A vacinação contra o coronavírus ainda avança a passos lentos no Brasil. Mas, em meio a atrasos na distribuição dos imunizantes, é um alento saber que, em abril, chegamos a romper a marca de 1 milhão de doses aplicadas em 24 horas por aqui.
Se você é um dos brasileiros que já receberam ao menos a primeira picada — seja da Coronavac, do Butantan, seja do produto de Oxford/AstraZeneca, da Fiocruz —, é provável que tenha algumas dúvidas sobre o que fazer a partir de agora. Pois bem, a primeira orientação, e importantíssima, é garantir que você ingresse na turma dos que tomaram as duas doses da vacina. Como mostram os estudos, esse é o único jeito de assegurar a proteção esperada das injeções.
Tá certo que não está sendo fácil conseguir isso em algumas regiões do país. Em março, o Ministério da Saúde chegou a orientar que não houvesse mais reserva de doses para a segunda inoculação, na expectativa de que a produção e a oferta aumentassem e dessem conta do recado — o que não aconteceu. E muita gente passou a reclamar da dificuldade para completar o esquema vacinal.
Só que, mesmo em locais mais bem abastecidos, outro problema surgiu: o abandono da segunda dose. Estima-se que 14% dos cidadãos que tomaram a primeira picada não foram atrás da segunda no momento oportuno. Em alguns estados, como o recordista Amazonas, o número mais que dobra — chegou a bater 31%.
Sem o esquema por inteiro, o esforço de vacinação pode ir pelo ralo. “Os testes clínicos e os dados que nós temos foram obtidos a partir das duas doses”, destaca a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC). “Se você não tomar a segunda, vai ficar com uma proteção que a gente não sabe qual é nem quanto tempo dura”, justifica. Daí a recomendação do próprio ministério de sempre buscar a segunda dose, mesmo se você perdeu o prazo estipulado.
Isso vale para a sua saúde — e para a dos outros. “Como indivíduos vacinados ainda podem transmitir a doença, é importante termos uma grande quantidade de pessoas imunizadas a fim de que o vírus tenha mais dificuldade para transitar e causar problemas graves”, explica o imunologista João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) acredita que esse controle só será possível quando as nações atingirem pelo menos entre 70 e 80% da população vacinada. Enquanto isso não ocorre, o Sars-CoV-2 continua circulando… e aprontando por aí.
E, quanto mais ele circula e se multiplica, mais viável é o surgimento das versões mutantes — caso da temida “variante brasileira”, a P.1, identificada pela primeira vez em Manaus em janeiro de 2021 e considerada mais contagiosa. Essa questão tem a ver com outro temor dos cientistas: a possibilidade de a vacinação incompleta contribuir para o aparecimento de coronavírus mais resistentes. “Se a população não estiver completamente protegida, isso pode levar a uma seleção natural das cepas mais bem adaptadas”, alerta Viola. Imagine patógenos com capacidade de escapar das vacinas!
É por essas e outras que uma orientação permanece sólida: enquanto não tivermos boa parte dos brasileiros imunizados, é preciso continuar seguindo os cuidados do “novo normal”: usar sempre a máscara quando sair, caprichar na higiene das mãos e evitar aglomerações. Isso também se aplica a quem tomou a vacina, sobretudo se só recebeu a primeira dose. Ninguém é exceção!
Qual é o tempo de proteção das vacinas contra Covid-19?
Ainda não se sabe. Como as vacinas em uso são recentes e as campanhas só começaram a partir de dezembro de 2020, a duração da proteção ainda é alvo de estudos. Até aqui, é possível afirmar com segurança que o efeito se mantém por pelo menos seis meses. Os especialistas acreditam que será necessário revacinar periodicamente, como ocorre com a gripe.
Posso tomar bebida alcoólica antes ou depois da vacina?
Até pode. O receio vem de um mito que diz que o álcool afeta a produção de anticorpos. Mas não há pesquisa indicando que a eficácia de uma vacina seja comprometida pela ingestão pontual de bebida alcoólica. Mas tem que ser com moderação. Sabe-se que o excesso etílico prejudica o sistema imune — então não dá pra descartar algum reflexo do abuso na imunização.
Há risco de a vacina causar a doença em si?
Nenhum. “A Covid-19 só é provocada por vírus vivo, e nenhuma das vacinas usa vírus vivo”, resume o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Universidade de São Paulo (USP). A Coronavac é feita com o vírus inativado, processo semelhante ao de outras vacinas já consagradas, como as de gripe, hepatite A e raiva. Já a de Oxford usa um vetor viral — outro vírus, modificado, que carrega parte do material genético do Sars-CoV-2 para induzir uma resposta do organismo.
Ação e reação da vacina
Para entendermos melhor o papel da vacinação (e das outras medidas preventivas citadas), devemos ter em mente que as vacinas atuais não impedem que a pessoa pegue ou transmita o vírus causador da Covid-19. O que elas fazem — e isso é decisivo! — é ensinar o organismo a reagir diante da infecção.
