para os testes diagnósticos e vacinas em uso no mundo.
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Éris (EG.5): primeiro caso no Brasil
A variante EG.5 foi relatada pela primeira vez em fevereiro de 2023. Desde então, já foi detectada em 52 países, incluindo o Brasil.
O Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso da variante na última quinta-feira, 17. Trata-se de uma mulher de 71 anos, sem histórico de viagem, que já se recuperou da infecção, sem maiores consequências.
Ela é uma linhagem derivada da cepa XBB.1.9.2, com perfil semelhante à linhagem XBB.1.5, da Ômicron, que é a predominante no país no momento.
Como diferencial, a EG.5 carrega mutações adicionais na proteína spike (também chamada proteína S), aquela utilizada pelo vírus como porta de entrada para as células humanas.
Essas alterações genômicas conferem ao vírus maior capacidade de transmissão e escape imune, ou seja, de driblar parte das defesas formadas pelo organismo após a vacinação ou a infecção natural (entenda melhor abaixo).
Vale destacar, contudo, que não há indícios de que a variante “zere” a proteção adquirida pela vacina. Pelo contrário. Por ser “filha” da Ômicron, e os imunizantes sendo usados no Brasil terem essa cepa como base, eles deve seguir protegendo de casos graves e mortes.
Com base nessas informações, a OMS classificou a EG.5 como uma variante de interesse, o segundo maior nível de atenção para o coronavírus.
Linhagens do SARS-CoV-2 recebem essa definição quando apresentam mutações genéticas com implicações no comportamento do vírus estabelecidas ou suspeitas, como a alta incidência de transmissão em uma localidade ou a detecção em vários países, por exemplo.
Aliás, Éris é um nome informal, apelido dado por cientistas para facilitar a comunicação.
Somente os subtipos classificados como variantes de preocupação pela OMS recebem uma nomenclatura especial, geralmente inspirada no alfabeto grego. Para isso, é preciso fazer mais análises sobre seu impacto na saúde pública.
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EG.5 pelo mundo
Globalmente, houve um aumento constante na proporção de relatos da cepa. Durante a semana de 17 a 23 de julho, por exemplo, a prevalência global de EG.5 foi de 17,4%. Um aumento notável em relação aos registros de quatro semanas atrás, que indicavam 7,6%.
Em documento divulgado no dia 9 de agosto, a OMS destacou que mais de 7,3 mil sequências genéticas dessa cepa haviam sido submetidas ao Gisaid, um banco de compartilhamento de dados de vírus internacional, até o dia 7 deste mês.
A maior parte das sequências disponíveis são da China (30,6%), Estados Unidos (18,4%), Coreia do Sul (14,1%), Japão (11,1%) e Canadá (5,3%).
Informações da plataforma Our World in Data apontam tendência de queda no número diário de novas infecções na China nas últimas semanas.
Já os indicadores mais recentes dos Estados Unidos, gerados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), apontam para um aumento semanal de 12,2% de testes positivos, 14,3% de hospitalizações e de 8,3% de mortes pela infecção.
Por lá, a EG.5 se tornou a variante dominante — ou seja, a que mais está circulando.
O virologista Fernando Spilki, pesquisador da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul, destaca que o comportamento de uma linhagem pode variar de um país para outro.
“As pistas sugerem que a EG.5 teria vantagens de transmissibilidade. Onde ela chegou, está conseguindo dominar um cenário que já tinha um protagonismo grande de outras linhagens rapidamente”, diz o virologista.
Mas nem sempre esse tipo de situação se repete em todos os lugares, pondera Spilki. “Isso devido a perfis diferentes de vacinação e de infecções prévias em cada país, além de questões sociais e fatores como época do ano e estação”, completa.
O Reino Unido, por sua vez, apontam que, entre as variantes analisadas de 24 e 30 de julho, 25,7% foram classificadas como a subvariante da Éris, EG.5.1. Os dados são da Agência de Segurança da Saúde do país (UKHSA, em inglês)
O conglomerado de países conta com um dos mais robustos programas de sequenciamento genômico do mundo, o que indica uma capacidade aumentada na detecção de linhagens virais em circulação.
