Entre os 600 mil novos casos de câncer esperados para 2018 no Brasil, estão reunidas centenas – ou até milhares – de doenças distintas. E não estamos falando apenas do local de origem do tumor. “Cada vez mais nós identificamos particularidades na biologia e no comportamento de cânceres que surgem em uma mesma região do corpo”, ressalta o oncologista Sergio Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “Ou seja, o câncer de mama de uma mulher é diferente do câncer de mama de outra”, arremata.
O desafio atual é garantir acesso à população a tratamentos efetivos para cada situação, sem perder de vista a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro. Está aí um dos pontos centrais do 8º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia, realizado pelo Instituto Oncoguia entre os dias 26 e 27 de abril, na cidade de São Paulo.
E, se há uma boa notícia para contar, é a de que o câncer de mama passou por melhorias consideráveis no atendimento. “Em comparação com 20 ou 30 anos atrás, ele se tornou uma doença controlável na maioria dos casos. Mesmo os tumores avançados agora possuem tratamentos que amenizam as complicações, aumentam a expectativa de vida e oferecem mais qualidade de vida”, diz Simon.
O médico inclusive revelou que recentemente comemorou “bodas de prata” com uma paciente que tem um câncer metastático (ou seja, espalhado pelo corpo). São 25 anos de convívio controlado com o problema. Pouco tempo atrás, isso seria raríssimo.
As pesquisas internacionais também apontam para essa mudança de panorama. Veja o estudo Concord-3, que juntou dados de 37 513 025 pessoas com câncer de 71 países, e foi publicada no respeitado periódico The Lancet. Segundo o levantamento, entre 2000 e 2004, 68,7% das brasileiras diagnosticadas com um tumor de mama viviam cinco anos ou mais. Já entre 2010 e 2014, o número subiu para 75,2%.
O que está por trás disso? Não é fácil responder a pergunta, mas a pressão da sociedade por um melhor atendimento certamente tem sua influência. Basta pensar que uma das campanhas de conscientização mais conhecidas na área da saúde é o Outubro Rosa, que foca na prevenção, no diagnóstico e no combate ao câncer de mama.
Fora isso, é primordial lembrar dos mutirões de mamografia e da incorporação de tratamentos modernos no Sistema Único de Saúde (SUS). Sim, ao contrário de alguns outros tipos de câncer – em que os remédios mais novos estão limitados a partes do setor privado –, a paciente com tumor de mama tem hoje à disposição fármacos modernos na rede pública.
Mas lembra que falamos que um câncer de mama pode ser muito diferente do outro? Pois há medicamentos disponíveis no SUS que atuam em alterações genéticas responsáveis por essas mudanças. A chamada terapia-alvo mira essas particularidades, alcançando resultados animadores – e com menos efeitos colaterais do que a quimioterapia, por exemplo.
Por isso é tão importante conhecer as características de cada câncer. E o caso da brasileira Maria Paula Bandeira ilustra bem isso.
“Quanto mais a gente fala do câncer, menor ele fica”
Aos 31 anos, a pernambucana Maria Paula Bandeira defende que conhecimento e informação são grandes armas contra essa doença. Faz sentido.
Em 2011, ela foi diagnosticada com um câncer de mama em fase inicial. Após uma cirurgia, o problema sumiu dos radares. Ainda assim, Maria Paula passou por sessões de radioterapia e quimioterapia, além de tomar por anos remédios que bloqueiam a ação de certos hormônios que instigam o câncer (é a tal hormonioterapia, indicado para o seu tipo de câncer, na época).
“Do ponto de vista de individualização, por exemplo, devemos saber se o subtipo do câncer de mama é sensível a esses hormônios. Do contrário, de pouco adianta oferecer a hormonioterapia”, explica Simon.
Com essas medidas, para o tipo do tumor de Maria Paula, cabe ressaltar, os médicos falavam em 95% de chance de cura. Eis que, em janeiro de 2016, um exame acusou um nódulo no ovário dela. Ao investigar a fundo a situação, os especialistas encontraram outros focos no fígado e nos ossos.
O câncer havia retornado silenciosamente, com outro tipo, e se alastrado pelo organismo sem manifestar sintomas claros. A partir daí, Maria Paula era uma mulher com tumor de mama metastático.
“Ninguém me falou o que acontecia se eu caísse na turma das 5% de pacientes com câncer de mama inicial que não se curam”, aponta. De acordo com ela, várias pessoas “a velavam viva” – o que, como descobriu, estava longe de ser condizente com seu estado de saúde.
Agora, Maria Paula possui um câncer do tipo HER2+ – a doença mudou. Estranhou? Basta entender que seu tumor é cheio de proteínas que aceleram a progressão da enfermidade. São as tais HER2.
Se por um lado a presença dessas características sugere que a doença pode avançar mais rapidamente caso nada seja feito, por outro abre as portas para a utilização de alguns medicamentos pertencentes à classe da terapia-alvo.
Junto com outras sessões de químio, Maria Paula recorreu a essa estratégia. E pouco menos de um mês atrás ouviu dos médicos que o câncer tinha sumido novamente – o que não deve ser confundido com cura, porque resquícios impossíveis de serem rastreados podem eventualmente ganhar força de novo.
“O tratamento agora é para sempre. Mas eu consigo viver, trabalhar, viajar com meu marido, sair com os amigos”, destaca Maria Paula. Aos poucos, ela aprendeu o que realmente significa ter câncer de mama metastático.
“Eu fiquei desesperada quando meu câncer voltou, porque não sabia como agir dali em diante. Só que fui entendendo que ele era apenas um aspecto da minha vida, e não um protagonista”, afirma.
Dona do perfil “Lenço do Dia” no Instagram, que soma mais de 19 mil seguidores, Maria Paula dissemina informações para evitar que outras mulheres passem pelo choque que ela teve no início de 2016. E, acima de tudo, para que conheçam seu quadro de saúde direito e cobrem por um atendimento personalizado, dentro do possível. “Quanto mais a gente fala do câncer, menor ele fica”, conclui.
Veja a seguir um vídeo sobre os avanços e os desafios para garantir acesso a um tratamento adequado contra o câncer: