Muita gente não pratica exercícios porque, em um primeiro momento, eles geram estresse e desconforto ao organismo. É fato: se fosse algo prazeroso logo de cara, todo mundo seria ativo.
Mas a realidade não é bem essa: correr, levantar peso ou praticar um esporte coletivo coloca o corpo numa situação de esforço muito além da condição de repouso. E, se ele não estiver acostumado, a conta vem no dia seguinte: dores, fadiga muscular e um eventual balde de água fria no sonho de vencer o sedentarismo.
A culpa não é exatamente nossa: biologicamente, os animais não foram feitos para gastar energia à toa. Tirando fazer sexo, procurar comida e escapar de predadores, a tendência é descansar e relaxar, guardando todas as reservas para quando uma necessidade surgir, o que já era suficiente para manter o organismo saudável.
Acontece que a inteligência humana tornou as atividades essenciais, antes laboriosas, tranquilas e até monótonas: comidas chegam em casa com um clique no aplicativo, o trabalho em frente ao computador (ainda mais com a pandemia) nunca foi tão parado e até no sexo existem jeitinhos de ter prazer com menos esforço — que o digam as modalidades virtuais.
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Daí que há uma conjuntura bem propícia ao sedentarismo. De acordo com uma pesquisa de 2019 com dados de 60 mil brasileiros, 69% da população não realizava nenhum exercício físico em seu tempo livre.
“Isso acontece por diversos fatores, como longa carga de trabalho, ausência de espaço e de recursos financeiros e até por falta de conhecimento sobre a importância dessa prática”, explica a epidemiologista Margareth Guimarães Lima, pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora do estudo.
Ocorre que o corpo humano foi desenhado para se movimentar. “A gente precisa estimulá-lo, porque ele evoluiu para isso. Ficar o dia inteiro sentado é muito prejudicial à saúde. Causa atrofia muscular, doenças cardiovasculares, problemas metabólicos e vários outros”, afirma a profissional de educação física Cláudia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
É por isso que suar a camiseta ou o top aparece em qualquer diretriz de saúde como algo indispensável para evitar doenças, resguardar nosso aparato emocional e até firmar relacionamentos sociais.
Sem falar que, quando praticadas com regularidade, as atividades físicas induzem a liberação de hormônios por trás daquela sensação de prazer e bem-estar. Tem tudo a ver com costume: o corpo se adapta ao esforço, entende que aquilo virou rotina e se desenvolve até você não sentir mais incômodos — e pode até querer se superar.
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Já que se mexer é preciso, por que não partir para um exercício fácil, barato, seguro e que pode ser realizado em quase qualquer lugar? Sim, falamos da caminhada, a modalidade mais popular entre os brasileiros (inclusive na pandemia) e frequentemente aquela com os benefícios mais subestimados.
“Caminhar é um movimento natural, que a gente, enquanto espécie, faz para sobreviver. E, exatamente por ser tão simples, as pessoas acabam achando que não traz vantagens. Só que é o contrário: estamos estimulando algo que nascemos para fazer e tem uma grande importância para o organismo desde sempre”, defende Cláudia, que coordena há 21 anos o projeto Exercício e Coração para conscientizar e orientar pessoas a darem suas passadas.
Termine de ler e vá caminhar
Você pode até pensar que é exagero, mas apostar em uma atividade aparentemente tão trivial no dia a dia é capaz de transformar o corpo e a mente. E aqui convém compartilhar uma recomendação dos experts.
Embora todo movimento na rotina seja bem-vindo — levantar da cadeira para pegar um copo de água ou ir a pé até o trabalho, por exemplo —, devemos ocupar um espaço da agenda com um exercício programado, como uma hora de caminhada pela manhã. Tudo isso ajuda a compor um número mínimo de passos diários que influencia a nossa saúde.
Um novo estudo da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, concluiu que andar pelo menos 7 mil passos por dia reduziu de 50 a 70% a mortalidade por qualquer causa entre os mais de 2 mil americanos de 38 a 50 anos avaliados. Ou seja, somar cerca de 5 km caminhados faz bastante diferença no estado do organismo.
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O relatório Walking for Health, emitido pela Escola Médica de Harvard, nos EUA, corrobora o ponto de vista de que caminhar pode fazer mais para prevenir e combater doenças do que outras atividades. Nele, os especialistas destacam os grandes feitos do hábito em prol do coração: andar pelo menos duas horas e meia por semana — apenas 21 minutinhos por dia — ajuda a reduzir o risco de problemas cardíacos em 30%.
“Existe uma redução crônica da pressão arterial após a prática constante da caminhada. E a dilatação das artérias impacta o ritmo cardíaco, fazendo com que o coração trabalhe com menos esforço para ejetar a mesma quantidade de sangue ao corpo”, explica Aluísio Andrade Lima, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O educador físico pesquisou o potencial de um treinamento de caminhada para pessoas com problemas circulatórios — como doença arterial periférica e claudicação intermitente, que afetam os membros inferiores — e constatou que o exercício atenua processos orgânicos prejudiciais envolvidos nessas condições.