O mais recente boletim epidemiológico da agência britânica mostra um aumento discreto no número de casos da doença: a positividade nos testes para detectar o Sars-CoV-2 foi de 6,2% para 7,1% nas duas últimas semanas.
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Risco à saúde pública é baixo
Apesar desse aumento, a OMS classificou o risco à saúde pública oferecido pela EG.5 como baixo em nível global.
Embora ela tenha mostrado maior prevalência, vantagem de crescimento e propriedades de escape imunológico, não houve nenhuma alteração relatada na gravidade da doença até o momento.
A OMS destaca que foram observados crescimentos simultâneos na proporção de internações (menor do que nas ondas anteriores) e na prevalência da EG.5 em países como Japão e República da Coreia. Contudo, nenhuma associação foi demonstrada entre essas hospitalizações e a linhagem em específico.
“A EG.5 está dentro do escopo de sintomas que relatamos para a Ômicron, com sinais parecidos com os de um resfriado, como a febre e a coriza. Também têm sido relatados a perda de olfato e de paladar nesses casos”, afirma Spilki.
Em casos menos frequentes, a Ômicron também pode causar doenças graves e levar ao óbito, em especial indíviduos idosos e imunocomprometidos.
No entanto, devido à sua vantagem de crescimento e características de escape imunológico, a EG.5 pode causar um aumento na incidência de casos e tornar-se dominante em alguns países, como aconteceu nos Estados Unidos, ou mesmo globalmente, de acordo com a OMS.
A ainda pouco conhecida BA.2.86
Ela virou notícia com alertas feitos nas redes sociais por cientistas britânicos em relação à necessidade do uso de máscaras de maneira coletiva, que repercutiram na imprensa nacional e internacional.
Nessas notícias, a variante estava sendo batizada de BA.6, mas seu nome oficial é BA.2.86, de acordo com o painel sobre variantes do coronavírus da OMS, que foi atualizado na quinta-feira, 17.
Até agora, pouco se sabe sobre ela. Até o momento, as informações disponíveis sobre a linhagem são escassas, com relatos de casos na Dinamarca e em Israel.
De acordo com a OMS, há apenas três sequências genômicas disponíveis. Ela foi classificada como “variante sob monitoramento”, o terceiro nível de atenção da instituição, com base no grande número de mutações identificadas.
O pesquisador Flávio Fonseca, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a BA.2.86 não é uma variante predominante.
“A cepa apresenta uma gama de mutações que sugere que ela pode tanto ser mais infecciosa como ter um padrão de escape da resposta imune prévia com facilidade”, detalha.
As evidências científicas disponíveis até o momento sugerem a existência de 20 a 30 alterações genômicas.
“Há uma concentração delas em duas regiões da proteína S que são bastante reconhecidas por anticorpos protetores. Essas mutações podem fazer com que os anticorpos gerados pela infecção prévia ou pela vacina não reconheçam tão bem a nova variante”, explica Fonseca.
O virologista acrescenta que existe outro ponto de concentração de mutações na BA.2.86 que interessa aos cientistas, em regiões que permitem a entrada do vírus na célula.
O que acontece com quem foi vacinado?
As alterações genéticas na proteína Spike, presentes nas duas novas variantes, podem fazer com que o vírus se ligue de modo mais eficaz a receptores das células humanas.
É como se fosse aquele momento final da confecção de uma cópia de chave, quando o chaveiro dá os últimos retoques na peça para garantir que ela abrirá com destreza a sua respectiva fechadura.
Dessa forma, o vírus consegue entrar mais facilmente na célula, o que leva a um escape imunológico.
Isso significa que quem foi vacinado está completamente desprotegido? Não.
Quando uma pessoa é imunizada contra a Covid-19, o sistema imune responde produzindo anticorpos neutralizantes específicos contra o coronavírus. Além disso, há uma ativação de outras células de defesa do corpo humano, os chamados linfócitos T.
A resposta gerada pelos imunizantes também conta com células de memória que permanecem no organismo e que podem ativar a produção de anticorpos diante de uma exposição natural ao coronavírus.
Embora a variante seja um pouco diferente, ainda é o mesmo vírus.
Ela até pode enganar o sistema imune num primeiro momento, mas logo essa cadeia de respostas é ativada. E todos esses mecanismos atuam evitando principalmente os casos graves, hospitalizações e mortes pela doença.
