Câncer de mama: amamentar protege contra tipo agressivo da doença
Pesquisa apresentada no congresso europeu de oncologia explica como o aleitamento materno ajuda a reduzir o risco de tumores triplo-negativos
Além de ser um ato de cuidado entre mãe e filho, a amamentação também é um fator de proteção contra o câncer de mama. Pesquisas estimam que cada ano de aleitamento materno reduz em cerca de 5% o risco de desenvolver a doença.
Agora, a ciência deu mais um passo e revelou um dos motivos pelos quais isso acontece.
De acordo com estudo realizado por pesquisadores australianos, mulheres que se tornaram mães e amamentaram seus filhos têm mais células imunológicas do tipo CD8⁺ T, que protegem o corpo contra o desenvolvimento de tumores malignos nas mamas, inclusive o triplo-negativo, que é um dos mais agressivos.
“Mulheres que tiveram filhos têm mais células T no tecido mamário comparadas a mulheres que não tiveram filhos e esses efeitos permanecem por décadas”, afirma, em coletiva de imprensa, Sherene Loi, oncologista do Peter MacCallum Cancer Centre, na Austrália, que liderou a pesquisa.
O estudo foi publicado nesta segunda-feira (20), na Nature, e apresentado no domingo no congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo)*, realizado em Berlim, na Alemanha.
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Para chegar a essa conclusão, os autores realizaram uma série de análises que incluiu sequenciamento do RNA (análise de parte do material genético) de células da mama e exames de imagem de 170 amostras saudáveis, além de experimentos com animais. Os dados coletados foram, então, validados com informações de mais de 1 mil pacientes de diferentes perfis.
Como resultado, observou-se que as mamas de mulheres que já tiveram filhos tinham mais células CD8⁺ T e também uma maior memória de defesa imunológica, já que as células encontradas persistiram por décadas após o parto.
Em testes com animais, o ciclo de gestação, a lactação e a involução (processo em que a mama volta ao seu estado original depois da fase de amamentar) aumentaram a concentração de células protetoras, que previvem o câncer de mama triplo-negativo e aumentam o número de células de defesa capazes de entrar nos tumores e combatê-los (processo chamado de infiltração linfocítica).
Em outras palavras, mesmo entre aquelas mulheres que tiveram filhos, amamentaram e, ainda assim, tiveram esse tipo de câncer de mama, foi observado o benefício de ter mais células CD8⁺ T nas mamas. Isso, segundo o estudo, se reverte em mais chances de sobrevivência quando o tumor é diagnosticado nos primeiros estágios da doença.
A descoberta de que o histórico reprodutivo da paciente molda respostas imunológicas de longo prazo nas mamas é inédita.
“Essa mudança de paradigma destaca o histórico reprodutivo, associado a reprogramação imunológica, como um potencial alvo para prevenção e para potencializar imunoterapias contra o câncer de mama triplo-negativo”, escrevem os autores no resumo do estudo.
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Imunoterapias para o triplo-negativo
O estudo pode contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção e de novos tratamentos contra o câncer de mama triplo-negativo.
O tumor recebe esse nome quando ele não possui nenhum dos três principais marcadores para o diagnóstico e combate da doença: receptores de estrogênio, receptores de progesterona e a proteína HER2.
“Não ter essas características é o que limita o uso de terapias-alvo convencionais e o que torna este um dos subtipos de câncer de mama mais agressivos e desafiadores”, explica Luciana Landeiro, oncologista da Oncoclínicas que esteve presente no congresso europeu.
Para tratar este câncer, têm sido cada vez mais comum o uso de imunoterapias, ou seja, de medicamentos que impulsionam o próprio sistema imune do paciente para atacar o câncer. “A imunoterapia mudou o jogo no triplo-negativo”, avalia a oncologista brasileira, especialista em cânceres de mama e ginecológicos.
Ainda assim, há muito a aprimorar neste campo. “Nem todas as pacientes respondem e há efeitos colaterais que exigem equipe experiente”, pondera Landeiro. “O futuro está em combinações inteligentes [de tratamento] e no uso de anticorpos conjugados a drogas (ADC), ampliando a eficácia com mais personalização.”
Para os médicos australianos, saber como a amamentação pode influenciar positivamente a imunidade das mamas pode abrir caminho otimizar as imunoterapias existentes.
“Seria interessante descobrir por que a amamentação provoca o aumento e a resistência das células CD8⁺ T, causando o efeito protetor”, comenta Benjamin Fairfax, oncologista da Universidade de Oxford e especialista em imunologia do câncer, que não participou do estudo.
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Por que amamentar?
“A amamentação é um dos gestos mais poderosos de cuidado e de promoção da saúde, tanto para a mãe quanto para o bebê”, ressalta Landeiro. Redução do risco de câncer e de diabetes, além de melhor recuperação no pós-parto, são os principais benefícios às mulheres, enquanto que, para as crianças, o aleitamento materno é essencial para a formação da imunidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendam a amamentação exclusiva a bebês de até 6 meses e, depois dessa idade, manter o aleitamento junto com a introdução de alimentos até pelo menos dois anos de idade.
O estudo apresentado na Esmo não avaliou por quanto tempo é preciso amamentar para reduzir o risco de câncer de mama. “O que vemos em bases de dados é que as mulheres amamentam, em média, por seis meses.”, explica Loi. “Amamentar um pouco é melhor do que nada, mas organizações ao redor do mundo recomendam que o aleitamento se estenda por até um ano para diminuir o risco de câncer de mama“.
Mas manter o aleitamento não é só uma questão de vontade da mulher. “Isso passa por políticas públicas que garantam licença-maternidade adequada, ambientes de trabalho que acolham a mulher lactante e profissionais de saúde capacitados para orientar e oferecer suporte desde o pré-natal“, lista Landeiro.
A oncologista brasileira destaca que o assunto é do interesse de toda a população. “Amamentar deve ser visto como uma responsabilidade compartilhada entre sociedade, família e instituições, e não como um dever solitário da mulher”, pontua. “Quando ela é apoiada de forma integral, se sente mais segura e tende a amamentar por mais tempo.”
A proposta é reforçada pela 5ª edição do Código Europeu Contra o Câncer (Ecac, na sigla em inglês) lançado também durante o congresso da ESMO. Criado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), da OMS, o documento recomenda que as mulheres amamentem pelo tempo máximo possível — e que políticas públicas sejam criadas para facilitar esse processo.
Desincentivar o uso de produtos alimentícios que substituam a amamentação sem indicação médica, aplicar políticas que garantam licença parental e deem flexibilidade no trabalho para que a mulher possam amamentar, criar espaços e redes de apoio favoráveis ao aleitamento são algumas das ações necessárias, segundo o novo código europeu.
*A jornalista viajou à Berlim a convite da Galápagos Newsmaking e da Bayer.
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