Quem também agradece pelas passadas diárias por aí são os pulmões. “A caminhada é extremamente positiva, pois eles ficam mais resistentes e conseguem tirar o oxigênio do ar com mais facilidade.
Uma forma fácil de notar isso é quando a pessoa vai ficando menos ofegante à medida que vai praticando”, observa o médico do esporte Páblius Staduto Braga, diretor do Laboratório de Ergoespirometria e Calorimetria Indireta do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. O que a gente ganha com isso? Fôlego e um melhor fluxo respiratório.
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Além disso, andar e andar pode até desencadear um efeito analgésico, tornando-se um recurso coadjuvante no controle de dores crônicas.
“Hormônios produzidos durante a atividade física promovem uma inibição da dor, deixando, com o tempo, o organismo mais tolerante, sem falar na sensação de bem-estar advinda de outros hormônios resultantes da prática de exercícios”, explica o educador físico Vitor Tessutti, mestre em ciências da reabilitação pela USP e pesquisador nas áreas de corrida e caminhada.
Aliás, engana-se quem pensa que só correndo a gente consegue legítimos benefícios à saúde. De acordo com um relatório da Associação Americana do Coração, que estudou corredores e caminhantes por seis anos, andar é tão efetivo quanto correr para a prevenção e o controle de colesterol alto e diabetes.
“O exercício não só ajuda diretamente nesse controle como contribui para uma melhor ação dos medicamentos usados para esses problemas de saúde”, afirma Braga. “Por isso, ele tem de fazer parte do tratamento”, ressalta o médico.
O cérebro, claro, não fica de fora dessa história. Ora, talvez você já tenha experimentado outro poder da caminhada: o de clarear as ideias. Não é à toa que pessoas saem para dar uma volta quando estão confusas e querem pensar melhor em soluções. Isso realmente ajuda!
Filósofos como Immanuel Kant e escritores como Virginia Woolf eram adeptos de caminhadas regulares para compor suas obras ou mesmo espairecer de seu universo. A ciência atual assina embaixo: caminhar interfere no raciocínio, na memória e até na criatividade.
Numa pesquisa da Universidade Stanford, nos EUA, 176 estudantes foram colocados para fazer testes de pensamento criativo enquanto sentavam, caminhavam em uma esteira ou pelo campus. No geral, todos apresentaram maior capacidade de resolução e inovação enquanto andavam.
“Caminhar estimula o livre fluxo de ideias, e é uma solução simples e robusta para objetivos como aumentar a criatividade e a atividade física”, escreveram os autores na conclusão do artigo.
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Todas essas vantagens já seriam suficientes para fazer você sair caminhando, mas a pergunta que não quer calar, e que você, leitor, pode estar se fazendo agora é: isso realmente ajuda a emagrecer? E a resposta é “sim”. Para começar, tem de cair por terra a noção de que a caminhada é um exercício de baixa intensidade para todo mundo, porque isso depende de quem e de como se está praticando.
“Para um indivíduo sedentário, a caminhada pode ser um exercício bastante intenso, gerando um importante gasto calórico e estimulando a melhoria da capacidade física”, exemplifica o profissional de educação física e Ph.D. em nutrição Antonio Lancha Jr., professor da USP. Mas, para que os efeitos apareçam, é preciso ter compromisso com ela.
Não é andando da mesma forma que se passeia no shopping que você vai emagrecer ou dar um gás à sua saúde. Para a caminhada surtir efeito, devemos sair da zona de conforto, estabelecendo um ritmo que vá além do costume e praticando com constância por pelo menos 150 minutos semanais.
Tessutti, que realizou pesquisas com caminhantes de parques de São Paulo, notou uma falta de intensidade adequada ao exercício na maioria dos praticantes — e, não raro, é isso que leva a uma frustração pela ausência de “resultados”.
“Setenta por cento das pessoas não faziam nenhum controle de intensidade, não observavam se ficavam ofegantes caminhando, se sentiam fadiga e qual era a frequência cardíaca atingida. É um comportamento que contribui para uma prática cômoda e sem ganhos para o condicionamento físico”, analisa o pesquisador.
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É por essas e outras que vale a pena prestar atenção ao ritmo e à progressão das passadas. A depender da extensão e da intensidade, elas podem configurar até uma atividade de impacto.
“Quem caminha a 6 ou 7 km/h está exposto a um grau de impacto considerável. A passada fica mais ampla, o pé fica bem à frente do quadril e, com o joelho estendido, todo o peso tende a recair sobre o quadril e pode refletir até na coluna”, descreve Tessutti.
“Dependendo das condições da pessoa, uma atividade com essas características pode não ser tão segura. Por isso recomendamos um check-up antes de intensificar o exercício.”
Outra informação preciosa é que o ideal é combinar as passadas com um treinamento de força — naquela linha clássica de intercalar sessões aeróbicas com as de resistência.
“É comum ver lesões de quadril e joelho pela prática da caminhada sem o fortalecimento dos músculos. Se a intensidade da atividade está alta e a massa muscular não está pronta para aquilo, vão aparecer problemas”, alerta Braga. Não precisa ser uma malhação pesada, mas um programa que contemple ganho ou manutenção dos músculos (e não só os das pernas).
