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O poder da amamentação

O aleitamento exclusivo deixa a criança mais resistente a um monte de doenças e evitaria cerca de 13% das mortes na infância

Por Goretti Tenorio
Atualizado em 23 abr 2019, 10h41 - Publicado em 21 jul 2016, 14h42
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  • Leite materno lembra coração de mãe. Sempre comporta mais um… benefício à saúde. Pois despontam novos motivos para não abrir mão da amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida – e, se possível, esticar as mamadas até a criança completar 2 anos de idade. Eles vêm de uma das maiores e mais completas investigações sobre o tema, recém-publicada no conceituado periódico médico The Lancet. Coordenado pelo epidemiologista brasileiro Cesar Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, o trabalho tabulou dados e avaliou estudos feitos nas últimas três décadas. Pelos seus cálculos, o aleitamento materno salvaria a vida de mais de 820 mil crianças no mundo anualmente.

    Na análise, o Brasil aparece como referência no assunto – e, felizmente, a prática vem crescendo por aqui. Sorte a nossa. Victora e sua equipe detectaram uma relação direta entre a amamentação e a queda nos índices de doenças na infância, de diabete a infecções respiratórias. Os reflexos econômicos também são vultosos, já que englobam uma redução expressiva de custos no tratamento dessas desordens. Não por menos, o vice-presidente do Banco Mundial para Desenvolvimento Humano, Keith Hansen, cravou em texto assinado na mesma edição do The Lancet: “Se a amamentação não existisse, quem a inventasse deveria ganhar dois prêmios Nobel de uma vez: em medicina e economia”.

    A natureza, porém, é sábia. Logo no início da gestação, as mamas da mãe se preparam para oferecer, em breve, um manancial de nutrientes e substratos que moldam a imunidade do filho. “O leite materno é a primeira vacina do recém-nascido”, afirma Isília Aparecida Silva, enfermeira obstétrica e professora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP). Durante a mamada, os anticorpos da mãe passam para o bebê, socorrendo seu sistema de defesa ainda imaturo para enfrentar sozinho vírus, bactérias nocivas e outros perigos.

    Esse incentivo imunológico estaria por trás da proteção inclusive contra quadros graves como a leucemia. O elo foi descortinado por um time da Universidade de Haifa, em Israel: flagrou-se uma queda de 19% no risco da doença entre os pequenos alimentados só no peito no início da vida. Embora ainda se desconheça o porquê, os estudiosos supõem que substâncias do leite sejam capazes de impedir inflamações persistentes e associadas à multiplicação descontrolada de algumas células no sangue – o que abre caminho ao aparecimento da enfermidade.

    A amamentação é daquelas criações da natureza que o homem dificilmente conseguirá copiar. “Existe uma comunicação perfeita entre a mama e a boca do bebê”, já adianta a pediatra Lélia Cardamone Gouvêa, professora da Universidade Federal de São Paulo. Ela explica que a composição do leite varia de um dia para o outro e até durante uma mesma mamada, porque a produção vai se ajustando às necessidades da criança a cada contato. Se o pequeno estiver ameaçado por uma infecção, aumenta a carga de anticorpos no líquido, por exemplo.

    Do ponto de vista nutricional, o alimento é fonte de cálcio, fósforo, magnésio, zinco, ferro… Até aí você pode dizer: mas o leite de vaca também traz esses minerais. É verdade. Só que, na versão materna, eles são mais bem absorvidos. Ao pacote de vantagens, somam-se vitaminas, proteínas, enzimas e gorduras do bem. Tamanho equilíbrio justifica outra tendência detectada pelo grupo da UFPel: a menor ocorrência de obesidade – e, por tabela, das suas consequências, como hipertensão e diabete – em quem ingere primordialmente leite do peito. “A hipótese é que a criança recebe uma dose adequada de nutrientes e calorias, e isso regularia seu apetite ao longo da vida”, diz o epidemiologista e coautor do trabalho Bernardo Lessa Horta.

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    Para não dar chance à diarreia na infância, o leite guarda oligossacarídeos, um tipo especial de carboidrato. “Eles deixam o ambiente intestinal mais ácido, o que impede o crescimento de bactérias prejudiciais”, esclarece a nutricionista Marcia Vitolo, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Além disso, amamentar traz uma vantagem indireta contra os desarranjos. “A criança não fica exposta à contaminação eventual de água usada no preparo de fórmulas ou de mamadeiras mal higienizadas”, argumenta Isília. O uso indiscriminado das fórmulas, diga-se, é criticado na edição temática do The Lancet. Os cientistas acreditam que utilizar esses produtos sem necessidade atrapalha a tão almejada adesão a amamentação. “A mulher muitas vezes se rende, achando que seu leite não é farto e forte o suficiente. E isso não existe”, enfatiza Lélia, que também leciona na Universidade Santo Amaro, na capital paulista. “Quanto mais ela levar o bebê ao seio, mais a produção será intensificada”, frisa.