Por isso, são capazes de impedir a evolução para um quadro severo da doença. “Uma vacina como a do sarampo, por exemplo, esteriliza a pessoa contra o vírus, que circula no sangue, e dá uma imunidade mais eficiente, mais duradoura. O coronavírus se replica na superfície de órgãos como o pulmão, o rim e o intestino. Assim, a imunidade é mais curta, e a vacina não evita o contágio, mas impede que a infecção avance e se torne mais grave”, contextualiza Brandão.
Só que a criação desse escudo antiviral depende das tais duas doses — pelo menos com as vacinas disponíveis no Brasil. “É como se a primeira dose dissesse para o sistema imunológico: ‘Eu quero que você aprenda a fazer anticorpos contra o vírus’. E a segunda, que vem um tempo depois, chegasse para ampliar a população desses anticorpos”, resume o virologista da USP.
O intervalo entre uma e outra depende do produto. No caso da Coronavac, são quatro semanas. Na versão concebida por Oxford/AstraZeneca e fabricada pela Fiocruz, são três meses. Lá fora já está em uso um imunizante de dose única, o da Janssen, ainda não oferecido por aqui.
Outro ponto a considerar é que o efeito das vacinas não é imediato. Temos de esperar um tempo até que a resposta delas se transforme em proteção efetivamente — leva em torno de duas semanas até que o organismo se arme a partir dos estímulos gerados. E, claro, receber o imunizante não é sinônimo de nunca poder adoecer.
É aí que entram aqueles números de eficácia e eficiência que tanto bombaram na mídia. A “eficácia” diz respeito à ação da vacina mensurada por estudos controlados com milhares de voluntários, geralmente antes da aprovação para uso massivo. No caso do imunizante da AstraZeneca, a fabricante anunciou uma capacidade de proteção de 76% em relação aos não vacinados.
A “eficiência”, por sua vez, é o número que importa mais depois que um programa de imunização começa pra valer: ela sintetiza o efeito da vacina no mundo real, em milhões de pessoas e sem o ambiente controlado das pesquisas. Como a vacina da AstraZeneca exige um intervalo maior entre as doses, esse número ainda está sendo calculado.
Mas já há dados desse tipo para a Coronavac: no Chile, um dos países que avançaram mais rapidamente na vacinação e onde nove em cada dez doses aplicadas são desse imunizante, o produto foi capaz de prevenir os casos leves em 67%, as hospitalizações em 85% e as mortes em 80% após o esquema completo — isso quando comparado à população que não foi vacinada.
Ganha você, ganha o vizinho
Você deve ter percebido que nenhum número chega a 100%, né? Pois é, existem brechas que podem estar relacionadas a uma resposta inefetiva do corpo da pessoa à vacina. Mas isso não é um fenômeno novo! Qualquer imunizante está sujeito.
E ainda que, felizmente, essas falhas sejam incomuns, reforçam a necessidade de uma vacinação massiva, capaz de resultar na tão sonhada imunidade de rebanho — cenário que permite a uma fração da população ficar mais protegida graças à maior resistência de quem está ao redor e à diminuição da circulação do agente infeccioso. “As vacinas são uma estratégia coletiva. Quanto mais gente se vacinar, menor o risco para todos”, sentencia Natalia.
Então não caia no argumento falacioso que usa eventuais falhas ou mesmo as raras reações adversas para contraindicar a vacina. Afinal, o risco de sofrer e morrer ao se expor ao vírus é muuuito maior se você não tomar suas doses.
Já que tocamos nos efeitos colaterais, saiba que, sim, é possível desenvolver uma febre baixa e dor no local da picada após a vacinação — só que isso costuma passar em um ou dois dias. “A maioria das pessoas não relata sintoma algum e, quando sente algo, normalmente parece um resfriado”, afirma Viola.
Essa é uma reação natural do corpo, que está se mobilizando para aprender a se defender contra o patógeno. Se os sintomas duram mais tempo, não raro é uma infecção adquirida antes da imunização — e, aí, vale procurar o médico. Cabe frisar: as vacinas, ao empregar vírus “morto” ou material genético, não provocam Covid-19.
Mais recentemente, teve gente que ficou com o pé atrás em relação à vacina e até querendo fugir da segunda dose após ver as manchetes pelo mundo relacionando o produto da AstraZeneca com casos de trombose cerebral.
Vejamos: os estudos feitos até aqui apontam uma incidência de cinco casos do problema a cada milhão de vacinados. Sim, seria uma reação bem rara. E saiba que o risco de trombose é oito vezes maior em quem tem Covid-19: o fenômeno ocorre em 39 pessoas a cada milhão de infectados.
Mais um comparativo para contextualizar: entre mulheres que fazem uso de alguns anticoncepcionais, ocorrem até 3 mil casos de trombose por milhão. “Em qualquer estratégia para a saúde, precisamos balancear o benefício e o risco. Pegar Covid-19 oferece um risco muito maior do que tomar vacina”, elucida a presidente do IQC.
