Falar sobre sexo ainda é tabu para boa parte das famílias brasileiras, uma situação que tenta-se evitar. No entanto, especialistas garantem que esta é uma conversa imprescindível para ter com crianças e adolescentes.
“Às vezes, os pais têm uma ideia errada de que, se discutirem sexo ou outras questões mais delicadas, estarão estimulando as crianças a comportamentos inadequados”, afirma Luciana Rodrigues Silva, membro da diretoria científica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Na verdade, o que ocorre é o contrário. “Conversar abertamente faz com que elas se sintam mais protegidas”, assegura a pediatra baiana.
Professora titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Silva é responsável pela tradução para o português do livro Corpo, amor e sexualidade: 120 perguntas que crianças e adolescentes fazem os pais (Editora Manole), escrito pela educadora francesa Charline Vermont.
A obra traz orientações e informações seguras e adaptadas para diversas idades. À VEJA SAÚDE, Luciana fala sobre como a literatura pode ajudar nessa missão e a importância da educação sexual para a segurança dos pequenos.
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VEJA SAÚDE: O que te motivou a traduzir o livro?
Luciana Rodrigues Silva: Foi uma honra poder traduzir este livro para o português, porque não dispúnhamos de nada semelhante no Brasil.
De uma maneira simples, ele aborda como os pais devem se posicionar diante de dúvidas infantis muito naturais a respeito do corpo, das emoções e da sexualidade.
A obra organiza essas perguntas a partir da idade das crianças e orienta como os responsáveis devem respondê-las: com amor, tranquilidade e de forma que satisfaça a curiosidade dos pequenos.
Qual é a melhor forma de conversar com as crianças sobre o assunto?
O que a gente vê em todas as gerações é que as crianças e os adolescentes geralmente descobrem essas coisas na escola ou na internet. E, muitas vezes, as informações que encontram são inadequadas.
Por isso, é muito importante que elas encontrem o conhecimento adequado com os próprios pais.
Isso aproxima a família e faz os filhos desenvolverem uma confiança maior para falar sobre o que lhes der vontade. É muito melhor na construção da autoestima das crianças, porque elas tendem a sentir mais fortes, mais protegidas.
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Além disso, esse diálogo as ajuda a identificar um assédio e defender seu próprio corpo. Às vezes, os pais têm uma ideia errada de que, se conversarem sobre sexo ou sobre algumas questões mais delicadas, estarão estimulando as crianças a comportamentos inadequados.
Pelo contrário, conversar abertamente faz com que elas se sintam mais protegidas e mais seguras, e possam se proteger de doenças sexualmente transmissíveis e da violência sexual quando crescerem.
E quando os pais não têm essas informações?
Quando os pais não souberem o que responder, é melhor dizer claramente: “vou me informar e depois a gente volta a conversar sobre isso”.
Então, à medida que as crianças quiserem retornar ao assunto e crescerem mais um pouco, eles podem se preparar para dar as informações mais adequadas.
O que deve ser dito em cada faixa etária?
Não há uma idade certa para falar sobre isso ou aquilo — mas você deve estar aberto para responder quando a criança perguntar.
Dos 5 aos 12 anos, algumas perguntas surgirão espontaneamente, e é muito importante que os pais não as tratem de forma preconceituosa ou irônica, que não deem risada, mas sim ouçam e acolham o que a criança está trazendo.
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É importante falar sobre consentimento, explicar para a criança que ninguém deve mexer em seu corpo sem a permissão dela, que as emoções e sentimentos que ela vai sentir conforme for crescendo são naturais, que um dia ela vai se atrair por uma pessoa, vai se sentir mais confortável com uma pessoa do que com outra.
São questões que podem ir aparecendo com a puberdade, por exemplo.
Os pais devem começar essa conversa ou as crianças que geralmente iniciam?
As crianças pequenas geralmente vão começar a perguntar: “De onde é que vem os bebês? Como é que os bebês nascem?” Essas perguntas vão sendo feitas conforme situações vão acontecendo ao redor delas na família, na escola.
Cada criança é diferente da outra e, por isso, não tem uma receita de bolo que diga quando e como responder. Mas há orientações sobre o que é mais comum em cada idade. De regra, é importante deixar a criança e o adolescente à vontade para se aproximar.
Assim eles se sentirão seguros. Isso é importante, porque, caso elas se sintam tolhidas, ironizadas ou tratadas com pouco caso, vão procurar respostas em outros lugares.
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Quais são as principais dúvidas e preocupações dos pais sobre o tema?
A maioria dos adultos não teve abertura com os próprios pais para conversar sobre isso, que é um assunto importantíssimo da vida de qualquer ser humano. Então, há uma dificuldade de, primeiro, reconhecer que é um tema a ser conversado em família.
É necessário também que o diálogo ocorra de forma tranquila e que desinformações não sejam passadas à frente para as novas gerações. Sobretudo na era atual, em que a tecnologia facilita o acesso a informações adequadas e falsas na mesma medida — e muitas vezes é difícil distingui-las.
Uma criança ou um adolescente que recebe essa informação segura em casa vai lidar com essas questões de maneira mais assertiva e tranquila no futuro.