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Educação positiva prega respeito, mas não é sinônimo de permissividade

Essa abordagem educacional, que preza pela autonomia e validação, virou meme, mas tem fundamento teórico e dá bons frutos na criação dos filhos

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 10 jul 2024, 16h17 - Publicado em 10 jul 2024, 15h22
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  • Recentemente, a educação positiva virou meme na internet: diversos criadores de conteúdo gravaram vídeos pedindo para pessoas próximas fazerem escolhas entre duas opções (você pode ver exemplos aqui), afirmando na legenda que estavam “aplicando a educação positiva”.

    A teoria acabou sendo inclusive confundida com uma permissividade excessiva e com a possibilidade de “disfarçar” regras na vida da criança. Mas, na realidade, a estratégia envolve o respeito, a comunicação não violenta e princípios que pregam empatia, respeito, exemplo, inteligência emocional e promoção da autonomia, mas sem deixar de estabelecer limites.

    Não apenas punições, gritos e castigos são abolidos, mas também a noção de hierarquia ou de que os filhos são obrigados a obedecer os pais. Essa nova abordagem se baseia em um ambiente harmônico em que há comunicação aberta e um respeito mútuo entre as partes, cada uma com seu papel.

    Na verdade, a educação positiva faz parte de um conceito mais amplo, o da educação respeitosa, termo guarda-chuva que envolve várias vertentes como parentalidade positiva (termo adotado pela Unicef), disciplina positiva e educação positiva. E existe bastante embasamento teórico por trás.

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    A origem da educação positiva

    O pontapé inicial dessas abordagens foi a chamada disciplina positiva, baseada nas teorias do médico e psicólogo austríaco Alfred Adler (1870-1937) e de seu discípulo Rudolph Dreikurs (1897-1972), psiquiatra e educador do mesmo país.

    Adler (1870-1937) foi um contemporâneo de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, mas discordava do determinismo psíquico proposto por Freud. Ele acreditava que o ser humano é um ser social por definição, e que as interações e relações com os outros desempenham um papel fundamental na formação da personalidade.

    Em 1981, a psicóloga norte-americana Jane Nelsen publica o livro Disciplina Positiva, sistematizando as ideias dos dois pensadores e criando o método. Nelsen fundou a Positive Discipline Association para difundir a abordagem, e hoje a metodologia é adotada em diversos países.

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    A educação positiva reúne ainda conceitos da psicologia positiva, que visa desenvolver as potencialidades humanas e promover felicidade e bem-estar.

    O psicólogo Wagner de Lara Machado, coordenador do curso de especialização em Psicologia Positiva da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), resume que o principal trunfo dessa vertente é olhar para as potencialidades humanas e para a questão da felicidade e do bem-estar, objetivando que a pessoa consiga desenvolver plenamente todo o seu potencial.

    Em 2009, o termo educação positiva aparece pela primeira vez na literatura, no artigo Positive education: positive psychology and classroom interventions (Educação Positiva: Psicologia Positiva e intervenções em sala de aula), do psicólogo Martin Seligman e outros autores, no qual foi definida como uma educação tanto para as habilidades tradicionais como para a felicidade.

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    Dra. Jane Nelsen na época em que sistematizou a Disciplina Positiva. (PDA Brasil/Divulgação)

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    Educação positiva nas escolas

    Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre a educação tradicional. “Ela é muito focada na hierarquia, disciplina e no aprendizado mais conteudista. Questões como inteligência emocional nunca foram o foco”, explica Wagner.

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    Na abordagem da educação positiva, componentes como estratégias de comunicação, de empatia e de autoconhecimento passam a fazer parte da estruturação curricular das escolas, junto com competências que aumentam a resiliência, a emoção positiva, o envolvimento e o propósito.

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    Educação positiva em casa

    As pesquisas sobre neurociência e desenvolvimento infantil são claras e unânimes: relações empáticas e amorosas na infância são necessárias para que o cérebro evolua de forma ideal.

    Como previa Adler, a ciência provou que o cérebro infantil não é totalmente moldado geneticamente, ele é vulnerável ao ambiente em que se desenvolve e a todas as experiências vividas.

    No livro Por uma infância feliz (nVersos) – Clique para comprar*, a pediatra Catherine Gueguen cataloga diversos estudos e conclui que as relações parentais conseguem moldar a inteligência cognitiva e relacional da criança.

    E isso tanto positivo quanto negativamente. Punições severas e qualquer forma de castigo podem perturbar o desenvolvimento, por vezes causando inseguranças, medos e danos psicológicos irreversíveis. Nesse contexto de tantas descobertas, não faz mais nenhum sentido gritar com uma criança por um comportamento errado.

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    E, assim, o conceito amplo de educação positiva avançou ao ambiente doméstico.

    “Resumindo, é você educar com o objetivo de ensinar habilidades socioemocionais para a criança, validando sentimentos, usando o diálogo, oferecendo conforto e segurança, ao invés de chantagear, manipular, botar no cantinho do pensamento ou castigar”, explica Priscilla Montes, educadora parental certificada pela Positive Discipline Association.

    Essa abordagem estabelece que o adulto não é superior, só tem um papel diferente. Há um respeito mútuo, e um entendimento de que o adulto use seu cérebro maduro para educar respeitando a integridade do pequeno.

    Também são considerados princípios da educação positiva a teoria do apego seguro — criação de vínculos afetivos saudáveis —, o foco no desenvolvimento da inteligência emocional e a regulação emocional. no Brasil, um grupo de especialistas liderado pela pediatra Juliana Franco e a educadora Lívia Praeiro, inclui como pilar o recorte de gênero e raça, e como esses fatores influenciam no bem-estar da criança.

