Médicos brasileiros atestam droga que reduz colesterol alto em crianças
Anticorpo monoclonal é seguro e eficaz contra a hipercolesterolemia familiar, doença genética que aumenta a taxa de gordura no sangue desde a infância
Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), cerca de 40% dos adultos brasileiros convivem com colesterol alto, condição que aumenta o risco de problemas cardiovasculares, como aterosclerose e infarto. Mas se engana quem pensa que esse é apenas um problema de gente grande.
Crianças e adolescentes também podem ter acúmulo de colesterol na circulação. E, nesse caso em particular, o fundo genético é especialmente importante.
“A chamada hipercolesterolemia familiar [HF] é uma doença hereditária em que mutações genéticas passadas de uma geração a outra são responsáveis pela elevação do colesterol”, explica Raul Santos, cardiologista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
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À frente da Unidade Clínica de Lípides do hospital, o especialista conduziu um estudo a respeito de uma nova opção de tratamento para crianças e adolescentes com a doença. É o alirocumabe, um anticorpo monoclonal já aprovado na Europa e nos Estados Unidos para pacientes com HF a partir dos 8 anos de idade.
O medicamento inibe a proteína PCSK9, que é produzida em excesso por quem carrega alterações genéticas ligadas ao colesterol alto. Em abundância, ela acaba destruindo receptores que ficam no fígado e são responsáveis por filtrar o “colesterol ruim” (conhecido pela sigla LDL) do sangue, fazendo com que ele se acumule na corrente.
“Ao bloquear essa proteína, o fígado têm preservados seus receptores de LDL [lipoproteína de baixa densidade] e, assim, ele consegue baixar os níveis de colesterol”, descreve Santos.
No total, 153 jovens de 8 a 17 anos foram acompanhados ao longo de 24 semanas e separados em três grupos: aqueles que receberam doses mensais, os que tomaram o medicamento quinzenalmente e os que receberam placebo. Os pacientes já faziam uso de estatinas (o tratamento padrão para colesterol alto), mas esses medicamentos, por si, não eram o bastante para controlar o perfil lipídico deles.
Após dois anos de monitoramento, a pesquisa mostrou que os dois regimes, tanto o mensal quanto o quinzenal, foram responsáveis por reduzir em até 43% o colesterol LDL e em cerca de 20% a lipoproteína (a), outro tipo de gordura que também está associado ao aparecimento de doenças ateroscleróticas na vida adulta.
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“Estudos como esse são importantes para mostrar a segurança e eficácia do medicamento no tratamento da HF desde a infância, e podem ajudar a construir novas políticas de rastreio e cuidados com a doença”, celebra Santos. O artigo foi publicado em fevereiro da revista científica JAMA Pediatrics.
Por enquanto, no Brasil, o medicamento é aprovado apenas para adultos. O alirocumabe não está disponível no SUS e chega a custar mais de R$ 1,7 mil por injeção.
Do diagnóstico ao tratamento
A hipercolesterolemia familiar é uma condição comum, que afeta uma a cada 300 pessoas – somando mais de 600 mil casos no país. Apesar disso, ela é pouco conhecida pelo público e estima-se que até 95% dos pacientes não saibam que tenham a doença.
A condição pode ser flagrada desde a infância, mas não costuma manifestar sintomas. Por isso, é importante incluir a checagem dos níveis de colesterol nos exames de rotina de crianças e adolescentes.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o exame deve ser feito em crianças de 2 a 8 anos que tenham obesidade, diabetes ou histórico familiar de doença cardíaca ou colesterol alto. Dos 9 aos 12 anos, toda criança deve realizar a checagem também.
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“Quanto mais cedo o diagnóstico for feito, maiores as chances de evitar problemas cardiovasculares antes dos 50 anos“, alerta Santos.
Atualmente, o tratamento é feito a base de uma dieta saudável e do uso de estatinas. Para os pacientes pediátricos que não respondem a essa terapia, o alirocumabe pode ser, no futuro, mais uma ferramenta liberada no Brasil — assim esperam os especialistas.