Artrose: saiba como desemperrar de vez
Quase metade das pessoas que consultam o médico por incômodos nas juntas têm esse desgaste na articulação que causa dores e limita os movimentos. Entenda:
“Todos nós, à medida que envelhecemos, podemos sofrer de artrose. A não ser, é claro, que você seja o Benjamin Button.” Quem diz isso, em tom de brincadeira, é o cirurgião ortopédico Marcos Cortelazo, da Rede D’Or São Luiz, em São Paulo.
E faz todo o sentido! Escrito pelo americano F. Scott Fitzgerald (1896-1940), O Curioso Caso de Benjamin Button narra a história de um sujeito que nasce com 70 e poucos anos, cheio de rugas e cabelos brancos, e, a cada aniversário, fica um ano mais jovem.
“Não sou tão velho quanto pareço”, repete o personagem, vivido por Brad Pitt na adaptação para o cinema.
Artrose não é doença de velho — muito jogador de futebol e ginasta olímpico, entre outros atletas, encerraram a carreira por desgastes nos joelhos ou nos quadris —, mas, na maioria das vezes, é um processo lento e degenerativo que atinge as articulações com o avançar da idade.
Começa por volta dos 50 anos e tende a se agravar após os 65 — dessa faixa em diante, 85% da população apresenta queixas. Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a artrose, que os médicos preferem chamar de osteoartrite, afeta cerca de 12 milhões de brasileiros.
Metade deles nem sabe que tem a condição, às vezes assintomática e tantas vezes motivo de dor, inchaço e deformidade nas juntas.
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Quanto mais avançado o caso, mais comprometida fica a qualidade de vida — inclusive com restrição de movimentos e perda da autonomia.
A pandemia não deixou de emperrar as coisas por aqui. Segundo pesquisa britânica com pessoas à espera de uma cirurgia para artrose de joelho, o índice de bem-estar delas piorou dramaticamente com as mudanças impostas pelo coronavírus.
Enquanto isso, segundo uma análise brasileira de antes e depois da Covid-19, o número de artroplastias totais de joelho — procedimento em que a articulação é substituída por uma prótese — despencou mais de 60% no SUS.
“Não houve um aumento no número de pessoas com artrose no período, mas muitos pacientes, em sua maioria idosos, deixaram de ir ao médico ou de fazer fisioterapia durante o isolamento social. Aí a doença descompensou”, analisa o reumatologista Ricardo Fuller, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Comissão de Osteoartrite da SBR.
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E outros dois fatores de risco para o desgaste articular se aproveitaram da situação: o sedentarismo e o ganho de peso.
Tanto o esforço excessivo ou repetitivo como a falta de movimentação contribuem para as juntas chiarem. Embora não seja uma doença genética, a artrose ocorre mais em pessoas de uma mesma família e estorva principalmente o sexo feminino — na proporção de seis mulheres para quatro homens.
De acordo com o reumatologista Fernando Henrique de Souza, do Hospital 9 de Julho, na capital paulista, aquelas acima de 50 anos e na menopausa são as que mais sofrem. E isso tem a ver com o fim da produção de hormônios como o estrogênio.
Toda e qualquer articulação, informam os médicos, está sujeita ao desgaste com o passar dos anos. São mais de 200 espalhadas pelo corpo — dos pés à cabeça, literalmente. Elas conectam um osso a outro (por vezes, vários deles) e permitem que o esqueleto se mexa.
Qualquer movimento que você faz, do mais singelo ao mais sofisticado, recruta um sem-número de ossos, músculos, ligamentos, tendões e outras peças da articulação.
As regiões mais vulneráveis são aquelas que aguentam carga, incluindo a do próprio corpo. É o caso dos quadris, dos joelhos e da coluna.
“Nossa coluna é dividida em cervical, torácica e lombar. E a artrose pode atingir qualquer um desses segmentos”, explica o ortopedista Daniel Oliveira, especialista em coluna do Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte.
“Quando ocorre na cervical, pode haver perda de força e de sensibilidade nos braços. Já na região lombar, as dores podem irradiar para as pernas”, ilustra.