Devo me vacinar mesmo se já peguei Covid-19 no passado?
Com certeza! A infecção natural não garante uma resposta tão eficiente como a da vacina. “Na vacina, sabemos exatamente quantas partículas virais existem para dar a resposta desejada. Na infecção natural, isso pode variar, e a resposta ser mais fraca”, explica a microbiologista Natalia Pasternak. Quanto tempo esperar pra tomar se você pegou? Médicos pedem quatro semanas após o início dos sintomas.
Preciso fazer teste sorológico para saber se a vacina “pegou”?
Não. O teste, sozinho, não é capaz de informar o efeito da vacina. O nível de anticorpos é só um dos dados a levar em conta, e mesmo ele pode passar uma noção equivocada, já que não se sabe o número exato para assegurar proteção. Além disso, os exames podem levar a interpretações erradas por identificarem anticorpos contra uma proteína diferente daquela que o imunizante busca atingir.
Mais para a frente, vou poder tomar a vacina de outro fabricante?
Sim. Novas vacinas virão, seja para aprimorar a tecnologia e ampliar a eficácia, seja para combater novas variantes virais. Hoje, deve-se evitar tomar uma dose de um fabricante e outra de um diferente, mas não porque isso represente riscos. É que ainda não há estudos garantindo que a mescla ofereça a proteção necessária.
O futuro pós-vacina
Na última semana de abril, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos decidiu que pessoas plenamente vacinadas poderiam voltar a fazer atividades ao ar livre sem máscara. Um mês antes, já havia dado a autorização para que os imunizados pudessem se encontrar uns com os outros, sem máscara ou distanciamento.
A recomendação de cuidados, porém, permanece para lugares fechados nos quais há grande circulação de desconhecidos e é impossível saber quem foi vacinado. Até quando? Essa é a questão para a qual a ciência ainda busca respostas.
Apesar de bons exemplos no ritmo de vacinação, como Israel e os próprios EUA, nenhum grande país ainda atingiu a porcentagem de vacinados preconizada pela OMS. Hoje, a taxa real de imunização que impediria a transmissão da Covid-19 ainda é uma dúvida.
O Chile, por exemplo, viveu um paradoxo entre fevereiro e março, sendo um dos países que mais vacinavam proporcionalmente no mundo enquanto enfrentava, em simultâneo, seus piores dias na pandemia. A eficácia das vacinas até poderia ter a ver com isso: a Coronavac, mais utilizada por chilenos (e brasileiros), embora ajude a diminuir o problema, oferece menos proteção do que imunizantes como o da Pfizer, majoritários nos EUA e em Israel.
Mas, pelo menos no episódio chileno, outros fatores parecem entrar em jogo: mesmo com uma vacinação ágil, menos da metade da população recebeu ao menos uma dose. E, em paralelo, algumas pessoas relaxaram, achando que a picada representava o fim dos outros cuidados.
É aí que reside um ponto-chave para nossa segurança coletiva: até quem fez o esquema vacinal completo não pode baixar a guarda e deixar de fazer sua parte. “Uma boa vacina é igual a um goleiro. Ela defende bem, mas no ritmo que consegue trabalhar. Se ninguém usa máscara, se todo mundo aglomera e não segue medidas de segurança, é como se a defesa deixasse muita bola chegar ao goleiro. Com muito vírus circulando, uma hora a bola vai passar”, compara Natalia.
Só dá para imaginar uma redução nesses cuidados quando a maioria da população estiver realmente vacinada. É um cenário distante no Brasil: até o fim de abril, cerca de 7,5% dos brasileiros tomaram as duas doses.
No médio ou longo prazo, os especialistas também acreditam que será preciso revacinar todo mundo, embora ainda não se saiba com que frequência isso terá de ser feito. O que ninguém duvida é que o coronavírus veio para ficar. “A Covid-19 vai ter que entrar num calendário de vacinação pelos próximos anos, até que se consiga estabelecer uma relação mais amigável com o vírus”, avalia Brandão.
Por isso, é preciso começar a se organizar e lidar também com a interação com outras vacinas: no caso da imunização anual contra a gripe, por exemplo, a recomendação é esperar duas semanas após tomar alguma dose da vacina contra a Covid-19 — se você recebeu a da AstraZeneca, com tempo maior entre a primeira e a segunda picada, não há problema de receber a da gripe no intervalo.
Ainda estamos na primeira geração das vacinas contra o Sars-CoV-2. Tudo leva a crer que as fórmulas serão atualizadas e aperfeiçoadas — e ganhem até outras formas de administração. “Há propostas de vacinas por via oral ou nasal, algo que pode ser vantajoso se pensarmos num vírus que vem principalmente pelas vias aéreas superiores”, conta Viola.
Até lá, o controle da pandemia depende não só dos cientistas, mas de todos nós: vá em busca da vacina quando chegar a sua vez, tome as duas doses e continue respeitando as outras medidas de proteção. Só assim o vírus deixará de ser a ameaça que ainda é.