Na boca, a cárie se forma a partir das bactérias Streptococcus mutans, que formam grupinhos chamados de placas (ou biofilme) para abocanhar a sacarose, o açúcar dos restos de comida. Elas produzem um ácido que corrói os minerais do dente até quebrá-lo.
Mas, tirando esses aspectos biológicos, ainda há muita coisa que as pessoas não sabem sobre esse problema. E que, até por isso, podem contribuir para a piora da saúde bucal. É aí que entra a SAÚDE com um especial sobre fatos importantes (e ainda pouco conhecidos) sobre as cáries. Confira:
Ter cárie não é normal
Embora mais da metade dos brasileiros já tenha tido cárie alguma vez na vida, ela não deve ser encarada como um problema trivial. É importante agir para evitar que manchas e pontinhos apareçam e levem à quebra ou à perda do dente.
O bacana é que, segundo o Ministério da Saúde, a incidência da chateação na população brasileira caiu de 69% em 2003 para 56% em 2010. Parte desse resultado se deve à Política Nacional de Saúde Bucal, chamada Brasil Sorridente.
Criado em 2003, o programa, entre outras ações, fomentou a incorporação de flúor à água. No entanto, a cárie ainda é o maior problema em consultórios odontológicos. “Se houver mudanças na alimentação e na higiene, é possível paralisar a doença”, diz Fausto Mendes, odontopediatra da Universidade de São Paulo (USP).
É mais que uma questão estética
Sim, a cárie é capaz de afetar a autoestima. “Uma criança pode desenvolver problemas de socialização”, nota Mendes. Prevenir-se da encrenca, porém, é muito mais do que garantir um sorriso bonito.
Se não for tratada, a cárie lesiona a camada da dentina, provocando dor e sensibilidade. Mais: o indivíduo mastiga menos e sabota a digestão.
Em estágio avançado, ataca a polpa dentária, tecido mole com nervos e vasos sanguíneos, causando infecção. “Se os micro-organismos atingirem a corrente sanguínea, é um perigo”, alerta a dentista Amélia Mamede, diretora da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). “Já atendi um paciente que precisou ir para a UTI por causa de uma infecção em um dente de leite”, lembra. Pois é: as bactérias e a inflamação gerada por elas semeiam a discórdiaem outros cantos do corpo.
A culpa não é toda da bactéria
Anos atrás, a ciência atribuía a cárie exclusivamente aos micro-organismos. Mas tem outro vilão nessa história, o açúcar dos alimentos. “As bactérias estão na boca de todo mundo. Mas o açúcar, além de ser transformado em ácido por elas, seleciona aqueles exemplares com maior habilidade para esse processo”, explica o dentista Jaime Cury, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A saliva ajuda a equilibrar a acidez da região e devolver os minerais ao dente, mas, quando há doce demais, não dá conta do recado. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda reduzir o açúcar a no máximo 10% das calorias ingeridas por dia, algo em torno de dez colheres de chá. E não vá dormir sem escovação – afinal, é quando você ficará mais tempo à mercê das bactérias.
Bochecho com muita água após escovar os dentes pode ser problema
As pesquisas, a bem da verdade, ainda divergem sobre esse ponto. Um estudo escocês publicado no periódico Caries Research acompanhou mais de 3 mil crianças por três anos e concluiu que fazer bochecho com água depois da escovação prejudicaria os dentes.
Outro levantamento, na mesma edição, apontou o contrário. Nele, os pesquisadores avaliaram 276 adolescentes de 12 anos. A turma que recebeu orientação de realizar o enxágue não apresentou mais cárie do que quem apenas cuspia a espuma. E os dois grupos desenvolveram menos a doença em comparação aos jovens que não foram orientados sobre o jeito certo de usar a escova.
Jaime Cury, da Unicamp, explica que de fato o líquido reduz um pouco a concentração de flúor deixada na boca pela pasta. “Mas só quem tem mais propensão à cárie precisa diminuir a quantidade de água na hora do bochecho”, pondera. A dentista Amélia Mamede dá uma dica para poupar o mineral da diluição: “Não passe a escova embaixo da torneira depois de colocar o creme dental”.
Cárie não é transmissível
Há quem acredite que é possível espalhar a doença com um beijo ou ao dividir um copo. A crença é baseada naquela ideia de que as bactérias são as únicas responsáveis pela chateação – e, portanto, passariam de uma boca a outra. Mas, como já vimos, a ciência deu seu veredicto. “Cárie não é infecciosa nem transmissível. Ela depende da dieta e da higiene do indivíduo”, reforça a odontopediatra Helenice Biancalana, vice-presidente da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD). Não custa relembrar: o principal agente da redução de cárie no mundo é o flúor, presente na água e na pasta ou aplicado em consultório.
Escovar mais vezes não significa maior proteção
O flúor da pasta ajuda a impedir o desenvolvimento da cárie. Fora que a ação mecânica decorrente da escovação dificulta a instalação da doença. Porém, isso não é motivo para viver escovando os dentes.
Uma pesquisa até chegou a observar os efeitos da higienização antes das refeições. “As análises não verificaram ganhos entre aqueles que fazem isso. O ritual após as refeições, sim, é essencial porque remove os restos de alimentos”, afirma Fausto Mendes.
Sem contar que, ao limpar a boca depois de comer, você garante pelo menos três escovações por dia, o número ideal aconselhado por dentistas. Escovar os dentes duas vezes por dia reduz em 70% o risco de ter cárie.
Dente de leite com cárie também é encrenca
Ele nasce a partir dos 4 meses de vida e pode permanecer até 12 anos na boca – por isso é tão importante quanto o permanente. Hoje, sabe-se que quem tem pontos pretos e manchas nos dentes ainda criança corre maior risco de reincidência mais tarde.
Por sua vez, os pequenos acostumados a escovar os dentes tendem a manter o hábito pela vida toda. “Se o indivíduo atravessou a primeira e a segunda infância sem cárie, significa que tem uma dieta saudável”, avalia Cury.
Vale lembrar que o dente de leite abre caminho para o definitivo. “Se for retirado porque a cárie atingiu a polpa, o permanente pode sair no lugar errado ou torto”, avisa Amélia. Além disso, há o risco de as bactérias caírem na corrente sanguínea, um perigo ainda maior para crianças.
Fluorose, o outro lado da moeda
Herói no combate à cárie, o flúor em excesso pode causar manchas brancas ou amareladas e deixar os dentes quebradiços. Apesar disso, dentistas rechaçam a ideia de abdicar do mineral. “A fluorose só se tornaria grave se a pessoa comesse creme dental no pão”, afirma Cury.
E abrir mão do flúor prejudica a batalha contra a cárie, esta sim uma questão de saúde pública. Para prevenir o problema, a palavra de ordem é conter o ímpeto ao apertar o tubo de pasta. Bebês menores de 3 anos devem usar o equivalente a um grão de arroz cru. Acima dessa idade, incluindo adultos, a medida passa a ser igual a uma ervilha.