A profissão também pesa no risco e na seriedade da artrose — seja nas costas, seja em outro canto. Trabalhadores que carregam peso, manejam equipamentos vibratórios ou passam horas em posturas curvadas estão entre os mais propensos.
E, embora sempre venham à cabeça as articulações maiores, nem as das mãos nem as dos pés estão imunes — tornozelos, ombros, cotovelos e punhos, contudo, parecem sofrer em menor escala.
E tem muito problema na boca (e no corpo) do povo que, no fundo, no fundo, não passa de osteoartrite. O bico de papagaio é a deformação resultante dela na coluna cervical, enquanto o joanete é a manifestação da encrenca no dedão do pé.
A despeito do lugar acometido, os sintomas costumam ser parecidos: inchaço, rigidez, limitação de movimento, dor…
Se você sente desconforto nos joelhos depois de passar muito tempo sentado, se ouve o ranger de ossos toda vez que sobe ou desce escadas ou, ainda, se surgiram massas anormais nos dedos das mãos, atenção: pode ser artrose.
Na dúvida, procure o médico. O reumatologista é o expert em doenças osteoarticulares, como artrites, fibromialgia e osteoporose.
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Para o especialista, diagnosticar a artrose nem é um bicho de sete cabeças. Só de ouvir o relato e avaliar fisicamente o paciente é capaz de dar seu parecer.
Em alguns casos, pode pedir exames de imagem, como raios X, tomografia computadorizada e ressonância magnética, para entender quais estruturas estão comprometidas e a magnitude dos danos. Já exames de sangue são solicitados para excluir outras suspeitas ou definir o tratamento.
“Pelo quadro clínico e com um simples raio X já podemos fazer o diagnóstico. E métodos mais sofisticados como a ressonância ajudam a avaliar a resposta à terapia prescrita”, explica o reumatologista Ricardo Xavier, presidente da SBR.
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Os exercícios físicos ajudam a afastar a artrose por fortalecer a musculatura que dá suporte à articulação. Mas o ideal é que sejam feitos sob orientação profissional e sem exageros. Treinos pesados demais — e isso vale inclusive para atletas — sobrecarregam as juntas e podem acelerar o desgaste articular. “Musculatura forte é sinônimo de articulação protegida. Opte sempre por modalidades de baixo impacto e menor risco de lesão, como caminhada, pilates e natação”, orienta o fisiatra Fabrício Buzatto, da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE).
Tem saída, sim, senhor!
O plano de contenção e controle da artrose, que é uma condição crônica, é de longa duração e se baseia em dois pilares, o farmacológico e o não farmacológico.
Vai variar de acordo com a região afetada e a gravidade dos sintomas. Medicamentos de ação analgésica e anti-inflamatória podem ser receitados, assim como sessões de fisioterapia e a prática regular de exercícios supervisionados — vale caminhada, bicicleta, hidroginástica… Dependendo do grau da inflamação, horas de repouso e compressas quentes ou frias também ajudam.
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“Há várias estratégias de tratamento. Mas nenhuma delas regenera a cartilagem das articulações”, esclarece Xavier. Cartilagem é o nome do tecido ao mesmo tempo elástico e resistente que recobre a extremidade dos ossos.
Entre outras funções, serve para absorver os impactos ao caminhar, pular ou correr. Mal comparando, ela está para o osso como o amortecedor para o carro. São as cartilagens que — ui, dói só de pensar — impedem o atrito entre um osso e outro.
Acontece que esse tecido é um dos primeiros alvos da artrose. Suplementos de colágeno são utilizados para tentar minimizar o processo, mas não regeneram a cartilagem perdida.
Quando a artrose evolui, é difícil escapar do apoio dos medicamentos. O reumatologista os prescreve tanto para reduzir a dor como para combater a inflamação.
Em hipótese alguma o sujeito deve tomar por conta própria, porque esses remédios podem provocar efeitos colaterais e danos em órgãos quando mal empregados.