    “A educação tradicional e suas hierarquias aumenta cada vez mais o gap das desigualdades. Levamos esses cinco pilares em conta para não elitizar esse conhecimento e se alienar das realidades individuais que, no Brasil, são plurais”, afirma a neuropedagoga e educadora parental Maya Eigenmann, que também faz parte do grupo.

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    Abordagens positivas significam permissividade?

    Não, esse é o maior mito que ronda a área. Não é porque não há uma hierarquia que será uma criação permissiva.

    “Na educação tradicional existe uma dualidade: um manda, outro obedece, é sim ou é não. As pessoas confundem educação positiva com permissividade porque, se eu não estou mandando, então a criança está mandando. E não é nada disso”, contextualiza Maya, que também é a educadora parental.

    Dentro desse raciocínio, o adulto segue com seu papel de responsável e guia. “Jamais a gente vai deixar o nosso filho sair quebrando as coisas, machucando os outros, porque é nossa tarefa cuidar desse ser que está em desenvolvimento”, afirma a neuropedagoga.

    Wagner complementa que, em questões que a criança e o adolescente podem ter uma tomada de decisão, é importante deixar que o façam para o desenvolvimento deles. Mas, em casos que eles não conseguem se autorregular, os pais precisam intervir.

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    “Um dos grandes desafios dos pais hoje são as questões de tempo de tela e horário de dormir. E é responsabilidade deles definir e educar sobre isso”, explica o psicólogo.

    Outro mito que ronda essas metodologias é o de não poder dizer a palavra não. Mas isso não existe. “Às vezes se escolhe falar o que a criança pode em vez do que o que ela não pode fazer, em especial para os muito pequenos, mas eu falo não para os meus filhos sempre que necessário”, completa a especialista.

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    É difícil educar sob as abordagens positivas?

    Para muitos pais, sim. “É muito difícil desapegar da criação antiga, não ser rígido, gritar, punir, porque acaba ficando no subconsciente dos pais: ʽComigo funcionou assim e estou aqui hojeʼ”, comenta o pediatra Danilo Nambu, da Attual Clínica, especialista em educação médica pela Faculdade de Medicina da USP.

    “Ao mesmo tempo, cada vez mais esses pais entendem que não é certo replicar aquilo que eles vivenciaram quando pequenos, desde o estresse de sentar na mesa e ter que limpar o prato até as punições e castigos que receberam dos seus próprios parentes”, completa o médico, que aplica o método na criação de seus filhos.

    Um ponto bem importante para se educar com as abordagens positivas é sempre tentar entender as necessidades e sentimentos da sua criança. Mas isso pode ser um grande desafio.

    Validar sentimentos, se parar para pensar, é algo que parece trivial, como mostrar para seu filho que entendeu que ela está frustrado, cansado ou querendo atenção”, comenta Danilo. “Mas, muitos adultos não conseguem falar dos próprios sentimentos, das suas emoções. Somos muito despreparados nesse sentido”, completa.

    Por isso, para que consiga se aplicar essas metodologias, é preciso estudar. O conhecimento ajuda a compreender o que passa na cabeça do filho e por que ele está apresentando certos comportamentos.

    Para auxiliar nisso, Maya Eigenmann escreveu diversos livros, como Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e A Raiva Não Educa, A Calma Educa.

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    Obra de Maya Eigenmann sobre Educação Positiva. Editora Astral Cultural. (Editora Astral Cultural/Divulgação)

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    Como aplicar a educação positiva

    Existem diversos fundamentos teóricos e formas de educar mais respeitosas.

    Dentro da disciplina positiva, se usa o que o psiquiatra e pesquisador Rudolf Dreikurs chamou de consequências lógicas no lugar das tradicionais punições.

    Aqui, a intenção não é controlar o comportamento por meio do autoritarismo ou do medo, mas sim fazer com que o pequeno enxergue que suas ações erradas resultam em consequências indesejadas. Assim, baseado nessa experiência, as crianças podem tomar decisões informadas sobre como agir no futuro.

    Um exemplo: um aluno que não presta atenção a aula pode não entender o que foi ensinado, e, consequentemente, terá dificuldade de realizar uma tarefa ou prova sobre o tema. Não há punição, é algo que ocorre naturalmente, sem a intervenção do professor ou dos pais.

    Quanto ao tópico compreender os sentimentos da sua criança, os pais precisam ter jogo de cintura.

    Se a criança que está correndo no meio do corredor do hospital, os pais não podem deixar que ela continue, é realmente perigoso. Mas, ao invés de ficar insistindo pra ela se sentar e ficar parada esperando, primeiro é preciso entender que a criança está com energia, e ela precisa gastar.

    “Daí, cabe ao responsável se colocar em movimento para atender essa necessidade. Talvez ele precise ir para parte de escadas do hospital e fazer ela subir e descer, ou precise levar vários brinquedos para que ela consiga se distrair e esperar”, explica Maya.

    Não é nem tanto uma questão de impor limite, é realmente de compreender a realidade, baseada na idade da criança. É justo esperar que ela se dê conta que precisa ficar quieta nesse contexto? Não. Então, os pais, como adultos, pessoas com cérebros já maduros, é que precisam contornar a situação”, completa a neuropedagoga.

    De forma geral, é preciso criar uma relação segura com seu filho, de respeito mútuo. “Educação positiva não é sobre ter uma criança boazinha, comportada. É para termos adultos mais respeitosos com a infância, sabendo educar melhor, respeitando a neurociência e o desenvolvimento infantil”, finaliza Priscilla.

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