Butantan firma parceria inédita para vacina brasileira contra dengue
O acordo entre o Instituto Butantan e a farmacêutica MSD prevê, além de dinheiro, trocas de conhecimento para criar uma vacina mais potente contra a dengue
O Instituto Butantan assinou um acordo de colaboração tecnológica e em pesquisa clínica com a farmacêutica MSD para o desenvolvimento de vacinas contra a dengue. A instituição de pesquisa paulista e a empresa americana – que desenvolvem seus próprios imunizantes com base em uma mesma formulação elaborada pelos National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos – trocarão informações sobre processos produtivos e ensaios clínicos de suas vacinas experimentais, que estão em diferentes estágios de desenvolvimento.
A vacina desenvolvida pelo Butantan, com apoio da Fapesp, está na última fase de testes em seres humanos. Já a da MSD está na primeira etapa de ensaios clínicos, em que é avaliada em um pequeno grupo de pessoas.
Por isso, o acordo envolve um pagamento inicial ao Instituto Butantan de US$ 26 milhões por parte da MSD. A entidade brasileira poderá embolsar mais US$ 75 milhões à medida que a farmacêutica americana atingir marcos no desenvolvimento e comercialização de sua vacina experimental.
Por meio do acordo, o Butantan disponibilizará para a MSD o acesso às informações sobre os ensaios clínicos em curso até que ambos os parceiros cheguem a um nivelamento. Desse ponto em diante, a colaboração se dará livremente, ainda que cada um venha produzir sua própria vacina.
O pacto também prevê o licenciamento exclusivo de patentes relacionadas à vacina contra a dengue desenvolvida pelo Butantan para a MSD, ainda que a empresa não venha a utilizá-las parcial ou integralmente. Se, durante o desenvolvimento de seu imunizante, a MSD obtiver patentes sobre sua tecnologia, o Butantan terá acesso gratuito a elas. A MSD não poderá comercializar no Brasil a vacina que vier a desenvolver e pagará ao Butantan royalties sobre as vendas dela no exterior.
“O acordo mostra que o Butantan atingiu um nível de excelência internacional no desenvolvimento de vacinas de interesse global. Com novos aportes financeiros, poderemos investir ainda mais em produção de vacinas e em pesquisa”, disse Dimas Tadeu Covas, diretor do Instituto Butantan.
Em que pé estão as vacinas contra a dengue
As vacinas em desenvolvimento pelo Butantan e pela MSD são baseadas em cepas dos quatro sorotipos do vírus da dengue modificadas por pesquisadores do NIH. Uma formulação inicial líquida e congelada dessas cepas foi testada experimentalmente pelo NIH em animais e humanos e apresentou bons resultados.
Em 2009, o Butantan licenciou o uso dessas cepas virais atenuadas para desenvolver uma vacina a ser distribuída apenas no Brasil. E em 2014, a MSD licenciou o uso dessas mesmas cepas para desenvolver uma vacina para Estados Unidos, Canadá, China, Japão e União Europeia, entre outros países, à exceção do Brasil.
Como os vírus que usaram para o desenvolvimento da vacina eram os mesmos usados por colegas do NIH nos Estados Unidos, os pesquisadores do Butantan foram autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a começar o estudo clínico pela fase 2, em que é preciso demonstrar que a vacina é segura e capaz de desencadear uma resposta imunológica.
“Tivemos um avanço mais rápido justamente pelo fato de termos começado pela fase 2”, disse Alexander Precioso, diretor da divisão de ensaios clínicos e farmacovigilância do Instituto Butantan.
Concluída a fase 2, a instituição entrou imediatamente com um pedido de aprovação de estudo de fase 3 na Anvisa em 2013 – autorizado em 2015 –, em que é preciso demonstrar que a vacina é eficaz e tetravalente. Ou seja, ela precisa ser capaz de conferir proteção à infecção por qualquer um dos quatro diferentes tipos do vírus da dengue. É isso o que os cientistas estão avaliando agora.
Se for comprovada a eficácia, a instituição poderá pedir o registro da vacina na Anvisa para que possa ser disponibilizada gratuitamente no programa nacional de vacinação. “Até o momento, todos os dados coletados tanto na fase 2 como na 3 têm confirmado a segurança da vacina, que tem causado pouquíssimas reações adversa”, disse Precioso. “Os resultados preliminares também mostram que, com apenas uma dose, a vacina estimula o sistema imunológico dos vacinados de forma que seja possível protegê-los contra os quatro tipos da dengue.”
Os pesquisadores, contudo, têm enfrentado contratempos na realização dessa terceira e última fase do estudo clínico, que começou em 2016 e está sendo feito em 14 centros de pesquisa clínica, distribuídos em cinco regiões do país. Nos últimos anos, o número de casos de dengue caiu no Brasil, o que vem dificultando a finalização dos ensaios clínicos.
E ainda estão sendo recrutados participantes de 2 a 6 anos para participar do estudo. “A dificuldade de recrutamento nessa faixa etária se deve ao fato de que é preciso a autorização dos pais para participação dessas crianças como voluntárias, e sempre há uma preocupação deles em autorizar”, esclareceu Precioso.
Dos 17 mil voluntários previstos para participar do estudo, divididos em três faixas etárias – de 2 a 6 anos, de 7 a 17 anos e de 18 a 59 anos –, 15,5 mil já foram recrutados.
“O acordo permitirá ao Butantan também acelerar os estudos clínicos de sua vacina contra dengue e introduzir parte de seu conhecimento na que a MSD comercializará no exterior. Nós receberemos royalties sobre as vendas”, disse Fábio de Carvalho Groff, gestor do Núcleo de Inovação Tecnológica do Instituto Butantan, à Agência Fapesp.
Em quanto tempo a vacina brasileira contra a dengue vai ficar pronta?
Uma vez que os voluntários deverão ser acompanhados por cinco anos para comprovar a eficácia da vacina quando infectados pelos vírus da dengue, a estimativa para conclusão do desenvolvimento pode variar de seis a 15 anos. “Entre 12 e 15 anos é o período considerado mais recorrente”, calculou Precioso.
Além das vacinas contra a dengue que estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Butantan e pela MSD, há outras candidatas. A Sanofi já possui um imunizante contra a dengue no mercado, mas ele tem suas limitações.
Ao contrário das outras, a vacina desenvolvida pelo Butantan é de dose única – enquanto as outras dependem de duas ou até três aplicações –, é tetravalente e poderá ser administrada em uma ampla faixa etária. “O trabalho que os pesquisadores do Butantan têm feito até aqui é incrível, de excelência científica”, disse Mike Nally, presidente global de vacinas da MSD.
Conteúdo originalmente produzido pela Agência Fapesp