Ao contrário de muitas doenças oftalmológicas, o ceratocone costuma surgir na infância, na adolescência ou no princípio da vida adulta.
É um problema hereditário que afeta de 1 a 2% dos brasileiros nessa faixa etária.
“O ceratocone causa sintomas justamente na fase da escola, do vestibular e dos primeiros empregos. É o momento da vida em que a visão é importantíssima”, aponta a oftalmologista do setor de cirurgia refrativa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marta Sartori.
O que é o ceratocone?
Ele atinge a córnea, tornando a visão embaçada e irregular – a boa notícia é que, nos últimos anos, o tratamento melhorou bastante, como mostraremos mais pra frente.
Esse problema é bilateral e assimétrico, o que significa que pode deturpar a visão nos dois olhos, mas não da mesma maneira.
Ele também é progressivo – ou seja, vai piorando com o tempo, se nada for feito.
“A doença deteriora ao ponto de a pessoa enxergar tudo distorcido, mesmo com óculos”, afirma Marta, que também é membro da Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR-BRASCRS).
Ao suspeitar desse – e de outros problemas de visão –, não deixe de visitar o oftalmologista para se submeter aos exames adequados.
A causa do ceratocone
Para entender essa doença, é preciso antes aprender sobre o funcionamento da córnea, a nossa “lente natural”. Marta Sartori explica que essa estrutura tem o formato similar a uma calota de carro.
“Ela é responsável pela refração, que é a mudança de direção da luz quando entra no olho. A partir daí, o raio de luz passa por outras estruturas do globo ocular até chegar na retina”, completa a oftalmologista.
Dali, o nervo óptico leva essa informação ao cérebro, onde será processada e finalmente convertida em uma imagem.
Porém, no ceratocone é como se a córnea ficasse pontuda e adotasse mais a forma de um cone. Essa alteração distorce a entrada de luz, o que provoca uma confusão de imagens. Mal comparando, a impressão visual é de um astigmatismo, só que mais irregular.
Por que isso ocorre? Difícil dizer.
Sabe-se que cerca de 1% a 5% da população geral possui defeitos em um gene que abrem as portas para o ceratocone.
Ainda assim, nem todas as pessoas com essa falha no DNA vão ter a doença, até porque o surgimento do ceratocone também depende de estímulos externos, como a coceira frequente dos olhos ou o ato de apertá-los.
Esses hábitos, em resumo, danificam a córnea. “Usando a calota do carro como paralelo, é como se ela tivesse levado um chute”, exemplifica Marta.
Sinais para ficar de olho
Se já houver algum caso de ceratocone na família, converse com o oftalmologista para minimizar o risco da doença nos descendentes.
“Ela aparece em homens e mulheres na mesma frequência. É mais comum no final da infância e na adolescência. Coceira nos olhos, asma e rinite são fatores de risco, por estimularem danos na córnea”, informa Marta.
Nesse sentido, é preciso levar a coceira a sério. “Muitas crianças acabam se viciando. Os pais precisam levar seus filhos ao oftalmologista para identificar sua origem e tratá-la, se for o caso”, complementa.
Para interromper esse costume, os médicos podem indicar colírios. Ou mesmo receitar medicamentos orais mais fortes, como cortisona.
Para quem é alérgico, vale o recado de sempre: evite ficar em ambientes empoeirados, com ácaro ou que tenham carpetes, tapetes, animais de estimação e bichos de pelúcia.
Se isso fizer você coçar os olhos demais, pode desencadear o ceratocone.
O ceratocone pode ser silencioso. Ou seja, não dá sinais até que comprometa a visão. Mas em alguns casos há sintomas. Entre eles:
- Fotobia, ou hiperssensibilidade à luz
- Visão noturna prejudicada ou visão “dobrada”
- Outros problemas na visão, como visão embaçada, com halos e distorções em geral
Como é o tratamento
Há alguns anos, a única maneira de amenizar os sintomas era usando óculos. Quando o instrumento não dava mais conta do recado, fabricavam-se lentes especiais removíveis, que deveriam ser trocadas sempre que o ceratocone piorasse.
“Mas de 20 anos para cá, houve uma grande progressão de tratamentos. O que temos disponível hoje é muito mais moderno”, afirma a oftalmologista.
Embora eles ainda não ofereçam uma cura, conseguem controlar bem os sintomas e restabelecer a visão. Conheça os dois principais:
Implante do anel intracorneano
Por meio de uma cirurgia, cava-se um túnel no meio da córnea, onde é colocado uma prótese feita de acrílico que regula a curvatura dessa estrutura.
“A prótese não deteriora a córnea. Ela apenas muda sua curvatura”, pondera Marta. O implante é reversível e ajustável. Após uma semana, você retorna aos afazeres do dia a dia.
Crosslinking
“Nesse tratamento, promovemos uma ligação mais firme entre as fibras de colágeno da córnea. É como se a gente estivesse cimentando a região para torná-la mais dura, fazendo com que o ceratocone não progrida”, esclarece Marta.
Aqui, depois de uma raspagem cirúrgica da córnea, os médicos pingam um colírio de vitamina B no olho.
O composto funciona como um oxidante. “Usamos junto um raio de luz ultravioleta, que excita essa vitamina, tornando a córnea mais rígida”, completa a expert. O paciente é liberado para voltar às suas atividades de dois a três dias depois.
Esse procedimento inclusive está disponível na rede pública de saúde.
Recado importante: quem analisa a severidade do ceratocone e indica o tratamento mais adequado é o oftalmologista. Às vezes, ele vai combinar as duas técnicas.
Além disso, mesmo após os procedimentos, talvez seja necessário continuar usando lente ou óculos. Mas, claro, sem precisar trocar o grau toda hora.
Em fases mais avançadas da doença, quando ela deixa de responder a outras terapias, a saída pode ser o transplante de córnea.
“O pós-operatório dessa cirurgia é demorado. O paciente não fica internado, mas tem que voltar ao hospital a cada 15 dias para retirar os pontos. Nessa fase da vida, pode atrapalhar”, alerta Marta.
Por isso, não deixe de ir ao médico assim que os primeiros sinais surgirem.
Fonte: Marta Sartori, oftalmologista do setor de cirurgia refrativa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Coordenadora da residência de oftalmologia do serviço municipal de Diadema e membro da Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR-BRASCRS).