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“Drogas à base de cortisona, entre outras, podem ser prejudiciais à saúde se tomadas de forma descontrolada e sem orientação médica”, reforça o reumatologista Ari Halpern, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
“Idosos, em particular, devem evitar ao máximo o uso de remédios que vendem a ideia de bloquear a evolução da artrose sem nenhuma base científica”, frisa.
Se o nível da artrose piorar, outras abordagens podem ser consideradas. É o caso da infiltração, da artroscopia e da cirurgia.
A primeira consiste em injeções de corticoide ou ácido hialurônico no local cujo efeito contra as dores e a inflamação pode durar de semanas a meses.
Já a artroscopia é um procedimento minimamente invasivo para visualizar o interior da articulação e tratar as lesões, eventualmente até removendo fragmentos da cartilagem destruída.
A cirurgia, por sua vez, entra em ação para substituir, parcial ou totalmente, a articulação danificada por uma prótese de metal, polietileno e cerâmica. Recebe o nome técnico de artroplastia e normalmente é convocada em casos mais severos de artrose nos joelhos e nos quadris.
“Tenho artrose. Posso praticar exercícios?” Eis uma das perguntas mais ouvidas nos consultórios de reumatologia. Bem, praticar uma atividade física deveria constar até em receituário médico. No caso da artrose, então, nem se fala. Além de reduzir a dor causada pela inflamação, melhora a movimentação das juntas e evita pioras no quadro. O tipo de exercício, assim como sua intensidade, frequência e duração, deve ser definido junto a um profissional habilitado, respeitando os limites de cada um. E o treino deve ser realizado sob a supervisão de um fisioterapeuta ou educador físico.
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O novo e o clássico
O ortopedista Thiago Fuchs, especialista em cirurgia de quadril e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot), explica que a escolha do tratamento é balizada pelo estágio da doença.
“Na fase inicial, o tratamento é conservador, com medicamentos e fisioterapia. Em estágios mais avançados, a cirurgia para colocar uma prótese total é indicada. No caso do quadril, esse é um dos procedimentos com maior índice de satisfação dos pacientes”, conta o médico de Curitiba.
Na Rede D’Or São Luiz, a cirurgia que promove a substituição da articulação desgastada — no caso, a do joelho — por uma versão artificial novinha em folha já é feita com a ajuda de um robô.
“A cirurgia robótica propicia cortes submilimétricos e torna a intervenção ainda mais precisa”, diz Cortelazo, que opera com a tecnologia, conhecida como Robotic System Assistant (Rosa), no Hospital São Luiz Itaim, em São Paulo.
“Como resultado, a recuperação do paciente é mais rápida e seu tempo de internação, menor”, destaca o cirurgião especialista em joelho.
Mas saiba que, além de ter tratamento, também tem prevenção para a artrose. Os únicos fatores que favorecem o desgaste da articulação e não podem ser evitados são a tendência familiar e o envelhecimento — a não ser que, a exemplo do Benjamin Button, você faça aniversário de trás pra frente.
Tanto excesso de peso como inatividade física podem e devem ser objeto de mudanças. Junto ao mantra de uma vida ativa e saudável, outras recomendações merecem ser consideradas, como não carregar objetos pesados nem realizar movimentos repetitivos por muito tempo.
Valem não só para quem (ainda) não tem o problema como para quem quer prevenir a progressão do quadro.
“É importante que, dentro de suas possibilidades, as pessoas com osteoartrite se mantenham fisicamente ativas. Muitas delas tendem a permanecer em casa confinadas, o que pode gerar um círculo vicioso de dor e limitação física”, diz o reumatologista Sasha Bender, do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília.
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O recado se estende aos indivíduos que convivem com restrições ou dificuldades para se movimentar — o uso de bengalas ou andadores ajuda justamente a manter a funcionalidade e os passeios por aí.
Em uma cena do filme de David Fincher, o Benjamin Button interpretado por Brad Pitt explica a um desconhecido que nasceu velho. “Lamento”, responde o homem, constrangido. “Não precisa se lamentar”, o protagonista rebate. “Não há nada de errado com a velhice.”
Verdade, ainda mais quando não há nada emperrando nosso dia a dia.