    Para a fonte não secar

    De fato, existem mulheres que, por razões físicas ou psicológicas, não podem amamentar. Os médicos afirmam, no entanto, que são raros os casos em que isso acontece por problemas anatômicos ou hormonais. Uma alternativa quando esse precioso alimento falta são os bancos de leite. Mas é importante, antes de pensar que o aleitamento já era, controlar a insegurança e procurar apoio especializado. Informar-se sobre como tirar proveito das sessões com o filho facilita a efetividade de uma rotina de mamadas. Com a pega correta da mama, a mulher não sofre as temidas fissuras na região e a criança tem outro ganho. “Os movimentos corretos de sucção e deglutição promovem o desenvolvimento harmônico da sua arcada dentária”, diz a odontopediatra Sandra Kalil Bussadori, professora da Universidade Nove de Julho, em São Paulo.

    Sem contar que a interação entre mãe e filho se reflete, mais adiante, no desempenho escolar e até no futuro profissional do pequeno. “O cérebro continua se desenvolvendo nos primeiros meses de vida, e o conforto emocional contribui para a comunicação entre os neurônios”, explica Horta. O estudioso faz parte da equipe que acompanhou por três décadas 3 mil bebês nascidos em Pelotas nos anos 1980. Aqueles amamentados alcançaram até 7 pontos adicionais no teste de QI, o quociente de inteligência. O leite é rico em ácidos graxos de cadeia longa, como o DHA, gorduras da família do ômega-3. Tais ingredientes ajudam a compor a bainha de mielina, capa que recobre a cauda dos neurônios, favorecendo a conexão entre eles. Daí os ganhos cognitivos e intelectuais.

    Além de turbinar a saúde do rebento, a mãe tira proveito para o próprio organismo ao amamentar. Segundo o levantamento do The Lancet, a prática impediria 20 mil mortes em decorrência de câncer de mama por ano. É que, durante o aleitamento, a mulher não produz estrogênio, hormônio que pode incentivar a formação de nódulos nos seios. “Além disso, como durante a gravidez há um crescimento acelerado de células mamárias, facilitando aglomerações, a amamentação agiliza a eliminação das estruturas que podem virar um câncer”, conta o mastologista Luiz Henrique Gebrim, diretor do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. O ginecologista Julio Cesar Narciso Gomes, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, acrescenta o fator tempo para essa prática ser ainda mais favorável: “Estudos associam longos períodos de amamentação a uma menor predisposição a tumores, valendo a soma de diferentes gestações”, revela.

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    O aleitamento passa a defender o corpo da mãe logo após o parto. “Durante as mamadas, se intensifica a liberação de ocitocina, hormônio responsável pelas contrações do útero, ajudando a diminuir o sangramento. Como consequência, cai também a incidência de anemia materna”, explica a médica Marina Ferreira Rea, professora da pós-graduação em Nutrição e Saúde Pública da USP.

    Outro hormônio, a prolactina, este envolvido na fabricação do leite, inibe a ovulação. O quadro tem o nome de amenorreia lactacional e funciona como um contraceptivo natural. Ele provê uma espécie de controle de natalidade – estima-se que em alguns países africanos haveria um acréscimo de 50% nos nascimentos se as mulheres não amamentassem. A pausa do período fértil justificaria ainda a redução em 30% nos casos de câncer de ovário. “A liberação dos óvulos cria pequenas cicatrizes nas glândulas. Quanto maior a frequência da ovulação, maior o risco de a região sofrer uma mutação, e, com ela, surgir um tumor”, esclarece Gomes.

    O aleitamento dá um descanso também para as células que fabricam insulina no pâncreas. Durante a lactação, esse hormônio não precisa ser liberado a torto e a direito porque a glicose é transferida da corrente sanguínea ao tecido mamário para a produção de leite. Estaria aí uma possível explicação para a menor incidência de diabete tipo 2 entre mulheres que deram de mamar. Pois é isso: some um alimento completo para a criança a vínculos afetivos inestimáveis entre mãe e filho, e subtraia dessa conta o risco de uma porção de doenças. Eis a fórmula mágica – e muito endossada pela ciência – da boa e velha amamentação.

    Tesouro no banco

    Algumas mulheres produzem mais leite do que o filho precisa. Outras não conseguem amamentar. Para equilibrar essa conta, foram criados os Bancos de Leite Humano, vinculados a maternidades.

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    O Brasil é referência: dos 292 bancos que existem no mundo, 72,9% estão em nosso país. Eles são responsáveis pela coleta, controle de qualidade e distribuição do leite arrecadado. Em 2015, quase 172 mil mulheres doaram mais de 136 mil litros por aqui. “O produto do banco de leite é perfeito do ponto de vista nutricional”, garante a nutricionista Marcia Vitolo. E traz benefícios bem similares àquele que vai para a criança direto da fonte. Quem quiser doar ou receber obtém mais informações no site: https://goo.gl/e5eY17.

    Abaixo a repressão!

    Começou na cidade de São Paulo, depois chegou ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre… Pipocam projetos de lei pelo país garantindo às mães o direito de amamentar em shoppings, restaurantes, supermercados, bancos e outros locais públicos sem sofrer nenhum constrangimento – mesmo que os estabelecimentos tenham espaço reservado para isso. Em São Paulo e no Rio, leis de âmbito estadual já preveem multa a pessoas que tentarem impedir uma mulher de dar o peito para o bebê em público. Afinal, que razão haveria para esconder um ato tão natural e saudável?

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