Atualização das vacinas
Embora as novas variantes apresentem mutações que favoreçam a transmissibilidade e a infecção, não há indícios de que elas sejam capazes de inativar, por completo, as defesas conferidas tanto pela vacinação quanto pela infecção natural pelo coronavírus.
No entanto, existe a necessidade contínua de analisar o impacto das novas cepas na efetividade das vacinas.
Para estimar se há ou não perda de proteção, é preciso o acompanhamento a longo prazo de populações vacinadas em regiões de alta circulação viral.
Em comunicado divulgado na quinta-feira, a farmacêutica Moderna afirmou que dados preliminares de um ensaio clínico confirmam que sua vacina mais atualizada gerou anticorpos neutralizantes contra a variante EG.5.
Até o momento, não foram anunciados dados de efetividade sobre as novas cepas pelos laboratórios produtores de imunizantes disponíveis no Brasil, como Pfizer, Janssen, Sinovac e AstraZeneca.
Esse tipo de estudo, que investiga o impacto de variantes sobre a proteção contra a doença, levou ao desenvolvimento das vacinas bivalentes, por exemplo, que possuem em sua composição a cepa original e a Ômicron.
Cobertura vacinal baixa no Brasil
Até o momento, foram aplicadas mais de 27 milhões de doses bivalentes no Brasil, um índice de cobertura vacinal de 15,51%, abaixo do ideal, de acordo com os dados do Ministério da Saúde.
Na distribuição por estados, os percentuais mais elevados estão em São Paulo (21%), Distrito Federal (20,2%) e Piauí (18,8%). Na outra ponta, com os menores índices estão Roraima (5,5%), Mato Grosso (6,7%) e Rondônia (7,1%).
“As campanhas devem ser voltadas em especial para gestantes, pessoas acima de 60 anos, indivíduos com alguma comorbidade, ou quem está há mais de seis meses sem alguma dose, além daqueles que ainda não receberam a bivalente”, afirma a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.
A volta das máscaras?
É comum que o aparecimento de novas informações sobre a Covid-19 desperte preocupações e memórias de momentos duros de uma pandemia tão marcante.
No entanto, especialistas em saúde pública reforçam que as novas variantes são motivo de alerta, mas não de pânico.
A pesquisadora e pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma que qualquer nova recomendação, como o uso obrigatório de máscaras, por exemplo, deve ser realizada considerando os indicadores da doença no país.
“Precisamos definir do ponto de vista sanitário qual é o tamanho do problema, incluindo a taxa de transmissão e capacidade de causar doença da cepa. Neste momento, em que ainda faltam esclarecer estes pontos, as máscaras estariam indicadas para pessoas de alto risco”, afirma.
Nesse contexto, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota técnica em que afirma que não houve modificação no cenário de notificações da doença ou aumento de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil no momento, e não há necessidade de mudança das recomendações vigentes.
De forma geral, a proteção facial é recomendada em locais fechados para pessoas com maior risco de agravamento da doença.
A lista inclui gestantes, idosos, pessoas com comorbidades (como hipertensão e diabetes), além de imunocomprometidos, como transplantados, pacientes em tratamento de câncer ou que fazem uso de drogas imunossupressoras.
Além do uso da máscara, o reforço de outras medidas contribui para a prevenção, como a lavagem constante das mãos, não tocar o rosto enquanto estiver na rua, além de evitar abraços, beijos e apertos de mãos se estiver com sintomas respiratórios.
“Devemos estar atentos à possibilidade de uma nova onda de casos ocorrendo nas próximas semanas, com baixo potencial de casos graves, baseado no cenário epidemiológico nos países onde ela já circula”, diz trecho da nota da SBI.
A instituição orienta aos gestores de saúde o aumento na coleta de testes diagnósticos e a vigilância genômica dos casos sintomáticos para detecção precoce de possíveis mudanças no contexto da doença no país.
Para os indivíduos, são recomendadas pela SBI:
- Manutenção do calendário vacinal atualizado com as doses de reforço recomendadas;
- uso de máscaras para população de risco em locais fechados, com baixa ventilação e aglomeração (caso haja aumento de casos);
- testagem dos casos de síndrome gripal para redução da transmissão, com isolamento dos casos positivos.