Esse adendo se torna ainda mais valioso quando pensamos no envelhecimento: com a idade, a massa muscular tende a encolher naturalmente.
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Pedras no caminho
Dois problemas básicos impedem que a caminhada seja ainda mais acessível e popular do que já é em nosso país, a falta de infraestrutura e a de informação a respeito.
Comecemos pela primeira: ainda que andar seja o meio de transporte mais usado pelo brasileiro — mesmo que muitas vezes sejam caminhadas curtas, de casa até o ponto de ônibus, por exemplo —, as cidades costumam ser pensadas mais para os carros do que para os pedestres.
Nesse sentido, às vezes as passadas viram um esporte terrivelmente radical: mais de 6 mil pedestres morreram devido a acidentes de trânsito em 2019, segundo o Ministério da Saúde.
“O pedestre é um ator invisível nas cidades. As Secretarias de Transporte não enxergam os pés como um meio de deslocamento, e isso resulta em calçadas estreitas e esburacadas, muitas escadarias, travessias perigosas, falta de sinalização e iluminação ou mesmo o mínimo de espaço para atravessar sem ser pelo meio dos carros”, avalia Mauro Caliari, doutor em urbanismo e membro da ONG de mobilidade Cidadeapé.
“Sem falar na poluição sonora e atmosférica, a pouca quantidade de bancos ou sombras nas ruas… Tudo isso atrapalha o caminhar, até porque ele não é só deslocamento, é também fruição, uma forma de experimentar e viver a cidade”, opina o ativista.
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A democratização da informação é outro desafio para a adesão à atividade física. “A prática de caminhada tem uma prevalência 87% maior entre os mais ricos na comparação com os mais pobres”, relata Margareth, citando dados do estudo da Unicamp.
“Não precisa ser assim. Afinal, a caminhada é gratuita e pode ser feita por todos. Mas, além da falta de tempo, muitas pessoas não estão cientes do seu valor”, completa a pesquisadora.
Para ela, precisamos ampliar as ações de promoção à saúde que incluam a caminhada, seja em postos de saúde e consultórios médicos, seja em escolas e programas na mídia, além de tornar a estrutura urbana mais propícia e segura à prática.
Cuidar do corpo, pensar melhor, deslocar-se, aproveitar a cidade: você pode conseguir tudo isso apenas dispondo um pé na frente do outro. No fim, vale a pena encarar as pedras no meio do caminho e colocar as pernas à obra.
…
Como iniciar e manter caminhadas regulares?
O que é preciso considerar antes de inserir de vez a caminhada no seu dia a dia
Faça um check-up
A avaliação médica é essencial se você está saindo do sedentarismo. Ajuda a apurar o fôlego, a pressão, a frequência cardíaca e possíveis problemas.
Adquira as roupas certas
Nada de pegar qualquer peça velha. É importante usar tecidos leves, meias confortáveis e tênis adequados, com um bom amortecimento das passadas.
Aqueça suas articulações
Antes de caminhar, é recomendável mover as articulações de quadril, joelho e tornozelo, minimizando o impacto e o desgaste do exercício.
Estabeleça um ritmo
Encontre uma velocidade que você consiga conservar, lembrando que não é passeio. A meta é suar e estimular coração, pulmões e músculos para obter benefícios.
Determine um horário
Para você manter a prática na rotina, é precisa torná-la um hábito e estabelecer um horário fixo para o exercício, como um compromisso mesmo.
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Passada ideal
Para ter benefícios sem se machucar, é importante caminhar com a postura correta
- Cabeça: reta, sempre olhando para a frente
- Respiração: mantenha um ritmo usando nariz e boca, se necessário
- Ombros e pescoço: relaxados ou para trás
- Braços: seguindo o balanço do corpo
- Abdômen: contraído
- Quadril: encaixado com as costas retas
- Joelhos e pés: alinhados
- Calcanhar: inicie a passada pisando primeiro com ele
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Apoio high-tech
Que tal investir em acessórios que tornam sua caminhada mais eficiente e livre de riscos?
Smartwatch
O clássico funcional: com um relógio inteligente, você pode conferir frequência cardíaca, distância percorrida, ritmo, número de passos…
Fone sem fio
Música é uma boa, mas nada de fios que atrapalhem. Fones por condução óssea são bons por permitirem atenção ao ambiente mesmo ouvindo um som.
Braçadeira esportiva
É a forma mais segura de carregar o celular durante o exercício. E, se você usa algum app que ajuda na prática, manter o aparelho perto do corpo é o ideal.
Oxímetro digital
Através do dedo, fornece rapidamente o nível de oxigênio no sangue e a frequência cardíaca. Alguns mais modernos também aferem a pressão arterial.
Palmilha inteligente
A empresa Nurvv lançou uma palmilha que analisa a caminhada (cadência, rotação e comprimento dos passos) e passa treinos e dicas contra lesões.
Presilhas com LED
Se você curte caminhar ao ar livre à noite, presilhas com LED resistentes a água, que são acopladas aos tênis, iluminam as vias e deixam a rota segura.